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2. Funcionalidade e evolução morfológica

2.5 Ornamentos processionais

Graças à magnificência e fausto que tende a caracterizar as manifestações religiosas públicas, de que se afigura como expoente máximo o cortejo processional, também os ornamentos têxteis envolvidos neste tipo de celebração se destacam como proeminentes elementos do préstito.

Como Manuel Sánchez observa, a maior atenção e os maiores cuidados centram-se naquele que é considerado o ornamento têxtil mais espectacular de todos os usados no contexto processional, em concreto, o pálio ainda que muitas outras peças bem como todo um conjunto de insígnias e símbolos se englobem neste contexto funcional - como as mangas de cruz e os flabelos, por exemplo. Adoptados com a principal função de realçar a relevância e especial significado do acontecimento a que se associam144, pese embora a diversidade de ornamentos envolvidos na construção cénica desta forma de expressão religiosa que é a

140 Cf. O cap. 1. Os preceitos litúrgicos em Portugal: o caso das Constituições Sinodais.

141 Segundo TRENS, Manuel - Maria. Iconografia de la Virgen en el arte español. Madrid: Ed. Plus Ultra, 1947,

p. 647. Apud ALBERT-LLORCA - op. cit., p. 84.

142 Cf. SANTO - op. cit., p. 31.

143 Cf. BORGES, Nelson Correia - O Inventario dos Ornamentos e joias da Igreja de Santiago de Coimbra, em

1607. Coimbra: Instituto de História de Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1980, p. 34-35.

procissão, nesta parte da nossa análise será apenas concedida atenção a um conjunto restrito de alfaias, em concreto o pálio, os estandartes e as bandeiras, mais frequentemente identificados entre as relações de festas consultadas.

• Pálio processional

O pálio145 é um baldaquino portátil limitado à sua componente superior, isto é, ao sobrecéu rectangular e aos lambrequins que o circunscrevem - podendo apresentar-se muitas vezes franjados, com galões ou borlas ao longo da orla inferior -, a qual é suportada por 4, 6 ou 8 hastes levadas por homens (ESQUEMA 6). No conjunto dos ornamentos que integram o pálio pode ainda distinguir-se a presença de outros elementos como sejam as cortinas, colocadas ao longo de um suporte, e uma série de adereços decorativos, como bolas ou penachos montados sobre suportes independentes de madeira ou metal, ao nível do seu coroamento146.

Presumivelmente derivado de estruturas semelhantes usadas sobre os imperadores do Oriente como símbolos de honra, deferência e poder daqueles que cobrem147, no século XI já o Papa se apresentava protegido pelo pálio durante as suas funções na basílica de São Pedro ou noutras basílicas romanas148.

O uso do pálio na procissão com o Santíssimo Sacramento remonta ao século XIV ainda que a sua adopção seja já mencionada no século XII, nomeadamente nos Ordo XI (1143) e Ordo XII (final do século XII)149. No tempo que medeia entre as duas datas, o tema do pálio é abordado pelo cónego da ordem de S. Bernardo (S. Bernardo de Claraval (1090-1153) (c. 1143), por Oedo di Cencio (Cencio Savelli, ~1150-1227), eleito como papa Honório III (em 1216) e por Inocêncio III, cuja abordagem se dilata ao próprio simbolismo150. Com respeito a

145 No entender de Manuel Sánchez, este elemento deve ser denominado dossel de comitiva e não pálio, termo

que considera erradamente apelidado; cf. Ibidem, p. 22. Na verdade, na globalidade das entradas de diccionário consultadas a expressão usada para este elemento é realmente baldaquino ou dossel que, no caso concreto, tem a particularidade de ser portátil. Nas mesmas obras, a nomenclatura pálio refere-se a uma insígnia própria do papa, de alguns bispos e arcebispos, correspondente a uma banda estreita de tecido de lã branca, de cerca de 6 cm de largura e forma circular colocada a cingir os ombros, da qual pendem, sobre o peito e as costas, duas faixas curtas, cada uma delas com uma placa de chumbo revestida a tecido negro; cf. Pálio. In ROCCA; GUEDES - op. cit., p. 158. No presente estudo optámos, ainda assim, por eleger este termo na medida em que também ele nos surge na documentação coeva consultada, nomeadamente, nos inventários e nas relações das festas.

