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Os Catadores em uma Existência Plástificada Vivem do Lixo ou no Lixo?

AGRESTE PERNAMBUCANO

UNESCO ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA Década da educação das Nações Unidas para um desenvolvimento sustentável, 2005 – 2014: documento

4.2 Os Catadores em uma Existência Plástificada Vivem do Lixo ou no Lixo?

De modo particular, como esse artigo tratou do lixão do município de Passira, pode-se compreender que a atual situação do lixão da cidade trouxe sérios problemas ambientais e sociais, no que tange a população que vive do lixão, ou seja, os catadores de materiais recicláveis em seu trabalho árduo diário. Os lixões estão localizados em áreas a céu aberto, sem nenhum cuidado. O lixo transmite doenças para os indivíduos que lá habitam em busca de uma renda para viver/ sobreviver. Figueira (2016) define o lixão como:

O lixão é o nome dado a áreas a céu aberto, que recebem parte dos resíduos sólidos sem, para tanto, ter nenhuma preparação anterior do solo, caracterizando áreas de altíssima contaminação do solo e lençóis freáticos, sem contar os perigos a que estão submetidos os catadores de lixo nesses ambientes [...] moscas, pássaros e ratos convivem livremente com o lixo nessas áreas a céu aberto, aumentando as possibilidades de disseminação de doenças (FIGUEIRA, 2016, p. 19).

É neste ambiente hostil e desumano que as relações de trabalhos informais na gestão dos resíduos sólidos acontecem. Atuando como agentes socioambientais, os coletores de lixos “ganham a vida” na separação da matéria morta para o mercado de reciclagem. As figuras 3 e 4 ilustram a organização, por partes dos catadores, no que se refere à separação dos resíduos depositados no lixão. O plástico, majoritariamente proveniente das garrafas-PET, e o papelão são os principais materiais catados para posterior venda.

Ainda assim, quando perguntados sobre quais materiais eles (catadores) catavam para vender, repetitivamente, responderam selecionar também, quando existentes, ferro e alumínio. Ao fundo, na figura 3, é possível notar carcaças de geladeiras que serão comercializadas, ainda no processo de reciclagem. Em ambas as figuras, pode-se perceber que os espaços físicos são as margens das estradas que circulam os veículos que depositam o lixo coletado na cidade e espaço que o lixo em si é despejado, foram utilizados, de modo organizado, para separaçãodos resíduos coletados.

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Figura 3. Plástico separado.

Fonte: Os autores, 2017. Figura 4. Papelão separado.

Fonte: Os Autores, 2017.

Este trabalho diário na catação tem um propósito claro: a geração de uma renda para a manutenção do grupo familiar na qual o catador foi inserido buscando a significação de um sentido de

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vida na subsistência. Para Leff (2010, p. 122), norteado pelo pensamento de Marx Weber (1864 – 1920), a diversidade cultural configurada em toda a racionalidade ambiental aos sentidos subjetivos que definem a qualidade de vida e às modificações dos atores sociais do ambientalismo. Entende-se, atores sociais do ambientalismo, como um termo análogo aos catadores que buscam no lixo uma tentativa (falha) de gerar uma renda que suporte um padrão social mínimo de dignidade para se manter vivo diante do lixo morto catado, frente uma sociedade marginalizadora.

Como “fruto” dos relatos dos catadores em campo quando entrevistados, a tabela 1 mostrou detalhadamente os materiais coletados por eles, as horas trabalhadas na coleta do lixo e a renda gerada pelo o trabalho precário no lixão. Vale ressaltar que a tabela detalhou o grupo familiar no qual o catador faz parte. Grupo este relatado pelo próprio catador no ato da pesquisa.

As famílias de número dois (2), três (3) e seis (6) relataram possuir outra fonte de renda além daquela gerada pelo trabalho no lixão, que foram respectivamente: uma aposentadoria, um auxílio do programa social denominado de “bolsa família” e uma criação pequena de suínos. As outras famílias analisadas têm exclusivamente o lixo como fonte geradora de dinheiro.

