• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 – OS PRECEDENTES JUDICIAIS VINCULANTES COMO

3.4 A elevação do grau de segurança jurídica em decorrência dos precedentes

3.4.2 Os precedentes judiciais vinculantes e o aumento do nível de confiabilidade

Nas páginas iniciais desta dissertação, afirmou-se que, em sua dimensão objetiva, o estado ideal de confiabilidade exige durabilidade do Direito – o que não se confunde, diga- se mais uma vez, com imutabilidade –, admitindo-se que esse último perderia a sua credibilidade institucional se mudasse frenética e constantemente, deixando de ser confiável pelos cidadãos como critério para o planejamento da sua vida.

Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 144.

130 SILVA, Celso de Albuquerque, op. cit., p. 10. 131 MANCUSO, Rodolfo de Camargo, op. cit., p. 139.

132 AZEVEDO, Marco Antonio Duarte de. Súmula vinculante: o precedente como fonte do direito. São Paulo:

Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 2009, p. 132.

Tendo o Poder Judiciário um grandioso papel na construção do direito que é concretizado e impacta a vida dos cidadãos, parece óbvio que não haverá confiabilidade satisfatória sem a durabilidade dos seus entendimentos, caso estes oscilem ao sabor dos ventos.

A teoria dos precedentes judiciais vinculantes contempla a ideia de vinculação – ainda que superável diante de razões especiais – dos órgãos judiciais aos seus próprios precedentes, ou autoprecedentes, em uma exigência de coerência interna na atividade judicial que acaba resultando em grande permanência dos entendimentos judiciais e consequente elevação do patamar de estabilidade do Direito134.

Nos Estados Unidos, por exemplo, os precedentes da Suprema Corte possuem tanto valor que o Congresso raramente tenta superá-los por meio do processo legislativo. Segundo Michael Gerhardt, até 2008, apenas quatro precedentes da Suprema Corte norte- americana haviam sido superados por meio de emendas constitucionais.

O autor afirma, nesse sentido, que a indicação de novos justices dedicados a persuadir a Corte a revogar seus próprios precedentes é a alternativa política que, historicamente, foi mais utilizada para a superação de certos precedentes dos quais o grupo político dominante discordava135. É até comum, em campanhas presidenciais nos Estados Unidos, o candidato prometer indicar para a Suprema Corte, se eleito, juízes com determinadas ideologia e convicções acerca de relevantes questões específicas136. Sobre o assunto, Gerhardt lembra que não é mera coincidência o fato de que os presidentes que tiveram maior influência sobre o curso da Suprema Corte americana foram justamente aqueles que indicaram o maior número de novos juízes para ela: George Washington, Andrew Jackson, Abraham Lincoln, William Howard Taft e Franklin Roosevelt137.

De fato, muitos presidentes americanos indicam juízes para a Suprema Corte na expectativa de que eles votarão para revogar determinados precedentes138. Corrobora essa ideia a investigação de Sidney Ulmer que apontou que 79% das revogações de precedentes operadas, entre 1880 e 1954, pela Suprema Corte americana ocorreram nos primeiros 5 anos do ingresso de um novo juiz na sua composição139.

134 HOGUE, Arthur R. Origins of the common law. Indianapolis: Liberty Fund, 1985, p. 8-9.

135 GERHARDT, Michael J. The power of precedent. New York: Oxford University Press, 2008, p. 9. 136 Ibid., p. 101.

137 Ibid., p. 104. 138 Ibid., p. 101.

139 BRENNER, Saul; SPAETH, Harold J. Stare indecisis: the alteration of precedent on the supreme court,

A pesquisa de Sidney Ulmer – que conclui que os precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos são raramente revogados140 – aponta, ainda, que, de 1880 a 1957, o referido tribunal analisou mais de 55.000 casos, tendo realizado o overruling de apenas 103 precedentes. Desses precedentes revogados, 29% possuíam até 10 anos; 35% tinham de 11 a 20 anos; 14%, de 21 a 30 anos; 12%, de 31 a 40 anos; e 12%, acima de 41 anos, sendo que apenas 3 deles eram mais velhos do que 75 anos – tendo 95, 96 e 98 anos141.

