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Capítulo 3 – Apresentação e Discussão de Resultados

3.2 Os Jogos de Computador e as Aprendizagens Matemáticas

Neste ponto iremos apresentar a descrição das interacções ocorridas nas várias sessões, relacionadas com a apropriação de conceitos matemáticos. Para uma melhor compreensão, a descrição será realizada para cada videojogo utilizado, uma vez que os conceitos matemáticos abordados em cada jogo são diferentes (conforme o Quadro 7). Como foi referido atrás, a existência de um alto nível de interacções não é suficiente para se poder concluir que se está na presença de uma dinâmica produtiva. Por esse motivo, as interacções das crianças foram confrontadas com os resultados que obtiveram nos jogos, para mostrar que esse alto nível de interacções corresponde a uma efectiva realização das tarefas.

3.2.1 O Coelho Sabido

O jogo Coelho Sabido é, dos três videojogos escolhidos, o que apresenta uma maior variedade de actividades, que cobrem a generalidade das aprendizagens matemáticas contempladas nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (1997), conforme descrito no Quadro 6.

Através da leitura do Quadro 8, podemos observar que as crianças mais velhas conseguiram realizar mais actividades do que as mais novas. No entanto, pode também concluir-se que esta diferença se deve sobretudo ao maior tempo que as crianças mais novas requerem para realizar as tarefas, uma vez que em todas as actividades houve equipas formadas por crianças de 4-5 anos que as foram capazes de resolver.

Quadro 8 – Actividades realizadas pelas diversas equipas no jogo Coelho Sabido

Equipa A B C D E F G H

Faixa Etária 5-6 5-6 4-5 4-5 5-6 5-6 4-5 4-5

Ordem na Cantina 2 3 3 0 3 3 3 0

Lago das Contas 0 3 0 0 3 3 0 3

Memória das Canoas 2 3 3 3 1 3 0 1

Orientação na Caverna 3 3 0 0 3 3 1 3

Ponte dos Números 3 3 3 0 3 3 3 0

Total de Tarefas 10 15 9 3 13 15 7 7

É também de salientar que o registo dos resultados obtidos pelas diversas equipas foi muito facilitado pelo facto do jogo gravar automaticamente o progresso dos jogadores. Deste modo, mesmo uma saída inadvertida do jogo não deita a perder o que o jogador já tinha conseguido. Por outro lado, permite que as crianças, de uma sessão de utilização para a seguinte, mantenham no acampamento os objectos que já tinham conseguido recolher, o que motiva a utilização repetida do jogo.

Outro motivo que fez com que as crianças gostassem muito de jogar este jogo e estivessem ansiosas por o jogar novamente relaciona-se com a história que serve de suporte ao jogo e que é repleta de episódios humorísticos. De facto, as crianças riram-se muito com este jogo, como se descreve no diálogo seguinte.

B2: Põe dois, dois, dois. (B1 e B2 batem palmas)

(B1, B2 e B3 riem-se com a partida da mota aquática) B2: Põe dois.

(B1 bate palmas)

B2: Agora um, dois, três.

B1: Três três? E depois é o quatro, não é? B2: Quatro.

B2: Agora dá outra vez quatro.

(B1, B2 e B3 riem-se com a partida da mota aquática) B1: Isto está muito fácil!

B2: Agora sou eu.

B1: Nós já estamos muito longe!

B3: Dá quatro. Quatro, quatro, quatro, quatro. B1: Quatro!

B1 e B3: Agora um, um, um.

(B1, B2 e B3 riem-se com a partida da mota aquática)

Sessão 1 (actividade Ponte dos Números do Jogo Coelho Sabido)

Assim, pudemos observar que o jogo Coelho Sabido, para além de ser bastante completo no que diz respeito a aprendizagens matemáticas, propõe actividades que se adequam às crianças em idade pré-escolar, e que é divertido, motivando as crianças a jogar novamente. Para além destas características importantes, também o facto de permitir a utilização por vários jogadores, registando o progresso de cada um, e permitindo continuar um jogo começado numa data anterior, torna este jogo adequado para uma utilização no contexto pré-escolar.

3.2.2 Lego Digital Designer

As experiências realizadas com o jogo Lego Digital Designer tiveram uma dimensão distinta dependendo da faixa etária das crianças. Na turma dos 5-6 anos, esta experiência consistiu sobretudo na resolução de problemas, nomeadamente na construção de quadrados de cores diferentes a partir das peças de Lego disponibilizadas. Por outro lado, a dificuldade desta tarefa, quer no que diz respeito à resolução de problemas, quer em termos de movimentação e rotação das peças, motivou que na

turma dos 4-5 anos fosse dada liberdade às crianças na exploração e manipulação das peças.