146 Cf. Cortinas de pálio processional e Ornamento de pálio processional. In ROCCA; GUEDES - op. cit., p. 78. 147 Cf. Dais. In BERTHOD, Bernard; BLANCHARD, Pierre - Trésors Inconnus du Vatican. Cérémonial et

liturgie. Paris: Les Éditions de l’Amateur, 2001, p. 172; Baldacchino. In MURRAY; MURRAY - op. cit., p. 46.

148 Cf. ORSINI - op. cit., p. 188.

149 Cf. VOLBACH, Gulielmo Federico; MATTEI, Silverio - Baldacchino. In AAVV, Enciclopedia Cattolica. vol.

II, col. 731; Pálio. In AAVV, Grande Enciclopédia Luso-Brasileira. Lisboa: Verbo, 1973, vol. 14, p. 1152; DURET, D. - Mobilier, Vases, Objets et Vêtements Liturgiques. Paris: Librairie Letzouzey et Ané, 1932, p. 258- 259.

esta vertente, também Guillaume Durand de Mende enuncia o significado místico do pálio reconhecendo neste adereço um símbolo da Santa Escritura, e nos portadores dos quatro bastões que suportam a componente têxtil uma alusão aos quatro evangelistas que proclamam a Sagrada Escritura e exaltam a fé151.

O pálio é sustido sobre o presbítero que leva na procissão o Santíssimo Sacramento ou, na Quinta-Feira Santa, os Santos Óleos, bem como sobre relíquias, imagens religiosas ou altos dignitários.

A cromia do pálio deve configurar-se em concordância com a ocasião, de acordo com as disponibilidades financeiras e materiais dos promotores da iniciativa, ainda que os ornamentos têxteis que o compõem sejam por norma em tecido de seda branca com trama prateada ou dourada para o Santíssimo Sacramento e de seda vermelha para uma relíquia do Santo Lenho, instrumento da Paixão ou para algum alto dignitário152.

A condução do pálio deve ser assegurada por eclesiásticos dentro da igreja, enquanto no exterior a sua sustentação, entendida como uma honra especial, cabe a membros distintos da comunidade civil e até mesmo aos próprios monarcas, sendo que à pessoa mais digna é atribuida a vara direita da frente, à segunda, a da esquerda e, assim, sucessivamente153.

• Estandartes e bandeiras processionais

Os estandartes processionais equivalem a um tipo de bandeira rectangular (de implantação vertical) suspensa de um varão horizontal suportado por haste com que forma uma cruz podendo os respectivos tecidos ser decorados com imagens e inscrições alusivas à entidade que representam e ainda exibir cordões laterais com borlas pendentes nas extremidades154. São levados em procissão pelos membros de uma confraria religiosa, de uma

congregação ou de uma paróquia, e aqueles que abrem o cortejo ou vão à frente de uma confraria tomam o nome específico de guião - com a particularidade de apresentarem não só grandes dimensões mas ainda pontas farpadas155.

Com relação às bandeiras, as mesmas são também em tecido, com formas e tamanhos diversos, com a diferença de se apresentarem fixadas lateralmente na haste ou mastro, de se

151 Cf. DURAND, Guillaume - Rationale, t. IV, c. VI, nº 10. Apud D. DURET - op. cit., p. 259. 152 Cf. Ornamento de pálio processional. In ROCCA; GUEDES - op. cit., p. 78.

153 Cf. Pálio. In AAVV, Enciclopédia Portuguesa-Brasileira, vol. 20, p. 94.

154 Cf. Estandarte processional e Guião processional. In ROCCA; GUEDES - op. cit., p. 136-137; Estandarte. In

DICCIONARIO de Autoridades, 1979, vol. II, p. 627 (1ª ed. 1732).

155 Segundo Fr. João Pacheco os mesmos guiões podem tomar a designação de pendões: “estandarte grande,

farpado, e insignia, que as Irmandades, e freguezias, levaõ nas procissoens”; cf. PACHECO - op. cit., tomo IV,

projectarem, por norma, no seu sentido horizontal e da sua ornamentação ser mais simplificada, ainda que também elas possam exibir imagens religiosas156.

156 Cf. Bandeira Processional. In ROCCA; GUEDES - op. cit., p. 134. Sobre as entradas “estandarte” e “bandeira”

na obra que nos serviu de referência, cumpre-nos alertar que as imagens que as acompanham estão decerto trocadas, uma vez relevadas as características particulares dos espécimes seleccionados.