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Políticas públicas de pagamento por serviços ambientais no Brasil

2 MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA E PAGAMENTO POR SERVIÇOS

2.6 Políticas públicas de pagamento por serviços ambientais no Brasil

No Brasil, o marco da tomada em consideração do referencial de SA e do PSA acontece em 2005. Esse marco foi a aprovação da lei que criou o projeto Conservador das Águas no município de Extrema no estado de Minas Gerais (PAGIOLA; GLEHN; TAFFARELLO, 2013). Entretanto, vale destacar que, no início da década de 2000, dentro do PROAMBIENTE, já havia sido proposto um modelo de PSA, mas ajustado aos interesses de movimentos sociais amazônicos (MATTOS, 2011).

A partir disso, diversas iniciativas de PSA foram sendo desenvolvidas nas diferentes regiões e biomas brasileiros (PAGIOLA; GLEHN; TAFFARELLO, 2013). A maior parte delas e as mais consolidadas ocorrem nas regiões sul e sudeste no domínio do bioma Mata Atlântica (GUEDES; SEEHUSEN, 2011; PAGIOLA; GLEHN; TAFFARELLO, 2013). Até 2013, um levantamento da organização não governamental (ONG) Forest Trend, com o intuito de mapear e gerar informações sobre todas as iniciativas de PSA no Brasil, identificou 163 iniciativas, das quais 38% ocorriam na Mata Atlântica, 28% na Amazônia, 25% no Cerrado, 8% na Caatinga e 1% no Pampa (TITO, 2013). Portanto, o mecanismo de PSA está sendo sobretudo aplicado no bioma mais devastado do Brasil. Na sua porção sudeste, a floresta atlântica sofreu com um processo histórico de ocupação e alteração do uso do solo, transformando-se na região mais densamente povoada, industrializada, rica e devastada do país (DEAN, 1996). As florestas desse bioma, que ocupavam cerca de 130 milhões de hectares, reduziram-se a 7,3% dessa área (SOS MATA ATLÂNTICA; INPE, 2009). Tal redução florestal se reflete num dos critérios fundamentais para a aplicação do mecanismo de PSA no país: ser direcionado a áreas prioritárias para a conservação e recuperação ambiental (PAGIOLA; GLEHN; TAFFARELLO, 2013).

No bioma Mata Atlântica, havia até 2010, três modalidades de PSA em funcionamento, denominadas: PSA-Carbono, PSA-Biodiversidade e PSA-Água (GUEDES; SEEHUSEN, 2011). O PSA-Carbono, estava relacionado, principalmente, a iniciativas de sequestro de

carbono, que por apresentarem altos custos de transação4 para sua aprovação e implementação, envolviam basicamente grandes projetos comerciais (MAY, 2011). O PSA- Biodiversidade estava muito pouco desenvolvido. Existiam cinco inciativas, sendo três em fase de elaboração e somente duas efetivamente em execução (SEEHUSEN; CUNHA; OLIVEIRA JUNIOR, 2011). Assim, o mais relevante é o PSA-Água. Das dezoito inciativas brasileiras de PSA compiladas em Pagiola, Glehn e Taffarello (2013), treze delas são vinculadas ao PSA-Água. Em 2010, a modalidade englobava 41 iniciativas, sendo que 70% ocorriam nos estados do Sudeste. Nestes estados estavam as iniciativas mais avançadas: seis em fase de implementação, dezessete em fase de desenvolvimento e cinco em fase de articulação (VEIGA NETO; GAVALDÃO, 2011)5.

Neste cenário, grande parte das iniciativas de PSA-Água está inserida no âmbito de políticas públicas estaduais e municipais de gestão de recursos hídricos (VEIGA NETO; GAVALDÃO, 2011). Isso ocorre porque o mecanismo de PSA-Água surge intimamente relacionado com a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) (Lei n° 9.433, de 8 de janeiro de 1997). A PNRH estabeleceu as figuras do usuário-pagador e do poluidor-pagador para alcançar a maior racionalidade no uso da água, tendo a bacia hidrográfica como unidade de gestão e aplicação da política (PEREIRA; MEDEIROS, 2009) e o Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH) para aumentar a participação nas tomadas de decisão com vistas a uma gestão integrada dos recursos hídricos (GARCIA; FELICIDADE, 2003). A arquitetura da PNRH permitiu abrigar, legitimar e viabilizar o mecanismo de PSA-Água no Brasil. Primeiro, o mecanismo de PSA-Água incorpora a lógica econômica do usuário-pagador e do provedor- recebedor, pelos quais aqueles que se beneficiam do SA devem pagar por ele, e aquele que contribui com a geração do serviço deve receber por isso (WUNDER, 2005; ENGEL; PAGIOLA; WUNDER, 2008; PAGIOLA; GLEHN; TAFFARELLO, 2013). Segundo, a bacia hidrográfica se torna a unidade geográfica definida para a aplicação do PSA-Água, em especial, as prioritárias à conservação e recuperação ambiental (VEIGA NETO; GAVALDÃO, 2011; PAGIOLA; GLEHN; TAFFARELLO, 2013). Terceiro, o PSA-Água tem no CBH espaço privilegiado para operar. Assim, a maioria das iniciativas ou surge dentro

4 Os custos de transação são os custos totais associados a uma transação, incluindo os custos de negociação,

informação, administração, operação, dentre outros (VATN, 2010).

