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4. DECLÍNIO E QUEDA DA TEORIA NORMATIVA DA

4.3. A culpabilidade na doutrina finalista de Hans Welzel

4.3.3. Os limites da exigibilidade na doutrina finalista de Welzel

Nesse ponto, é interessante notarmos que as causas de inexigibilidade de conduta conforme o direito, na doutrina finalista de Welzel, assim como nas demais teorias normativistas de tendência menos liberal, anteriormente estudadas, são extremamente restritivas, e, regra geral, são limitadas às hipóteses legais.

Não é outra a conclusão do próprio Welzel, ao dizer que “O direito deve limitar bastante, sem dúvida, essas situações, no interesse da vigência de suas normas

(...)”250, e chega a direcionar a leitura a respeito dessas causas de exclusão à doutrina de Henkel e Mezger.

Welzel tece, em seu Derecho Penal e em O novo sistema..., considerações pormenorizadas a respeito da assunção de causas de exculpação por inexigibilidade de conduta diversa tanto no que se refere aos tipos dolosos quanto aos culposos. Nesse momento, percebe-se a mesma tendência já vista entre outros doutrinadores que acabaram sendo a doutrina majoritária do direito Alemão, ainda na época do normativismo.

Segundo o autor, no direito

No se reconoce en los delitos dolosos un fundamento general de disculpa de la no exigibilidad de un actuar adecuado al derecho, por salvaguardar intereses aceptables (RG., 66-397); se limita la disculpa a casos de necesidad en peligro para el cuerpo o la vida (…).251

Tais considerações, por sua vez, não parecem ser as mesmas a respeito dos delitos culposos, nos quais a inexigibilidade poderia, sim, assumir um papel de exculpante geral.

A limitação da inexigibilidade, mesmo nesses casos, porém, encontra-se na lei. Assim, “La solución nunca depende en estos casos de la valoración individual de los motivos por parte del autor, sino siempre de su valoración objetiva por parte del orden jurídico.”252

Assim como a totalidade da doutrina Alemã da época, Welzel elencou como os casos mais importantes de inexigibilidade de conduta diversa no direito aquelas hipóteses tipificadas nos parágrafos 52 e 54 de seu Código Pena da época (o mesmo que já vigia na época em que escrevia Frank, e que deu origem a toda a discussão e até mesmo à doutrina da culpabilidade normativa, por ele formulada). Ambos se referiam ao estado de necessidade exculpante.253254

250 op. cit., 2001. p. 138.

251 op. cit., 1956. p. 182. “Não se reconhece nos delitos dolosos um fundamento geral de desculpa da não exigibilidade de um atuar adequado ao direito, por salvaguardar interesses aceitáveis (RG., 66- 397); se limita a desculpa a casos de necessidade em perigo para o corpo ou a vida (...).”(tradução nossa)

252 Idem, p. 181. “A situação nunca depende nestes casos da valoração individual dos motivos por parte do autor, senão sempre de sua valoração objetiva por parte do ordenamento jurídico.”( tradução nossa) 253 Idem, p. 182.

254 Interessante anotarmos duas observações quanto a isto. A primeira é que Welzel mudou seu posicionamento inicial, ao admitir as hipóteses de exculpação do estado de necessidade. Segundo ele: “Partiendo de estas reflexiones éticomateriales, he abandonado mi opinión anterior del efecto justificante del estado de necesidad penal, y me he adherido a la teoría reinante de la diferenciación (WELZEL, MDR., 1949, p. 375). Según la teoría de la diferenciación, se dividen los casos de estado de necesidad en justificantes (si la acción de salvación es el medio adecuado para el objeto adecuado),

A respeito da possibilidade de exclusão da culpabilidade supralegal com base no estado de necessidade, Welzel, por sua vez, não parece tão taxativo quanto à corrente majoritária que se estabeleceu entre os últimos doutrinadores normativistas, como Mezger, por exemplo.

Apesar de tratar a exclusão da culpabilidade com base na inexigibilidade de conduta diversa de maneira muito ponderada, admite a existência de causas de exclusão supralegais, calcadas nos moldes do estado de necessidade, desde que cumpridos alguns requisitos.