Tabela 1. Agrupamento dos dados da pesquisa em campo. Grupo familiar Quantidade de

pessoas que compõe o grupo familiar Quantidades de pessoas do grupo familiar que trabalha no lixão Horas diárias na coleta de lixos para a reciclagem Tipos de resíduos sólidos coletados Renda gerada pelo trabalho no lixão por média Família 1. Três (3)

membros. Um (1) membro. 12 horas por dia. Alumínio, cobre e plástico.

500 reais mensais. Família 2. Três (3)

membros. Um (1) membro. 7 horas por dia. Plástico e cobre. 540 reais mensais. Família 3. Dois (2)

membros.

Dois (2)

membros. 10 horas por dia. Plástico e cobre. 780 reais mensais. Família 4. Cinco (5)

membros. Um (1) membro. 12 horas por dia. Ferro, papelão e plástico. 480 reais mensais. Família 5. Seis (6)

membros.

Um (1) membro. 12 horas por dia. Ferro, papelão e plástico.

600 reais mensais. Família 6. Quatro (4)

membros. Um (1) membro. 10 horas por dia. Cobre e plástico. 300 reais mensais.

Uma média geral. ____ ____ 10,5 horas por

dia. ____ 533,33 reais mensais. Fonte: Os Autores, 2017.

Diante disto, ficou nítido a precarização na labuta do lixo. Os coletores de materiais recicláveis chegaram a trabalhar entre sete (7) a doze (12) horas diariamente, com pausas curtas para se alimentar, que segundo os próprios coletores, não passam de uma (1) hora para as refeições principais – nesse caso, o café da manhã e o almoço. A média de horas trabalhadas pelos catadores de todos os grupos

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familiares chega a um total de dez horas e trinta minutos (10,5) por dia. A exploração é levada ao limite exaustivo do corpo.

A primeira refeição era realizada dentro do lixão, embalados em uma bolsa, os alimentos acompanhavam os catadores ao sair de casa e eram consumidos entre um despejo e outro do caminhão que transporta o lixo da cidade para o local de deposito – o lixão. Os catadores se alimentavam no lixo e do lixo, uma vez que o dinheiro para compra do alimento provinha do labor da catação.

A figura 5 expõe um dos veículos que foram utilizados no município de Passira para coletar os lixos e transportá-los da área urbana para o lixão. Na figura foi mostrado um trator em estado deplorável, sendo utilizado de modo precário no qual realizavam a limpeza da cidade, que não apresentava uma coleta seletiva no tratamento dos resíduos. Galhos de árvore (matéria orgânica) em decomposição eram conduzidos juntos com materiais de plástico e alumínio. O lixo foi misturado e assim despejado no lixão para a catação.

Figura 5. Veículo utilizado para transportar o lixo.

Fonte: Os Autores, 2017.

A lida no lixão começa cedo, a matéria viva põe-se em pé antes do nascer do sol para catar a matéria morta. É lixo, é fogo, é plástico, é papelão. É sofrimento, é tortura e solidão. A ocupação com o lixo começa antes das cinco (5) horas da manhã e perdura durante todo o dia. “Toda essa infraestrutura e as relações estabelecidas entre os agentes [se expressão] levando a heterogeneidade das formas de exploração e subordinação do trabalho envolvido, quantitativa e qualitativamente, explorando mulheres, crianças e homens” (GONÇALVEZ, 2006, p. 114). O grupo familiar dois (2), composto por dois (2) membros, um do sexo masculino e outro do sexo feminino, trabalhavam ambos juntos no lixão. Homem e mulheres são explorados.

A chamar atenção ainda para tabela 1, nota-se a baixa remuneração propiciada pelo trabalho na catação do lixo. Em média, os valores variavam entre trezentos (300) reais a setecentos e oitenta (780) reais mensais. Uma renda que não garantia a existência do grupo familiar como um todo, mas, sim, assegurava apenas uma subsistência plastificada, mórbida e dilacerada. É correto, por vezes

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estimulante e ao mesmo tempo ilusório por partes dos catadores (subalternizados pelo mercado de trabalho) acreditarem que o lixo venha fornecer uma vida minimamente digna, quando na verdade, o lixão torna-se sanguessuga da vitalidade humana. Vivem-se do lixo e no lixo.