5 Fase de implementação: proprietários engajados, contratos assinados, atividades de conservação e restauração em execução, mudanças no uso do solo monitoradas e pagamentos realizados. Fase de desenvolvimento: avaliação socioeconômica e seleção de áreas prioritárias realizadas, avaliação do uso do solo realizada e pagamentos calculados e contribuição de parcerias garantida. Fase de articulação: criação de uma rede de atores interessados no PSA (VEIGA NETO; GAVALDÃO, 2011).

de um CBH ou tem participação do mesmo como financiador integral ou parcial (VEIGA NETO; GAVALDÃO, 2011).

Neste mesmo cenário, também acontecem programas e projetos com base em legislação específica que institui o PSA-Água. O poder público estadual ou municipal através da elaboração e aprovação de leis e pela regulamentação por decretos viabiliza a existência legal, cria mecanismos de funcionamento, de financiamento e de controle para implementar o mecanismo de PSA-Água (VEIGA NETO; GAVALDÃO, 2011).

Apesar deste último emergir em contextos estaduais e municipais (PAGIOLA; GLEHN; TAFFARELLO, 2013), foi uma política de nível nacional que impulsionou sua existência. O “Programa Produtor de Água” da Agência Nacional de Águas (ANA) foi um dos principais difusores do conceito de “produtor de água” e do modelo de projeto de PSA-Água no Brasil. Este programa teve início em 2006 com o objetivo de controlar a poluição difusa em bacias hidrográficas estratégicas para o país, focando em ações para reduzir a erosão do solo, melhorar a qualidade da água e regular o regime hidrológico de rios (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS - ANA, 2009). Em 2013, dezesseis projetos de PSA-Água, de algum modo, seguiam as diretrizes e conceitos estabelecidos pelo programa da ANA, a saber: a) utilizavam o mecanismo de PSA, b) eram aplicados em áreas rurais, visando preferencialmente, pequenos proprietários rurais, c) usavam a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e execução, d) privilegiavam práticas sustentáveis de produção e, e) implementavam sistemas de monitoramento de resultados (ANA, 2013).

Em nível estadual, destaca-se o projeto ProdutorES de Água no estado do Espírito Santo, uma vez que materializou o mecanismo de PSA-Água dentro da primeira lei estadual que adere ao referencial de SA. Ainda criou o primeiro fundo estadual para financiar o PSA- Água com recursos provenientes dos royaltes do petróleo do estado (SOSSAI et al., 2012). Em nível de CBH, o Projeto Piloto Produtor de Água nas Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí no estado de São Paulo marcou a implementação prática do modelo “Produtor de Água da ANA” em uma das bacias hidrográficas mais ameaçadas do país (ANA, 2013). Em nível municipal, o projeto Conservador das Águas no município de Extrema no sul de Minas Gerais é o caso de maior destaque nacionalmente, porque foi o primeiro projeto com base legal estabelecido no país e porque alcançou os resultados práticos mais significativos (PAGIOLA; GLEHN; TAFFARELLO, 2013).

Ademais, estão em tramitação dois projetos de lei federal que versam sobre o assunto. O Projeto de Lei 729 de 2007, que visa estabelecer diretrizes da Política Nacional de PSA, assim como a criação do Programa, do Fundo e do Cadastro Federal de PSA, e o Projeto de Lei

1.274 de 2011, que visa estabelecer o Programa Nacional de Compensação por Serviços Ambientais e o Fundo Federal de PSA (TITO, 2013). Além disso, o novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012) estabeleceu as chamadas Cotas de Reserva Legal. As cotas permitirão que proprietários rurais com vegetação nativa insuficiente para cumprir as suas obrigações legais contratem outros proprietários para manter áreas florestais além das suas próprias exigências de Reserva Legal (PAGIOLA; GLEHN; TAFFARELLO, 2013). Alguns já esperam que este instrumento possa criar um mercado de terras florestadas, adicionando valor econômico para a vegetação nativa (SOARES FILHO et al., 2014).

Aqui, constata-se que, no Brasil, o mecanismo de PSA-Água se estabeleceu via política pública. Porém, ainda é um mecanismo ajustado para o mercado. Por isso, mesmo quando se considera tal mecanismo como fruto de uma política pública, ou seja, quando se torna uma ação de governos, deve-se observar o papel do estado como ativador de um mercado privado de SA. Neste sentido, autores como Pagiola, Glehn e Taffarello (2013) e Martin-Ortega, Ojea e Roux (2013) entendem que os governos que promovem projetos de PSA-Água agem como intermediários de uma relação entre compradores e vendedores de SA. Para muitos autores, esse não é o modelo preferido para se estabelecer o mecanismo de PSA (PAGIOLA; GLEHN; TAFFARELLO, 2013). Esse ponto de vista leva ao entendimento de que a política pública propaga um mecanismo de PSA-Água com um viés de mercado. Este entendimento não é possível de ser comprovado, porque ainda não existem evidências empíricas sobre este fenômeno, mas deve ser registrado como futuro aspecto a ser analisado no âmbito do mecanismo de PSA-Água no Brasil.