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O TRABALHO PRECARIZADO NO LIXO; UM LIXÃO, UMA RENDA E A SUBSISTÊNCIA

AGRESTE PERNAMBUCANO

UNESCO ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA Década da educação das Nações Unidas para um desenvolvimento sustentável, 2005 – 2014: documento

2.7 O TRABALHO PRECARIZADO NO LIXO; UM LIXÃO, UMA RENDA E A SUBSISTÊNCIA

SILVA, Ítalo Henrique de Freitas Ramos da Centro Acadêmico do Agreste (CAA) - Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) italohenriquedefreitas@gmail.com SILVA, Rafael Manoel de Souza Campus Mata Norte (CMN) – Universidade de Pernambuco (UPE) rafaelmanoel2011@hotmail.com SILVA, Débora Karyna dos Santos Araújo Bernardino da (CAA/UFPE) debora.kj@hotmail.com

RESUMO

Diante de uma sociedade opulenta insustentável com práticas de consumo dilacerantes que acarreta um descarte iminente de resíduos sólidos, este estudo se propôs compreender as relações de trabalho precarizadas existentes na catação dos resíduos sólidos no lixão da cidade interiorana de Passira-PE, pertencente ao agreste pernambucano. As discussões problematizadoras do presente artigo foram norteadas pelos embasamentos teóricos de Seiffert (2011) e Leff (2010) que guiaram todo levantamento documental, bibliográfico e empírico – por entrevistas. O método qualitativo abordado durante a pesquisa ajudou a compreender e comprovar a realidade social plastificada de um grupo de indivíduos subalternizados que, do lixo e no lixo, buscam subsistir com uma renda incapaz de suprir as necessidades básicas do grupo familiar a que pertence.

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1. INTRODUÇÃO

Em voga, a gestão ambiental e o gerenciamento dos resíduos sólidos abarcam estudos problematizadores além do campo do meio ambiente, aderindo, também, as instâncias sociais, econômicas e culturais. Por instância social, a chamar a atenção, refere-se a esfera que engloba a desigualdade na distribuição da renda entre a população associada à precariedade no trabalho que gera essa renda.

Parte-se de um pressuposto que “o aumento do volume de produção associado a uma maior demanda de bens e serviços gerados pelo aumento do contingente populacional no período vem potencializando a degradação ambiental” (SEIFFERT, 2011, p. 20) provocada pelo descarte iminente dos bens produzidos pela indústria de consumo que acarreta uma maior produção de resíduos sólidos presentes em grande volume nos lixões.

A gerência desses resíduos sólidos transita por uma precarização das relações de trabalhos informais nos quais os catadores (a pensar ser uma população à margem da sociedade) atuam como agentes socioambientais em uma dialética de vida no lixão: a necessidade de uma renda, que de lá provêm, visando à melhoria da sua existência (a julgar melhor o termo subsistência) humana, ao passo que, é exposto a um ambiente insalubre, desumano e impróprio para manutenção de uma saúde estável.

De cunho social, no que tange a gestão ambiental como esfera norteadora do presente artigo, para Seiffert (2011, p. 28): “significa a criação de um processo de desenvolvimento sustentado por uma civilização com maior equidade na distribuição de renda, de modo a reduzir a distância entre o padrão de vida dos abastados e dos não abastados”. Isto é, equalizar as condições de existência entre diferentes atores sociais. Por “abastados”, pode-se pensar – e assim se pensa – como um termo análogo aos catadores de materiais recicláveis.

No entanto, parece ser ilusório, talvez até fantasioso e por vezes utópico, acreditar que o modelo econômico capitalista, vigente até então, crie algum “processo” que vise à melhoria social, uma vez que, o principal objetivo do sistema capitalista é a “acumulação de capital e de maximização da taxa de lucros a curto prazo, que induzem padrões tecnológicos de uso e ritmos de exploração da natureza” (LEFF, 2010, p. 61). Implica-se dizer, exploração e degradação da natureza a lembrar do lixão como depósito contínuo de resíduos sólidos não mais “úteis” para alimentar o consumo da sociedade imediatista.