No estudo de Brenner e Spaeth, de 1946 a 1992, 154 precedentes foram revogados no âmbito daquele tribunal. Desse total de precedentes revogados, 26,6% tinham até 10 anos; 23,4%, de 11 a 20 anos; 13,6%, de 21 a 30 anos; 13,6%, de 21 a 40 anos; 6,5%, de 41 a 50 anos; 5,2%, de 51 a 60 anos; 2,6%, de 61 a 70 anos; 0,6%, de 71 a 80 anos; 1,3%, de 81 a 90 anos; 3,2%, de 91 a 100 anos; e 0,2% acima de 100 anos142.

Por outro lado, essa pesquisa revelou que precedentes mais recentes sofrem resistência muito maior para a sua revogação do que os precedentes mais antigos – em que é mais fácil a aceitação da necessidade de sua superação, em razão de obsolescência. Dessa forma, Saul Brenner e Harold Spaeth chegaram aos seguintes dados para o período analisado: precedentes com 40 anos mostraram-se mais suscetíveis de serem revogados por uma votação, unânime ou quase unânime, de 9 a 0, de 8 a 0 ou de 8 a 1 – 58% – do que por uma votação de 5 a 4 ou de 5 a 3 – 13% –, por exemplo. Diferentemente, precedentes com menos de 10 anos revelaram-se mais sujeitos à revogação por uma votação muito controversa de 5 a 4 ou de 5 a 3 – 48% – do que por uma de 9 a 0, de 8 a 0 ou de 8 a 1 – 21%.143

Já no estudo de Gerhardt, entre 1789 e 2004, a Suprema Corte norte-americana realizou o expresso144 overruling de 208 precedentes, menos de uma revogação de precedente por ano145. O tempo média de permanência desses precedentes até a sua revogação foi de 29,2

140 No entanto, não se pode deixar de registrar que a quantidade relativa de precedentes revogados pela Suprema

Corte dos Estados Unidos tem aumentado nos últimos anos, provavelmente em decorrência do aumento vertiginoso do próprio ritmo das mudanças sociais no contexto de uma sociedade cada vez mais complexa e plural. O estudo de Ulmer já apontava o incremento da quantidade de overrulings nos últimos anos pesquisados. BRENNER, Saul; SPAETH, Harold J., op. cit., p. 12. Isso também pode ser notado nos números, adiante divulgados, do estudo de Brenner e Spaeth, relativo ao período de 1946 a 1992. Enfatiza-se, ainda, que, nos Estados Unidos, os tribunais inferiores costumam revogar os seus precedentes com ainda menor frequência do que a Suprema Corte. DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 491.

141 BRENNER, Saul; SPAETH, Harold J., op. cit., p. 10-13. 142 Ibid., p. 29-30.

143 Ibid., p. 33.

144 Um precedente também pode ser implicitamente revogado, por meio do chamado overruling sub silentio –

GERHARDT, Michael J., op. cit., p. 35. No entanto, entende-se que a revogação dos precedentes, tanto quanto possível, deve ser explícita, justamente para que os cidadãos possam ter pleno conhecimento do novo entendimento judicial e pautar as suas condutas em conformidade com ele.

anos, período superior ao do tempo que permaneceram no cargo todos os juízes daquela Corte, salvo John Marshall. Raramente, portanto, um precedente daquele tribunal foi revogado sem que tenha havido mudança na sua composição. Isso somente ocorreu quatro vezes146.

E, na maioria das vezes, os precedentes não foram revogados sem que a Corte tivesse passado por uma mudança considerável na sua composição. Assim é que, em cerca de metade dos precedentes revogados pela Suprema Corte no aludido período, o overruling foi realizado por uma composição que não era integrada por qualquer juiz que tenha participado da composição que estabelecera originalmente o precedente147.

Na Inglaterra, também a House of Lords, nas últimas décadas, não revogou mais de um precedente ao ano148.

Embora possa notar-se alguma divergência nos números revelados pelos diferentes estudos acima citados, em razão dos critérios por eles adotados, tais dados são bastante úteis à percepção de como uma prática de respeito aos autoprecedentes judiciais contribui para a estabilidade da jurisprudência, em virtude da permanência dos entendimentos jurisprudenciais por um significativo período, o que eleva o grau de confiabilidade do Direito. Ressalva-se que isso não significa aceitar que, no common law, a mudança de composição dos tribunais legitime a revogação de precedentes, mas apenas demonstrar a durabilidade dos precedentes judiciais, que perduram por décadas, permanecendo ao longo de diferentes gerações de justices da Suprema Corte.

Elucida-se que, na verdade, é justamente naqueles países que valorizam os precedentes judiciais que as sucessivas composições dos tribunais mais respeitam aquilo que foi decidido pelas composições pretéritas, preservando o entendimento fixado, ainda que com ele não concordem, salvo circunstâncias realmente especiais que imponham a sua modificação.

