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Reconhecimento do estatuto de prisioneiro de guerra aos jornalistas acreditados junto das

Capítulo I – O Direito Internacional Humanitário e os Jornalistas

1.2. A proteção em caso de cair em poder do inimigo

1.2.1. Reconhecimento do estatuto de prisioneiro de guerra aos jornalistas acreditados junto das

Como já tivemos oportunidade de explorar neste trabalho, os correspondentes de guerra foram definidos nos primeiro instrumentos jurídicos, como indivíduos que acompanham as forças armadas, sem contudo delas fazerem parte171. Este grupo de pessoas que acompanham os exércitos, pela sua proximidade com as forças armadas, é protegido, de uma forma basilar, com a proteção devida aos civis, à qual acresce o estatuto de prisioneiro de guerra, em caso de captura por forças armadas inimigas172.

É então, com a III Convenção de Genebra de 1949, no seu artigo 4.º, A, 4), que os correspondentes de guerra são reconhecidos como pessoas que acompanham as forças armadas, legitimamente autorizadas por estas, que sem delas fazerem parte são capacitadas com o estatuto adicional de prisioneiros de guerra em caso de captura por forças inimigas.

No entanto, se a atribuição do estatuto de prisioneiro de guerra aos correspondentes de guerra não levanta qualquer dúvida, o mesmo não se pode afirmar dos jornalistas incorporados. A dúvida relativa ao estatuto atribuível a estes jornalistas incorporados reside no facto de não existir consenso se estes são correspondentes de guerra ou uma nova categoria de jornalista ainda não prevista pelo DIH. No caso de serem uma categoria não prevista ainda pelo DIH, podem ser contemplados com o estatuto adicional de prisioneiros de guerra em caso de captura por parte das forças armadas inimigas?

É inquestionável que estes jornalistas incorporados partilham imensas semelhanças com os correspondentes de guerra, nomeadamente na acreditação pela força armada que acompanham e a própria inserção nessas forças armadas. O facto de estarem incorporados nas forças armadas, é certo, garante a segurança destes jornalistas173. No entanto, esse facto não anula os riscos que são inerentes de fazer a cobertura jornalística de um conflito armado. A proximidade destes jornalistas com os combatentes pode, em si, comportar um risco agravado contra a sua

171 Artigo 13.º do Regulamento sobre as Leis e Costumes da Guerra em Terra anexo à II Convenção da Haia de 1899. 172 Quando referimos que o estatuto de prisioneiro de guerra se aplica aos correspondentes de guerra que caem em poder do inimigo, designação adotada pelo DIH e que replicamos, é importante frisar que o inimigo a que nos referimos é-o das forças armadas em que o correspondente está integrado e não do próprio correspondente. Os jornalistas em conflitos armados devem ser elementos neutros no teatro das operações.

173 “On several occasions during the Iraq war, Pentagon officials alerted journalists who were not embedded to the risks

they ran by remaining outside the military accompaniment system. The facilities granted journalists embedded in army units were apparently associated with greater indifference towards the well being and security of “unilateral” reporters, in particular on the part of the American forces”. Cf. Alexandre Balguy-Gallois, “The protection of journalists and news media personnel in armed conflict”, cit., p. 5.

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segurança. Em última análise, estes podem tornar-se alvos de ataque dada a sua proximidade com as forças militares em que estão integrados, pois estão sujeitos aos perigos inerentes que daí resultam. Lê-se no Green Book:

In signing the declaration at Form 1 [correspondent accreditation form], Correspondents and their Editors recognise that operations, and particularly those involving war-fighting, create extremely hazardous environments in which lethal force may be employed. A variety of risks exist in the challenging, often hostile operational environments to which the UK MOD might deploy personnel. Correspondents face the same inherent risks of injury that all people working in operational environments may face […]. It is important to understand that UK forces on operations will never deliberately target individual correspondents. 174 Por oposição, os jornalistas que não se quiserem integrar numa força militar, e que por isso mesmo vão para o terreno por sua conta e risco, estão sujeitos à violência das hostilidades, ou mesmo de serem raptados, violentados ou mortos por grupos armados. A este respeito, o Ministério da Defesa Britânico desvincula-se de qualquer responsabilidade por estes jornalistas unilaterais. No manual Green Book, é referido a este propósito o seguinte:

[t]he MOD recognises and understands the concerns of correspondents working

in operational areas and other hostile environments regarding their own safety and protection. Correspondents who gain access to operational areas, other than under the auspices of MOD or Media Operations staffs, do so at their own risk. The MOD and Media Ops staffs can neither be held responsible for their safety nor guarantee to provide assistance.175

Podemos questionar-nos sobre as razões que levam um jornalista a optar por não se integrar numa força militar, que mais a mais, lhe garante a segurança. Uma das razões, na nossa opinião, está precisamente no processo de acreditação. Os exércitos que integram jornalistas exigem a assinatura e aceitação das condições previstas nas ground rules. Os jornalistas que as aceitem comprometem-se, por exemplo, em permanecer junto das forças armadas176, ou ainda a estar

174The Green Book – MOD Working Arrangements With The Media For Use Throughout The Full Spectrum Of Conflict,

cit., pp. 6 e 7.