Quanto a isso, menciona que, apesar de os parágrafos 52 e 54 do Código limitarem a exclusão da culpabilidade aos casos em que haja perigo à vida ou à integridade corporal do autor do fato ou de parentes próximos,

Situações há, contudo, em que o autor ou seus parentes próximos não se encontram em perigo para sua vida ou integridade física, mas nas quais o autor, em virtude de um perigo para a integridade ou a vida de outras pessoas, vê-se ante um conflito de deveres (conflito de consciência), ao qual não pode furtar-se sem assumir uma determinada medida de culpabilidade moral.255

O exemplo que dá base à argumentação de Welzel, no que se refere às excludentes supralegais da culpabilidade, é o mesmo que fez despertar novamente o interesse da comunidade jurídica do pós-guerra da Alemanha para a questão da exigibilidade, a qual foi mencionada na análise da doutrina de Henkel. É o caso dos processos envolvendo médicos e a “eutanásia” proposta por Hitler durante o regime nazista256, nos quais se utilizou do recurso da exigibilidade para se alcançar suas absolvições.

y disculpantes (si esa relación no se da), pero no se puede exigir al autor la determinación conforme a un comportamiento adecuado al derecho.” (op. cit., 1956. p. 182). (Em tradução nossa: “Partindo destas reflexões ético-materiais, abandonei minha opinião anterior do efeito justificante do estado de necessidade penal, e aderi à teoria reinante da diferenciação (WELZEL, MDR., 1949, p. 375). Segundo a teoria da diferenciação, se dividem os casos de estado de necessidade em justificantes (se a ação de salvação é o meio adequado para o objeto adequado), e desculpantes (se essa relação não se dá), mas não se pode exigir ao autor a determinação conforme a um comportamento adequado ao direito.”). A segunda observação, é que, para Welzel, as hipóteses de estado de necessidade elencadas nos parágrafos 52 e 54 de seu Código baseavam-se na ideia de benevolência ante a debilidade humana, sendo a hipótese do parágrafo 54 a mais genérica entre as duas. (op. cit., 2001. p. 140). A respeito da questão do estado de necessidade exculpante, discutiremos ao longo da análise dos códigos penais brasileiros, à frente.

255 op. cit., 2001. pp. 140-141.

256 A respeito desse caso, Welzel comenta: “Num conflito desse tipo se encontraram inúmeros médicos em razão da “eutanásia” proposta por Hitler para dar morte aos doentes mentais. Só poderiam salvar os enfermos que lhes estivessem confiados, atingidos pela ordem secreta, entregando um certo número deles à ação homicida e salvando desse modo uma parte considerável; se tivessem se negado a colaborar, teriam sido substituídos por médicos condescendentes, que teriam dado morte a todos os

A aceitação de hipóteses supralegais de exclusão da culpabilidade decorre do fato de que, para Welzel, a culpabilidade é, antes de tudo, um setor do campo mais amplo da culpabilidade moral.257 Ou seja, apenas se reprova juridicamente uma determinada conduta se, a princípio, tal conduta atingir um nível determinado de relevância social. “Quando o próprio juiz não poderia atuar, corretamente, de outro modo, que não o modo como atuou o autor, falta a culpabilidade jurídica como reprovabilidade social do fato.”258

Há, porém, que se cumprirem certos requisitos, baseados em tudo o que se viu, para que se exculpe supralegalmente uma conduta típica e antijurídica. Essa exculpação, na doutrina de Welzel, pressupõe três pontos. A ação do autor deve ser o único meio para se impedir um mal maior; o autor deve ter realmente escolhido um mal menor; e, finalmente, subjetivamente, o autor da ação deve ter perseguido o fim de salvar.259

Somente cumpridas essas três exigências é que se pode falar em exculpação supralegal por inexigibilidade de conduta diversa, o que denota, portanto, uma extrema limitação de sua aplicação, no caso concreto.

Veja-se, portanto, que, no que se refere à exigibilidade no território da doutrina finalista de Welzel, não há qualquer revolução em relação ao anterior normativismo. A verdade é que o autor, apesar de trabalhar sua dogmática penal numa época em que as discussões estavam novamente abertas, tinha maior preocupação em demonstrar a falibilidade do causalismo frente ao finalismo.

Suas ponderações acerca da exigibilidade se limitaram a concretizar em relação ao finalismo aquilo que já se estabelecera no normativismo, ou seja, exigibilidade como componente da estrutura da culpabilidade e inexigibilidade como exculpante legal tipificada.

A mudança de sistema jurídico-penal não parece ter causado muitos abalos nesse aspecto da teoria da culpabilidade. Os maiores abalos parecem ter se limitado à estrutura do erro jurídico-penal, que, como já mencionado, não abordaremos detalhadamente neste trabalho.

enfermos afetados pela ordem. Vide OGH 1, 321; 2, 17; vide outro caso em Welzel, Z. 63, 51.” (op. cit., 2001. p. 141).

257 op. cit., 1956. p. 187. 258 op. cit., 2001. p. 141. 259 Ibidem.

4.3.4. Ponderações acerca da liberdade de vontade entre a exigibilidade com