Como enfatizou Gerhardt acerca da Suprema Corte americana, esta não costuma reabrir, repetidamente, questões jurídicas, independentemente das preferências ideológicas dos seus juízes e da relevância dos temas149.

O mesmo autor cita a existência, nos Estados Unidos, dos denominados superprecedentes, que são aqueles precedentes judiciais tão profundamente enraizados na

146 Ibid., p. 11. 147 Ibid., p. 11. 148 Ibid., p. 389. 149 Ibid., p. 110.

cultura e no Direito norte-americano que se tornaram praticamente imunes à revogação150. Os superprecedentes veiculam entendimentos que não apenas foram ampla e repetidamente aplicados pelos órgãos judiciais por um período extremamente longo, como as instituições públicas neles investiram pesadamente e confiaram reiteradamente de tal forma que soa até antiamericano atacá-los. Vários exemplos de superprecedentes são elencados, dentre os quais o originado no julgamento do caso Marbury v. Madison, que se encontra na base do controle de constitucionalidade realizado pelo Poder Judiciário naquele país151.

Nessa mesma linha, Brenner e Spaeth dizem que certos precedentes são tão importantes que “a probabilidade da sua revogação se aproxima de zero”, também dando o exemplo, dentre inúmeros outros, de Marbury v. Madison152.

Cardozo chegou a afirmar que seria intolerável se as mudanças semanais na composição do tribunal fossem acompanhadas de mudanças nos seus julgamentos e anotar que “em tais circunstâncias, nada há a fazer, senão defender os erros dos nossos irmãos da semana passada, quer os apreciemos quer não”153.

A revogação de precedentes após pouco tempo da sua formação tende a tornar o entendimento jurídico dos tribunais comparável, nas palavras do juiz da Suprema Corte americana Owen Roberts, a um “bilhete de ferrovia restrito, válido apenas para este dia e trem”154. Também já se chamou o frenético – e altamente pernicioso – câmbio de

entendimento dominante no âmbito dos órgãos judiciais de “jurisprudência ziguezague”155.

Isso, certamente, gera nos cidadãos falta de confiança de que o entendimento hoje anunciado não será rapidamente abandonado pelos tribunais.

A importância da estabilidade dos precedentes – da longevidade dos entendimentos dos órgãos judiciais – é uma premissa fundamental da doutrina dos precedentes. José Rogério Cruz e Tucci indica que “a incerteza que nasce do advento de um novo precedente, em substituição à orientação consolidada, acarreta um custo social e econômico elevadíssimo”156. Percebe-se, assim, que a atitude de seguir e respeitar os precedentes judiciais envolve o dever dos juízes e dos tribunais de não os revogar

150 GERHARDT, Michael J., op. cit., p. 177. 151 Ibid., p. 178-179.

152 BRENNER, Saul; SPAETH, Harold J., op. cit., p. 4.

153 CARDOZO, Benjamin Nathan. A natureza do processo e a evolução do direito. São Paulo: Companhia

Editora Nacional, 1943, p. 94.

154 Apud GERHARDT, Michael J., op. cit., p. 19, tradução livre.

155 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São

Paulo: Malheiros, 2011, p. 53.

156 TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,

rapidamente ou de forma arbitrária, sem importantíssimas razões, devidamente fundamentadas, para tanto. A simples mudança de composição da Corte, por exemplo, não deve ser vista como um motivo legítimo, por si só, para o câmbio da jurisprudência.

Com esse enfoque, José Rogério Cruz e Tucci argumenta que os precedentes judiciais preservam a estabilidade do Direito e contribuem para a segurança jurídica e a proteção da confiança dos cidadãos157.

Defendeu-se, ainda, no Capítulo 1, que, no estado ideal de confiabilidade em sua concepção subjetiva, as normas jurídicas do presente são leais àquilo que as normas jurídicas do passado garantiram aos cidadãos, não frustrando os direitos que daí resultaram, que devem ser considerados inatacáveis.

Para tanto, em caso de mudança pelos órgãos judiciais do seu entendimento dominante sobre um tema jurídico, devem ser, nos julgamentos posteriores ao câmbio de interpretação, respeitadas e preservadas as situações subjetivas que decorreram da confiança depositada pelos cidadãos no entendimento superado – à época vigente – para pautarem as suas condutas.