A turma dos 5-6 anos

Apenas uma das equipas (a equipa B) foi capaz de resolver integralmente a tarefa proposta, e o resultado da sua montagem é ilustrada na Figura 32. No entanto, todas as equipas compreenderam o problema e resolveram-no de forma parcial, tendo completado dois ou três dos quatro quadrados requeridos. Um dos motivos pelo qual as crianças manifestaram dificuldades na resolução do problema foi a dificuldade no controlo do rato.

Figura 32 – O resultado da tarefa na Equipa B

Por outro lado, os quadrados maiores podiam ser construídos de várias maneiras, o que possibilitou que as diversas equipas tivessem conseguido apresentar diferentes soluções para a construção dos quadrados. Como exemplo, na Figura 33 são apresentadas lado a lado as formas como as equipas B e F construíram o quadrado vermelho. Por uma questão de clareza, nesta figura, as peças foram ligeiramente afastadas umas das outras de modo a ser perceptível a disposição das várias peças nas construções realizadas por ambas as equipas.

Figura 33 – A forma como as equipas F e B construíram o quadrado vermelho (reconstrução exemplificativa)

Nesta actividade houve muitas interacções gestuais entre as crianças, com o objectivo de indicar qual a peça que deveria ser movida e em que direcção. No entanto, houve também interacções verbais em todas as equipas, que revelavam a compreensão das crianças em relação às acções e decisões que tomavam, durante a realização da actividade:

A1: Eu estou a dizer para eles porem esta aqui, e esta de dois aqui.

A4: Podes pôr esta aqui ao lado… Eu ensino-te… B3: Já está! Já está! Consegui! Consegui! Já fiz uma!

B2: Esta para ali…

Sessão 9 (actividade Construção dos Quadrados do Jogo Lego Digital Designer) F3: Mas temos que afastar estas, porque senão não dá. Já percebi como é

que vamos fazer um quadrado. F4: Já percebeste?

F3: Só com os vermelhos. Só percebi com os vermelhos… F4: Então faz com os vermelhos.

(F3 faz o movimento correcto da peça) F4: Exactamente, F3. Exactamente!

Sessão 11 (actividade Construção dos Quadrados do Jogo Lego Digital Designer)

A turma dos 4-5 anos

Na turma dos 4-5 anos não houve lugar à resolução de problemas de uma forma tão formal como na turma dos 5-6 anos. No entanto, a actividade exigia essencialmente os mesmos passos indicados anteriormente para construir os quadrados. De facto, no jogo as peças disponíveis para construção aparecem originalmente sempre com a mesma orientação, o que obriga a rodá-las quando necessário.

Inv: O que é que querem fazer? Já pensaram? E2: Um castelo!

Inv: Então vá! Tentem lá construir um castelo.

E1: Consegui! E2: Conseguimos!

C3: O que é vocês estão a fazer? (para a equipa E) E1: Um castelo!

Sessão 10 (actividade Construção Livre do Jogo Lego Digital Designer)

O diálogo anterior evidencia que este projecto se manteve constante e que as crianças estavam a compreender o que estavam a construir.

A Figura 27 mostra o “castelo” que as crianças acabaram por construir, cuja construção utilizou peças de diferentes tipos e cores, e para a qual foi necessário colocar as peças escolhidas nas posições e orientações adequadas.

Deste modo, podemos afirmar que jogo Lego Digital Designer possibilitou às crianças o desenvolvimento de competências geométricas, e a partilha e discussão de estratégias de resolução de problemas. No entanto, a dificuldade no manuseamento das peças colocou algumas limitações à execução dessas estratégias. Isto poderá estar relacionado com o facto de, este jogo só ter sido utilizado pelas crianças durante uma sessão, ao contrário dos outros jogos, que foram utilizados ao longo de duas sessões. No entanto, como o jogo possibilita a gravação dos trabalhos realizados, seria possível integrar este jogo numa utilização ao longo do ano num contexto de jardim-de-infância. As crianças poderiam continuar trabalhos interrompidos em dias anteriores, ou eventualmente contribuir para um projecto a realizar por toda a turma. Do mesmo modo, um educador poderia desenhar uma actividade, colocando previamente algumas peças numa determinada posição, e apresentar essa actividade às crianças, como fizemos nesta investigação.

3.2.3 O Meu Baú dos Brinquedos

O jogo O Meu Baú dos Brinquedos é outro jogo que aborda diversas aprendizagens matemáticas, descritas no Quadro 6, embora não tão completo neste aspecto como o jogo Coelho Sabido. De facto, três das actividades propostas, nomeadamente as actividades Descobrir dois iguais, Encontrar duas janelas iguais e Entregar cartas têm algumas semelhanças entre si, consistindo na formação de conjuntos e reconhecimento de figuras iguais ou com a mesma forma, por vezes exigindo o recurso à memória.