Diante desta estrutura paradigmática, chegou-se ao ponto de argumentação que a precarização do trabalho se refere ao “trabalho mal remunerado, pouco reconhecido e que provoca um sentimento de inutilidade ao trabalhador. Refere-se ainda à instabilidade do emprego, à ameaça do desemprego, à restrição dos direitos sociais” (MACEDO; MEDEIROS, 2006, p. 63-64). Frente a este contexto que se encontrava os catadores de materiais recicláveis, remuneração baixa, pouco ou nenhum reconhecimento social, uma vez que são malvistos diante da sociedade. Catavam o lixo que os compõem socialmente, apartados de um convívio existencial quando membro de uma comunidade segregada, excluída que vive à margem da dignidade de ter um corpo social pertencente. Os catadores não vivem, subsistem.

Plastificados, isto é, enclausurados em bolhas plásticas de preconceitos e estigmas sociais, os catadores encontram-se dentro de um tecido social que mantém/ agrava a desigualdade social e dilata as margens da pobreza. Excluídos da sociedade e de seu mercado de trabalho, os catadores veem no lixo a tentativa de se manterem vivos, no entanto, tornam-se vivo-mortos. Morrem aos poucos na catação da matéria já morta, morrem como seres sociais e morrem com a diluição da saúde do corpo. Há mosquitos, fumaça e fogo. Na tentativa de viver, vão morrendo.

Chegou-se a argumentação de que, segundo Macedo e Medeiros (2006), criou-se uma extrema dialética na vida dos catadores que buscavam de forma simplória um reconhecimento da existência:

A dialética inclusão/exclusão permite compreender o conceito de inclusão como um processo, e, assim, possibilita a compreensão da inclusão social pela exclusão. É o que se observa ao analisar as relações de trabalho dos catadores de materiais recicláveis: excluídos do mercado de trabalho, os trabalhadores encontram na catação a possibilidade de garantir sua sobrevivência, mesmo executando um trabalho desprovido de qualquer garantia trabalhista, e, a partir daí, sentem-se novamente incluídos (MACEDO; MEDEIROS, 2016, p. 69-70).

Contudo, é uma inclusão plastificada, na qual os catadores foram impostos à mercê do lixão que criavam corpos semivivos, sem caráter político, apáticos e inertes. Inseridos em uma trama social que os disciplinavam, pela exclusão, a buscarem no lixo uma maneira de viver/ sobreviver. São seres destituídos da sua existência em uma realidade humana diária esvaziada pela alienação constante do processo de catação. No lixo buscou-se viver e, portanto, foi nele que se viveu/ vive: do lixo e no lixo.

As relações de trabalho no lixão “regido pela ordem capitalista em sua frieza tecnocrática se tornam apenas um recurso para que o sujeito possa obter o ganho mínimo para a manutenção de sua existência, em verdade, uma subvida” (BITTENCOURT, 2013, p. 16-17). Tal premissa ficou evidente ao observar que os catadores cultuavam um trabalho arraigado na miséria de uma renda insuficiente para fomentar um padrão de vida razoável para a dignidade humana na sociedade atual. Pode-se pensar – e frequentemente assim se pensa – na institucionalização de uma liturgia que, para o grupo de catadores, do lixo não se ganhavam à vida, lá a perde.

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O desenvolvimento sustentável abraça o objeto de estudo deste artigo, uma vez que a problemática socioambiental do lixão é “fruto” de uma desordem social em um comercialismo feroz que maximiza o consumo de uma sociedade alienada e provoca um predomínio da esfera econômica sobre quaisquer outras esferas, como a ecológica e a social, da estrutura teórica proposta por Seiffert (2011). O corpo social e o ambiental são deixados à parte, provocando um ciclo vicioso; consumo > descarte de resíduos > lixo > lixão > catação > miséria.

Ainda assim, vale dizer, que se reconheceu a importância da reciclagem na recuperação dos materiais, mas coube vislumbrar “a compreensão da trama que envolve a tensa relação na qual a sociedade contemporânea está envolvida, uma tensão que se expressa na forma de pobreza, miséria, exclusão e degradação ambiental, não deve ter como resolução soluções paliativas” (GONÇALVEZ, 2016, p. 121). Não basta apenas verbalizar políticas públicas, precisa-se de efetivação. Caminhos sociais que visem resgatar a vitalidade dos catadores, dando-os a oportunidade de existirem fora do lixo.