Daí ter sido mencionada como uma circunstância que atrapalha gravemente a realização do estado ideal de confiabilidade a alteração de um entendimento judicial sobre determinada questão com aplicação retroativa da nova interpretação em detrimento daqueles cidadãos que pautaram a sua conduta confiando legitimamente no entendimento abandonado.

Misabel Abreu Machado Derzi afirma que, com o escopo de proteger a confiança legítima dos cidadãos, “a mesma técnica, os mesmos critérios de segura aplicação do princípio da irretroatividade das leis devem reger a irretroatividade das modificações jurisprudenciais”158.

Fábio Martins de Andrade, por outro lado, informa que diversos autores de peso defendem que, para se assegurar a boa-fé objetiva e a proteção da confiança legítima, alguns dos pilares da segurança jurídica, a mudança de jurisprudência deve ter efeitos ex nunc, isto é, prospectivos159.

Rafael Santos de Barros e Silva adere ao coro em prol da atribuição de efeitos prospectivos ao câmbio de jurisprudência cujos efeitos retroativos frustrariam a confiança

157 Ibid., p. 298.

158 DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e

irretroatividade como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar. São Paulo: Noeses, 2009, p. 595.

159 ANDRADE, Fábio Martins de. Modulação em matéria tributária: o argumento pragmático ou

legítima dos cidadãos no entendimento judicial até então dominante, alertando que, não sendo assim, estará o Poder Judiciário praticando uma espécie de venire contra factum proprium e agredindo o princípio da segurança jurídica160.

Humberto Ávila reforça o que se assevera ao lecionar que “se uma das funções do Direito é guiar a conduta humana, ele deve ser, em regra, prospectivo”161. Não se pode abrir mão de se proteger o cidadão “do efeito-surpresa decorrente de uma mudança de orientação jurisprudencial”162.

Já se defendeu neste estudo que, no campo da segurança jurídica, de nada adianta garantir-se, por exemplo, a irretroatividade de certa lei, sem que se garanta a irretroatividade da alteração da interpretação judicial dominante sobre essa mesma lei. Isso porque, na prática, o cidadão suportará concretamente o impacto dessa hipotética lei na sua vida mais em virtude da forma como o Poder Judiciário, em um eventual processo judicial, a compreenda do que em razão da lei em si mesma, em sua abstração.

Logo, assegurar a irretroatividade de uma lei, mas permitir a retroatividade da mudança da interpretação jurídica dominante de um órgão judicial sobre ela, na qual o cidadão confiou para conduzir a sua vida, ofereceria tanta segurança ao indivíduo como seria o caso de se colocar em sua casa cercas elétricas, cacos de vidro sobre o muro, plantas espinhosas ao redor dele, inúmeros portões de ferro e resistentes grades, mas deixar as chaves desses portões penduradas do lado de fora do imóvel.

No que concerne a esse aspecto, a teoria dos precedentes judiciais vinculantes contribui para a confiabilidade do Direito por meio da técnica do prospective overruling, segundo a qual sempre que necessário para proteger a confiança legítima dos cidadãos em determinado precedente judicial163, a revogação deste somente ocorrerá com efeitos meramente prospectivos164.

160 SILVA, Rafael Santos de Barros e. Câmbios de jurisprudência: venire contra factum proprium do Poder

Judiciário. 2012. 168 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília. 2012, p. 1-3.

161 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São

Paulo: Malheiros, 2011, p. 410.

162 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras

jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 434.

163 A Suprema Corte dos Estados Unidos estabeleceu que os seguintes fatores deveriam ser levados em

consideração para a realização do prospective overruling: “(1) se a decisão estabelece uma nova norma jurídica; (2) se a aplicação retrospectiva iria avançar ou retardar a aplicação da nova regra; (3) se a decisão poderia produzir resultados substancialmente iníquos caso aplicada retrospectivamente. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de., op. cit., p. 422.

164 EISENBERG, Melvin Aron. The nature of the common law. Cambridge: Harvard University Press, 1991,

Em outras palavras, a tese jurídica veiculada pelo novo precedente não retroagirá para atingir as situações fáticas ocorridas sob a égide do precedente revogado165, mas apenas as posteriores à decisão judicial que o revogou e, em substituição, estabeleceu a nova interpretação judicial dominante a respeito da questão jurídica166.

Essa técnica foi consolidada nos Estados Unidos167, no início do século XX, sendo que há registro de sua utilização já na primeira metade do século XIX. Mais que isso: há antecedentes históricos do prospective overruling – claro que sem esse nome – na Itália, entre os séculos XVI e XVIII168.