Neste sentido, versar-se-á sobre o trabalho árduo dos catadores de matérias recicláveis na cidade de Passira, pertencente ao agreste pernambucano, com o intuído de analisar, a um corte local, o lixão, uma renda como “furto” da labuta diária neste, a subsistência de quem vive dessa renda, a marginalização de um povo e o parecer da dignidade humana tornaram-se, assim, os pontos primordiais a serem discutidos ao longo desse artigo.

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Dado a necessidade, cresce a emergência da discussão sobre a sustentabilidade da sociedade opulenta atual, frente ao meio ambiente e sua incapacidade de ofertar matérias-primas que suporte a incoerência de um consumo selvagem, avassalador e impróprio, tendo em vista o modo como tal sociedade vem se configurando – um mercado capital-explorador que estimula o consumo, por diversas vezes, desnecessário e que propaga produtos com uma obsolescência programada. Produtos estes que “terminam” seu ciclo de vida nos lixões.

Em uma visão holística, a figura 1 mostra um debate contemporâneo sobre o desenvolvimento sustentável pautado em três grandes esferas que, para Seiffert (2011), são as esferas-chave para discussão teorizada da sustentabilidade. A esfera ambiental responde a necessidade de respeitar à capacidade de suporte do ecossistema associado à reciclagem dos produtos em descarte (no qual entra, aqui, a figura do catador como agente socioambiental).

A esfera social preza pela equidade dos recursos econômicos (o que de fato não é visível no que tange a comunidade de catadores de materiais recicláveis), o equilíbrio tecnológico e a satisfação das necessidades básicas do indivíduo (em uma tentativa de controlar o mercado feroz). E, ainda, a esfera econômica apela pela expansão do mercado consumidor a maximizar o lucro. Para Seiffert (2011) o predomínio de apenas duas esferas das três pode gerar um conservadorismo, uma ecologia profunda ou um desenvolvimento econômico da comunidade – nunca, porém, o desenvolvimento sustentável.

Figura 1. Imperativos e conflitos dos âmbitos social, ambiental e econômico para o desenvolvimento sustentável.

Fonte: Seiffert (2011).

Assim sendo, o desenvolvimento sustentável caracteriza-se como o “processo de transformação no qual se busca a harmonização da exploração dos recursos [...] da orientação do desenvolvimento tecnológico e da mudança institucional, a fim de reforçar o potencial presente e futuro do meio ambiente” (BELLIA, 1996 apud SEIFFERT, 2011, p. 22). Buscando assim “o acoplamento de um saber holístico e sistêmico sem fissuras para um todo social” (LEFF, 2010, p. 66).

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Com isso, a sustentabilidade “poderia ou mesmo deveria estar a serviço das demandas relacionadas à utilização cautelosa e racional no sentido de conservar os recursos naturais” (COUTO; SILVA, 2014, p. 44). No entanto, o debate enaltece a teoria que frisa a sustentabilidade como “só mais um artifício do capital para de forma oculta perpetuar seu modo degenerador de produção” (COUTO; SILVA, 2014, p. 44) estimulando o consumo e aumentando os resíduos sólidos no lixão.

Desse modo, a um corte local, o lixão passirense, uma cidade interiorana do agreste pernambucano, nota-se a precarização do trabalho diário enfrentado pelos catadores de lixos. Conceitua-se, aqui, trabalho, em uma visão marxista, como um processo “de que participam homem e natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação [...] põe em movimento as forças de seu corpo [...] a fim de apropriar-se dos recursos da natureza” (MARX apud BITTENCOURT, 2013, p. 15). Em que, a relação homem-natureza dar-se-á em modificações mútuas.