Leff (2010, p. 127) argumenta que a racionalidade ambiental se constrói e se concretiza por múltiplas inter-relações entre a teoria e a práxis. Isto é, nortear o conhecimento teorizado para as relações sociais e as reflexões políticas, econômicas e morais. É uma mudança estrutural que paulatinamente visa elaborar meios efetivos de inclusão social não-plastificada dos indivíduos que do lixo e no lixo vivem.

E dentro de várias perspectivas foucaultianas que, aqui se argumenta em favor de um saber ambiental que permita “ver a irrupção do saber ambiental como efeito destes processos de mudança social, da emergência de uma nova consciência e de novos valores” (LEFF, 2010, p. 137). Quer dizer, necessita-se reconfigurar a ideologia social pautada no consumo e na marginalização de um grupo social que buscava sobreviver do lixo, gerado por toda uma sociedade individualista e propagadora da cretinice insana.

Vivendo do lixo e no lixo, a realidade das relações de trabalho no lixão passirense foi/ é desumano, bárbaro e desapiedado. Excluídos de um mercado formal de trabalho, os catadores buscavam no lixo sobreviver, ironicamente, em um ambiente que, para a vida humana, mostra-se abiótico – em uma eterna dialética de convívio grupal. Quer se acreditar, e apaixonadamente se acredita que a renda gerada no processo de gestão e reciclagem de resíduos sólidos não garante uma existência, mas, sim, uma subsistência de vidas/ semividas em um teatro deplorável que exibia nos palcos cenas reais de seres que padeceram/ padecem.

5. CONCLUSÕES

A realização da pesquisa permitiu analisar as relações de trabalhos informais existentes na catação de resíduos sólidos no lixão da cidade de Passira, pertencente ao agreste pernambucano. Foi possível notar uma relação negativa do trabalho precário com o grau de escolaridade dos catadores de materiais recicláveis, uma vez que apenas um especificamente concluiu o ensino médio comum. Ficou evidenciada, ainda, uma dialética social de vida no lixão, no qual um grupo de catadores buscam se manterem vivos na catação da matéria morta, ao passo que vão aos poucos dilacerando a saúde de seu corpo. Em uma constante linha tênue entre inclusão/exclusão, saúde/doença, existência/subsistência – a pesquisa evidenciou que os catadores vivem do lixo e no lixo –, uma vez que as rendas provenientes

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da reciclagem dos resíduos sólidos catados são insuficientes para um padrão de vida digno na atual sociedade. Chegando a argumentar que os catadores de lixo e seus respectivos grupos familiares subsistem plastificados pelos estigmas e preconceitos sociais que o marginalizam do tecido social como um todo. Cabe ressaltar, aqui, que o presente estudo não é absoluto, sendo de fácil introdução de outras variáveis além da econômica, social e ambiental aqui estudada. Pretende-se, portanto, neste artigo, lançar um olhar teórico mais socioambiental nas relações de trabalhos precárias existentes nos lixões das cidades de pequeno porte na tentativa de ajudar, posteriormente, a novas pesquisas na área.

REFERÊNCIAS

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FERREIRA, Nathália T. Gusmão; LINS, Maria A. Terto; MEDEIROS, Flávia Mª. M. Almeida; SILVA P. A. S. As relações de trabalho na contemporaneidade brasileira. Cadernos de Graduação - Ciências Humanas e Sociais Fits, Maceió, v. 1, n.2, p. 47-59, maio 2013.

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LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. Tradução de Sandra Valenzuela; revisão técnica de Paulo Freire Vieira. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2010.

MEDEIROS, Luiza Ferreira Rezende de; MACEDO, Kátia Barbosa. Catador de material reciclável: uma profissão para além da sobrevivência? Psicol. Soc., Porto Alegre, v. 18, n. 2, p. 62-71, Ago. 2006. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822006000200009&lng=en&nrm=iso. Acessado em: 15 mai. 2017.

OLIVEIRA, Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. 4ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. SEIFFERT, Mari Elizabete Bernardini. Gestão ambiental: instrumentos, esferas de ação e educação ambiental. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.

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2.8 IMPACTOS AMBIENTAIS, SOCIAIS E ECONÔMICOS DA