É como se o órgão judicial formulasse dois regramentos no mesmo caso: “um para ser aplicado a todas as situações que estejam para acontecer; outro apenas para o caso em exame ou para casos que se refiram a fatos jurídicos cujos efeitos já se concretizaram”169.

Segundo Marino Bin, por meio da adoção do prospective overruling, as inovações jurisprudenciais necessárias podem encontrar “formas de expressão mais conscientes, equilibradas e previsíveis”170.

Graças a essa sistemática, portanto, fica assegurado o dinamismo do Direito por meio dos câmbios que se mostrarem realmente necessários nos entendimentos dos tribunais, sem que, para isso, sejam frustrados os indivíduos que confiaram legitimamente171 no entendimento judicial até então prevalecente para pautarem as suas condutas e, com base nele, organizarem as suas vidas.

É verdade que, como recorda Bustamante, com o advento do art. 27 da Lei no 9.868 de 1999, o Direito brasileiro passou a conhecer um mecanismo de limitação de efeitos

165 Melvin Eisenberg ressalva que a técnica do prospective overruling comporta algumas pequenas variações,

como, por exemplo, a alternativa entre o órgão judicial somente aplicar o novo entendimento jurídico ao caso que gerou o precedente substitutivo do anterior e aos processos que versem situação fática a ele posterior, ou, de forma diferente, não aplicar o novo precedente nem mesmo para o caso que o gerou, mas, tão somente, para os que envolvam fatos a ele posteriores. Esta última modalidade é conhecida como pure prospective

overruling. EISENBERG, Melvin Aron, op. cit., p. 127-128.

166 Ibid., p. 127.

167 Embora a Inglaterra tenha se mostrado mais resistente à utilização do prospective overruling do que os

Estados Unidos, como, aliás, o foi em relação à própria possibilidade de overruling pela House of Lords, só admitido a partir de 1966, nota-se “importante evolução na doutrina da House of Lords quanto à aceitabilidade expressa do prospective overruling”. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do

precedente judicial: a justificação e a aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 432.

168 Ibid., p. 414. 169 Ibid., p. 457.

170 BIN, Marino. Il precedente giudiziario: valore e interpretazione. Padova: Cedam, 1995, p. 135, tradução livre. 171 Benjamin Cardozo afirma que a modificação de jurisprudência de um tribunal de última instância é ainda

mais ameaçadora à confiança legítima dos cidadãos, que merece proteção, já que, por se tratar do órgão judicial que dá a última palavra sobre a específica questão jurídica, os seus precedentes representam um paradigma de orientação ainda mais consistente e – ao menos deveria ser – confiável do que os precedentes dos tribunais inferiores. CARDOZO, Benjamin Nathan. A natureza do processo e a evolução do direito. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1943, p. 93.

de decisões judiciais. Todavia, ele somente permite a modulação de efeitos ao STF – e não aos órgãos judiciais em geral – de decisões que declarem a inconstitucionalidade de uma norma em sede de ações diretas de inconstitucionalidade e de ações declaratórias de constitucionalidade. Jurisprudencialmente, o STF estendeu tal possibilidade às suas decisões declaratórias de inconstitucionalidade no âmbito do controle difuso de constitucionalidade172.

Trata-se, portanto, de hipótese bem diversa da atribuição de efeitos prospectivos por qualquer órgão judicial – e não apenas pelo STF –, no caso de mudança de entendimento jurídico dominante de qualquer natureza – e não somente na hipótese de declaração de inconstitucionalidade, que sequer precisa representar um câmbio de interpretação – que frustre a confiança legítima dos cidadãos. Por isso, a recepção do prospective overruling no Brasil proporcionaria um entusiasmante ganho de confiabilidade ao Direito brasileiro.

O estado de confiabilidade do Direito é, ainda, alimentado por técnicas outras próprias da teoria dos precedentes judiciais vinculantes como as do prospective prospective

overruling e da sinalização. No entanto, essas serão tratadas no item subsequente, por, além

do estado de confiabilidade, nutrirem, precipuamente, o estado de calculabilidade do Direito. Nas palavras de Leonardo José Carneiro da Cunha, o respeito aos precedentes promove a segurança jurídica ao conferir credibilidade ao Poder Judiciário, na medida em que os jurisdicionados têm protegida a sua confiança legítima e “passam a confiar nas decisões