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Capítulo II – Questões em aberto relativas à proteção dos jornalistas em conflitos armados

1. Os jornalistas cidadãos como um ator relevante nos conflitos armados

Propomo-nos de seguida analisar um fenómeno que recentemente se vem verificando nos conflitos armados, mas com uma importância que não pode, de forma alguma, ser menosprezada. O desenvolvimento tecnológico tem potenciado o surgimento de inúmeras plataformas de comunicação, mas acima de tudo, uma maior facilidade de acesso a tecnologias de som e imagem, tais como câmaras fotográficas de baixo custo ou a telemóveis com câmara fotográfica integrada. Este facto potenciou o surgimento dos jornalistas cidadãos que são um elemento cada vez mais presente na cena mediática e testemunhas de vários acontecimentos que marcaram a história recente do mundo.

O caso das revoluções no Norte de África – a comummente denominada de Primavera Árabe – é um desses acontecimentos230. O papel dos jornalistas cidadãos foi de tal forma relevante, que muita da informação disponível ao mundo provinha destas fontes. No entanto, nem todos os casos intragáveis na Primavera Árabe foram ou são conflito armado, mas sim uma situação de tensão interna nestes últimos casos – como o caso egípcio – o DIH não tem aplicação. O mesmo já não se passa com a Síria, que é abertamente, um conflito armado.

Os jornalistas cidadãos têm sido um elemento chave no conflito sírio, mas também um dos mais fustigados pela violência. Este papel foi reconhecido pela Amnistia Internacional que afirmou que “[c]itizen journalists in Syria have played a crucial role in ensuring that information about killings and abuses has reached in outsider world”231, sendo estes “jornalistas” muitas vezes as únicas testemunhas dos crimes cometidos no conflito sírio232.

230 O papel dos jornalistas cidadãos foi particularmente relevante no caso egípcio “As the eyes of the world turned to

Egypt, media organizations despatched foreign correspondents to cover events for their audiences back home. Even before most of those correspondents arrived, the first chapter of Egypt’s story was being told through words and images captured by citizens, launched to Internet audiences around the world”. Thomas Ledwell, The Story of Egypt: Journalistic impressions of a revolution and new media power, LSEPS, 2011, p. 3, disponível em http://www.lse.ac.uk/media@lse/research/mediaworkingpapers/mscdissertationseries/2011/65.pdf

[10/07/2014].

231 Amnistia Internacional, Shooting the Messenger: journalists targeted by all sides in Syria, cit., p. 5, [interpolação nossa].

232 Neste sentido, o relatório da Amnistia Internacional afirma que “[t]he Sudden explosion of information from

previously unknown sources has posed many challenges in verification for international media and human rights organizations. Yet, without citizen journalists reporting from their neighborhoods, often at great risk to their own safety, news of many of the abuses, including crimes against humanity and war crimes, might never have reached the outside world.”, (Amnistia Internacional, Shooting the Messenger: journalists targeted by all sides in Syria, cit., p. 5 [interpolação nossa]).

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Este grupo de pessoas beneficia do estatuto garantido aos civis em conflito armado, na medida em que não tomem qualquer participação nas hostilidades. Podemos, assim, questionar- nos da necessidade de um estatuto adicional para proteger este grupo de civis.

É uma evidência que, resultante do facto de recolherem imagens e sons, estes civis expõem- se aos perigos dos conflitos armados, o que não é um comportamento expectável por um civil perante um cenário de conflito armado. É esta exposição que não se verifica nos restantes civis que não estão ligados a atividades jornalísticas, que na nossa perspetiva, torna premente a discussão relativa à necessidade de uma maior proteção destes indivíduos.

Tal como definimos anteriormente, o DIH distingue duas categorias de jornalistas em conflitos armados: os correspondentes de guerra e os jornalistas unilaterais. Os jornalistas cidadãos não podem, de forma alguma, caber no entendimento de correspondentes de guerra. Não acompanham nenhuma força armada envolvida no conflito armado e, consequentemente, não são legitimamente acreditados por esta. Portanto, não cumprem o previsto pelo artigo 3.º, A., 4) da III Convenção de Genebra de 1949. Mais essencial ainda, os jornalistas cidadãos não são possuidores de um cartão de identificação que ateste a sua condição profissional de jornalista. Este facto impossibilita de igual forma que estes civis possam acomodar-se no que se entende por jornalistas unilaterais. Sendo certo que o DIH apenas refere que estes jornalistas são civis e protegidos enquanto tal, como dispõe o artigo 79.º do I PA, a ausência de uma identificação que ateste a condição de jornalista impede que estes civis sejam entendidos como jornalistas unilaterais.

Contudo, os jornalistas cidadãos não sendo reconhecidos como jornalistas profissionais, dedicam-se a atividade semelhante de recolha e difusão de informação, pelo que seria desejável que a proteção que lhes deveria estar reservada fosse não menos que a mesma prevista para os jornalistas profissionais233. A situação destes cidadãos que se dedicam a atividades jornalísticas, que não é definida pelo DIH, com a exceção de que são dotados do estatuto de civis, apenas reforça a urgência da adoção de uma Convenção internacional sobre a situação dos jornalistas em conflitos armados, que defina o que deve ser entendido por um jornalista em missão de conflito

233 Emily Crawford afirma a este propósito que os jornalistas cidadãos não cabem dentro da proteção prevista pela implementação de emblema distintivo “[…] citizen journalists arguably do not sit easily with the definitions outlined in the draft covenant. People who do not ‘work’ as journalists, in the sense of it being their profession, but who still might find themselves in a unique position to report n current events – especially in a war zone – would likely find themselves excluded from the protections of the draft covenant”, cf. Emily Crawford, “The International Protection of Journalists in Times of Armed Conflict and the Campaign for a Press Emblem”, cit., p. 25.

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armado, mas que também confira específica proteção a outros civis que se dedicam a informar o mundo do que se passa no local onde se encontram, como os jornalistas cidadãos.