O progresso no jogo é indicado através de partes de cenoura que o Coelho vai conseguindo ao completar as actividades. No Quadro 9 é apresentado o número de partes de cenoura que cada equipa conseguiu obter nas diversas actividades. No entanto, a informação apresentada encontra-se incompleta uma vez que O Meu Baú dos

Brinquedos não tem a funcionalidade de gravação do estado do jogo (quer automática,

jogo, todo o seu progresso até esse momento (medido em partes de cenoura) perdia-se. Embora a investigadora estivesse ciente do problema e tivesse pedido às crianças para não saírem do jogo no final da sessão, isto não se verificou eficaz, e nalguns casos perderam-se os dados do desempenho no jogo:

―Os constrangimentos deste jogo que verifiquei na sessão anterior mantiveram-se. Uma criança da sala dos 4-5 anos mesmo depois de ter sido advertida para não sair do jogo, saiu do jogo e a sua sessão não foi por isso guardada.‖

Diário de Bordo, 9 de Julho

Pelo mesmo motivo, de uma sessão à seguinte, não foi possível guardar o progresso já alcançado, e nalguns casos as crianças repetiram actividades que já tinham terminado na sessão anterior. Deste modo, uma utilização regular em contexto de jardim-de-infância pode revelar-se desmotivadora para as crianças, uma vez que não se torna possível, numa sessão de 45 minutos terminar o jogo, enchendo o cesto com as seis cenouras. Clements (2002a) adverte para o perigo de crianças pequenas estarem muito tempo em frente ao computador, motivo pelo qual sessões mais longas não são recomendáveis.

Quadro 9 – Actividades realizadas pelas diversas equipas no jogo O Meu Baú dos Brinquedos Equipa A B C D E F G H Faixa Etária 5-6 5-6 4-5 4-5 5-6 5-6 4-5 4-5 Nível atingido 3 4 3 2 2 4 - 2 Reciclar 0 12 0 0 3 10 - 2 Telefonar 10 0 0 10 10 16 - 0

Encontrar duas janelas iguais 0 10 10 1 0 10 - 17

Encontrar dois iguais 0 10 0 0 0 10 - 0

Entregar as cartas 12 0 12 8 0 0 - 0

Contar 12 0 0 0 0 10 - 0

Como foi referido anteriormente, o jogo não permite a gravação do sucesso alcançado até ao momento. No entanto, como o nível de dificuldade atingido na primeira sessão de utilização de O Meu Baú dos Brinquedos tinha sido registado no diário de bordo, e o jogo possibilita a definição de um nível de dificuldade inicial, houve o cuidado de no início da segunda sessão de utilização deste videojogo, cada equipa partir do nível em que tinha terminado anteriormente.

Por outro lado, o facto de o jogo ter um nível de dificuldade adaptativo, ou seja, o jogo torna-se mais fácil ou mais difícil consoante o jogador apresenta mais ou menos dificuldades em realizar as actividades propostas, possibilita que os resultados obtidos no jogo sejam mais uniformes do que nos jogos anteriores. Assim, tanto as crianças mais novas como as mais crescidas podem manter o interesse na realização das tarefas, que se apresentam com um nível de dificuldade adequado a cada criança, tornando as actividades “desafiantes mas realizáveis” (Clements, 2002a).

4 A Opinião dos Pais sobre a Utilização dos Jogos

A nossa percepção da opinião dos pais sobre a utilização de videojogos na educação pré-escolar advém quer do registo e análise das conversas informais que a investigadora foi tendo com estes em vários momentos, enquanto a investigação decorreu, quer da análise das respostas ao inquérito a que alguns responderam (Anexo 3). As conversas informais serviram essencialmente para perceber que as crianças conversavam com os pais sobre a experiência realizada na escola, e que gostavam desta experiência.

“O meu filho aprendeu a lidar melhor com a frustração… No outro dia o A2 estava a dizer que o nível do jogo que estava a jogar era demasiado difícil e que iria mudar para um nível mais fácil. Antes destas sessões o A2 ficava muito triste por não conseguir jogar num determinado nível…”

Mãe da criança A2 “O A1 pediu-nos [referia-se ao pai e à mãe] uma consola… como não lhe demos, fez ele uma de papel … e brinca com ela como se fosse verdadeira...”

Mãe da criança A1

O questionário entregue aos pais não teve uma taxa de resposta muito alta, talvez devido ao facto de o final da experiência ter coincidido com o período de entrada em férias de alguns pais. De facto, dos 29 pais inquiridos, apenas se receberam 11 respostas (38% de retorno).

Os pais que responderam ao inquérito são maioritariamente pais de crianças com 5 anos. Assim, como se pode observar na Figura 35, responderam 7 pais de crianças com 5 anos de idade, 2 pais de crianças com 4 anos e 2 pais de crianças com 6 anos de idade.

Figura 35 – Distribuição dos pais respondentes, segundo a idade das crianças

2 7 2

Idade

4 anos 5 anos 6 anos