175The Green Book – MOD Working Arrangements With The Media For Use Throughout The Full Spectrum Of Conflict,

cit., p. 6.

176 Alexandre Balguy-Gallois, “The protection of journalists and news media personnel in armed conflict”, cit., p. 4. Neste sentido também Hong Tang, Protection of Journalists in Situations of Armed Conflict: Enhancing Legal Protection Under International Law, cit., p.48.

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sujeitos a um controlo sobre a informação que difundem177. Nas palavras de Jar Couselo, é uma “especie de “matrimonio de conveniencia” que se mantiene el mismo tiempo que dura la guerra que intentan cubrir, de tal forma que, si el contrato del medio de comunicación es a largo plazo, el periodista o equipo de TV se compromete a seguir la suerte de la unidad a la que fuese asignado hasta el final del conflicto”178.

No que concerne ao estatuto jurídico atribuível aos jornalistas incorporados, os militares britânicos entendem estes jornalistas como correspondentes de guerra, embora não refiram em especificamente esse entendimento. Pode ler-se no manual do exército britânico que “correspondents on operational media assignments with the UK Forces are to be accredited under the provisions of the MOD’s Green Book. Once accredited, correspondents can be embedded to UK forces either on a temporary embed basis or as a War Correspondent”179. Este reconhecimento supõe que seja conferido o estatuto de prisioneiros de guerra aos jornalistas incorporados caso sejam capturados pelas forças inimigas180.

Na comunidade científica, há autores que suportam este entendimento de que os jornalistas incorporados são, à luz do DIH, especificamente da III Convenção de Genebra de 1949, correspondentes de guerra. De facto, como explica de Ben Saul “[i]f “embedded” journalists are authorized to accompany armed forces, then they are “war correspondents” under the 1949 Third Geneva Convention, with civilian status and an entitlement to be treated as POWs upon capture”181. Em perspetiva semelhante, Emily Crawford não faz qualquer distinção entre os jornalistas que têm o estatuto de correspondentes de guerra dos jornalistas incorporados, quando refere que “the

177 Neste sentido, está previsto no Green Book, a propósito do controlo da informação, que os jornalistas que estão incorporados nas forças armadas britânicas têm acesso à informação, providenciada pelas próprias forças armadas, mas não a podem divulgar. Está restringida a divulgação de composições das forças armadas, detalhes de movimentações militares, nomes de lugares, de navios, unidades ou de aviões militares. Também está restringida a divulgação de baixas entre as forças armadas, pois tal pode constituir uma informação valiosa para o inimigo, principalmente no caso de se reportar a um desaparecimento, já que desta forma se pode oferecer informações sensíveis, facilitando uma operação de resgate. Também está restringida a divulgação de informações referentes aos prisioneiros de guerra, impedindo-se assim a recolha de imagens dos mesmos, o que atenta contra o disposto no artigo 13 da III Convenção de Genebra. (cf. The Green Book – MOD Working Arrangements With The Media For Use Throughout The Full Spectrum Of Conflict, cit., pp. 13-19).

178 Gonzalo Jar Couselo, La Protección de los Periodistas en Caso de Conflicto Armado, cit., p. 162.

179The Green Book – MOD Working Arrangements With The Media For Use Throughout The Full Spectrum Of Conflict,

cit., p. 8.

180 Alexandre Balguy-Gallois, “The protection of journalists and news media personnel in armed conflict”, cit., p.5. 181 Ben Saul, “The International Protection of Journalists in Armed Conflict and Other Violent Situations”, cit., p.7. [interpolação nossa]

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provision [estatuto de prisioneiro de guerra] relates only to the protection of journalists who are embedded with a military unit, and thus permitted to accompany that unit”182.

Parece-nos evidente que, de facto, os jornalistas incorporados são correspondentes de guerra à luz do DIH. A condição que é exigida aos correspondentes de guerra para beneficiarem do estatuto de prisioneiros de guerra em caso de captura, é simplesmente a autorização legítima das forças armadas que acompanham. O artigo 4.º A., 4) não acrescenta, recordamos, qualquer outro elemento que defina os correspondentes de guerra.

1.2.2. Particular referência à proibição da exposição dos prisioneiros de guerra à