“Desde a gênese da relação capital x trabalho, o trabalho é explorado sob condições precárias [...] perdeu sua dimensão de liberdade, e a classe dominante, nos diferentes modos de produção, sempre colocou o trabalho em condições de submissão precária” (FERREIRA et. al., 2013, p. 56). Ou seja, chamou-se a atenção para a precarização levada ao extremo do trabalho no lixão, no qual os indivíduos se submeteram a um ambiente hostil a dignidade humana na tentativa de geração de uma renda que garantisse sua existência – ser correto falar subsistência – pois, a tentativa é vazia e falha, perpetuando uma melancolia existencial.

É nítida a subalternização da comunidade de catadores de materiais recicláveis de Passira, na sua labuta diária. Lixos por tudo que é lado, não separados, um misto de matéria orgânica e resíduos sólidos possíveis de reciclagem como o papelão, as garrafas de plásticos e as latinhas de alumínio. É lixo, é fogo, é poluição. É a matéria viva (os catadores) tentando existir socialmente na coleta da matéria morta (o lixo) em um local, contraditoriamente, sem vida, sem esperança, sem essência a mercê de uma caricatura plastificada de sofrimento, desilusão e morte de um “eu” marginalizado. “Eu” este, antes já morto pelo mercado de trabalho.

“O trabalho tem um significado essencial no universo da sociabilidade humana, ele não é apenas meio de vida, ele forma a identidade da pessoa e a sua profissão caracteriza o seu modo de vida” (MACÊDO; MEDEIROS, 2016, p. 63), no lixo, a identidade é dilacera, fragilizada e destituída de vida. A profissão desvalorizada, desclassificada e desprezada. O trabalho no lixo é morto, como ele.

3. METODOLOGIA

A cidade de Passira localiza-se no agreste pernambucano, e segundo o último censo em 2010, pelo Instituto Brasileiro Geografia e Estatística (IBGE), o município tem uma População 28.628 habitantes. A figura 2 mostra, além dos dados numéricos, a delimitação espacial do município.

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Figura 2. Dados gerais do município de Passira.

Fonte: IBGE, 2010.

A vigente pesquisa fora aplicada no município de Passira, com um corte geográfico no aterro sanitário, buscando mostrar as questões humanitárias deste ambiente e sua relação com espaço- território que estão inseridos. Nesta perspectiva, usou-se o método qualitativo, pois, segundo Oliveira (2012), a pesquisa qualitativa, é apresentada como: “sendo um processo de reflexão e análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou segundo sua estrutura” (OLIVEIRA, 2012, p. 37).

Ou seja, dispondo de objeto real, visível e mutável, a pesquisa qualitativa, possibilitou uma análise ampla das questões sócias, e as inter-relações com os aspectos físicos, podendo assim, fazer uma análise que ultrapasse a superficialidade, chegando a compreensão dos problemas vistos. Diante disso, a pesquisa usou também de outros métodos, tais como o questionário, que buscou compreender a situação precarizadas dos que trabalhavam no dado corte geográfico. Tendo em vista que, o questionário segundo Oliveira (2012), “têm como principal objetivo descrever as características de uma pessoa ou de determinados grupos sociais”. (OLIVEIRA, 2012, p. 83).

Tal questionário proposto apresentou-se como modelo de um quadro, no qual os catadores de materiais recicláveis ficaram livres para responderem a seus modos. O quadro 1 apresenta a estrutura levada a campo para coleta do material empírico. Durante todo o procedimento da pesquisa em campo qualquer dúvida que eventualmente aparecessem, por parte dos catadores, eram sanadas.

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Quadro 1. Modelo de questionário aplicado. Composição do grupo familiar (quantitativo): Composição por sexo Tipos de resíduos coletados para reciclagem: Horas diárias trabalhada na coleta de resíduos para reciclagem: Renda gerada a partir do trabalho com reciclagem: Renda per capita gerada pela reciclagem: F M Fonte: Os Autores, 2017.

O questionário em complemento buscou dados como o grau de escolaridade, idade e sexo dos catadores de materiais recicláveis e de todo seu grupo familiar. Por grupo familiar, aqui, entende-se os indivíduos que residem no mesmo local do catador e que vivem da renda gerada por este no lixão.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO