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3. A Responsabilidade Enunciativa

3.4. Os tipos de ponto de vista

3.4.1. Os tipos de ponto de vista segundo Rabatel

Uma das grandes vantagens de se trabalhar com os pressupostos rabatelianos é o

fato de que ele também considera, no momento da análise, a interpretação. Sobre a

interpretação que pode ser feita pelos leitores, Rabatel (2008, p. 32-3) nos mostra que

uma das ferramentas que podemos nos servir para se analisar um texto, é a problemática

72 Lorsque LOC construit une image de lui-même dans sa prise de parole, on appellera cette instance :

locuteur de l’énoncé, abrégé en l0. La seule fonction du locuteur de l’énoncé est d’être source de l’énonciation, au moment précis de l’énonciation. [...].

Lorsque LOC construit une image de lui-même comme locuteur d’une énonciation antérieure ou postérieure, on l’appellera locuteur ti ,abrégé en li. [...]. La seule fonction de li est celle d’être auteur

d’une activité énonciative antérieure ou ultérieure. [...].

Lorsque LOC construit une image de lui-même comme locuteur textuel, abrégé en L, celui-ci est présenté comme ayant tous les aspects d’une presonne complète. LOC peut ainsi construire une image générale de lui-même ou une image de lui à un autre moment de son histoire.

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do ponto de vista (PDV), que ele considera “essencial para a boa compreensão e

interpretação dos textos narrativos”:

A teoria do PDV oferece assim, ao leitor, ferramentas privilegiadas para lhe permitir (re)tecer, por sua vez, os fios do texto ou de fazer, por sua vez, “a síntese do heterogêneo” – síntese que não se realiza somente na própria narrativa, como dizia Ricoeur, mas também no próprio ato de leitura, no ato de reconfiguração da narrativa. Nessa perspectiva, o PDV está a serviço de uma pragmática e de uma hermenêutica dos textos (literários ou não literários) que faça do leitor “o terceiro” no diálogo, segundo a bela fórmula de Bakhtine (1984:332), que lhe permita prender toda sua parte na co- construção das interpretações sobre a base das instruções do texto.73

Assim, vemos o quão a teoria dos PDV pode nos ajudar a compreender certos

textos e obras e, sobretudo, questionar a imagem ou verdade passada pelo autor. O leitor

desempenha um papel novo, ele entra no jogo, “dialogando” ou “interagindo”

diretamente com o autor e o personagem.

Rabatel (2008, p. 37) nos fala do tipo de leitor que ele acredita ser ideal para se

analisar uma obra:

Apesar do caráter aparentemente insensato de nossa empresa, nós queríamos, portanto, um leitor que se interessasse por textos literários e que tivesse o cuidado da língua (e reciprocamente). Um leitor literário e linguista (igualmente). Nós queríamos um leitor que se interessasse pela narrativa, mas a quem as problemáticas da argumentação intrigassem (e inversamente). Nós queríamos um leitor que amasse as belezas gramaticais da língua e que se interessasse pelos mecanismos da interpretação que ultrapassam os limites da frase.74

O fragmento acima revela que seguimos o perfil do leitor ideal para Rabatel,

pois não estudamos apenas a literatura ou apenas a linguística, mas literatura e

linguística conjuntamente, como complemento uma da outra.

Portanto, se a interpretação está no centro da nossa pesquisa e a noção de PDV,

segundo Rabatel, pode ajudar o leitor com esse tipo de trabalho, acreditamos que ela

será de grande significância para a nossa análise. É importante que conheçamos os

73 La théorie du PDV offre ainsi au lecteur des outils privilégiés pour lui permettre de (re)tisser, à son

tour, les fils du texte ou de faire, à son tour, « la synthèse de l’hétérogène » - synthèse qui ne s’effectue pas seulement dans le récit lui-même, comme le disait Ricoeur, mais aussi dans l’acte même de lecture, dans l’acte de reconfiguration du récit. Dans cette perspective, le PDV est au service d’une pragmatique et d’une herméneutique des textes (littéraires et non littéraires) qui fasse du lecteur « le troisième » dans le dialogue, selon la belle formule de Bakhtine (1984 : 332), qui lui permette de prendre toute sa part dans la co-construction des interprétations sur la base des instructions du texte.

74 Malgré le caractère apparemment déraisonnable de notre entreprise, nous voudrions donc un lecteur qui

s’intéresse aux textes littéraires et qui aie le souci de la langue (et réciproquement). Un lecteur littéraire et linguiste (de même). Nous voudrions un lecteur qui s’intéresse au récit, mais que les problématiques de l’argumentation intriguent (et inversement). Nous voudrions un lecteur qui aime les beautés grammairiennes de la langue et qui s’intéresse aux mécanismes de l’interprétation qui dépassent les bornes de la phrase.

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diferentes tipos de PDV apresentados por Rabatel e a ScaPoLine. Começaremos pelos

apresentados por Rabatel, que nos parece bastante relevante para analisar nosso corpus.

Rabatel distingue os PDV entre: point de vue représentés, racontés e assertés

(representados, contados e afirmados). O teórico afirma que o PDV “representado” se

deixa apreender a partir das relações sintáticas e semânticas entre um objeto perceptível,

ou seja, o “focalizador” ou o enunciador, um processo de percepção e um objeto

percebido (focalizado). Entretanto, ele afirma que a co-presença desses três

componentes não é sempre necessária, nem suficiente para predizer a existência de um

PDV. “O PDV representado repousa, então, essencialmente sobre a disjunção do locutor

e do enunciador, esse último sendo responsável pelas recepções (e pelos pensamentos

associados) no quadro de ‘frases sem fala’.” (RABATEL, 2004, p. 26).

Ainda sob a ótica de Rabatel (2008), o PDV “contado” remete a textos escritos a

partir da perspectiva de um personagem que, todavia, não é um focalizador. O teórico

(2004, p. 34) afirma que o PDV “contado” corresponde à “situação em que um

fragmento de texto empatisa sobre atores do enunciado”, quer dizer, “relata

acontecimentos após a perspectiva do ator do enunciado, sem ir até a paralização

enunciativa com as percepções representadas, uma vez que não há, nele, segundo

plano”. Ele ressalta que o PDV “contado” visa “o desenrolar dos fatos a partir da

perspectiva de um dos atores do enunciado, sem dar a esse ator do enunciado um espaço

enunciativo particular”.

O PDV “afirmado” descreve a noção de “opinião manifestada ou de tese”, de

acordo com Rabatel (2008, p. 104), ou seja, uma opinião explicitamente assumida.

Vejamos um breve resumo sobre esses PDV:

[...] com o PDV representado, o focalizador percebe, pensa “sem falar”, enquanto que com o PDV contado, o focalizador percebe, pensa contando. Esse ponto de vista contado não concerne, assim, às falas reportadas dos personagens ou às expressões do narrador, pois no momento em que o contra da perspectiva sai da atividade de narração stricto sensu e ele se põe a falar, trate-se de comentários explícitos do narrador, trate-se dos enunciados no discurso direto dos personagens, então o PDV muda de natureza e se tem necessidade de um outro conceito para analisá-lo, o de PDV afirmado. (RABATEL, 2008, p. 101).75

75 [...] avec le PDV représenté, le focalisateur perçoit, pense « sans parler », cependant qu’avec le PDV

raconté, le focalisateur perçoit, pense en racontant. Ce point de vue raconté ne concerne donc pas les paroles rapportées des personnages, ou les propos du narrateur, car dès lors que le contre de perspective sort de l’activité de narration stricto sensu et qu’il se met à parler, qu’il s’agisse de commentaires explicites du narrateur, qu’il s’agisse des énoncés au discours direct des personnages, alors le PDV change de nature et l’on a besoin d’un autre concept pour l’analyser, celui de PDV asserté.

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O fragmento acima sintetiza as diferentes características dos PDV apresentados

por Rabatel, que nos indicarão, mais adiante, qual ou quais PDV pode(m) ser

encontrado(s) em nosso corpus.

Uma das características que envolve o PDV “afirmado” é o valor persuasivo do

ethos. Segundo Rabatel, o ethos concerne, desde Aristóteles, aos traços de caráter que o

locutor manifesta, a fim de passar (demonstrar) uma imagem apropriada dele e de seu

discurso. Trata-se, portanto, de maneiras de ser, de dizer, construindo uma imagem

positiva da pessoa e apontando sobre a validade dos argumentos ou dos valores do

locutor. Desse modo, Rabatel (2004, p. 82) distingue alguns tipos de ethos:

o ethos preliminar, correspondendo à imagem de si preexistente em seu discurso, logo, à sua reputação [...];

o ethos pré-discursivo, ou genérico, correspondendo à imagem de si esperada quando o locutor visa desenvolver suas ideias adotando tal gênero de discurso [...];

o ethos discursivo, manifestado na e pela linguagem: um discurso de um tom afirmado, na produção fluente, sem modalização, com formas genéricas, indica frequentemente um homem seguro de si; as hesitações, lentidões, numerosas modalizações são, em contrapartida, suscetíveis de construir a imagem de um indivíduo pouco seguro de si, ou profano, ou pouco importante.76

Consoante Rabatel (2004, p. 82), o ethos constrói uma imagem do locutor que

desempenha um papel maior na confiança que ele deseja transmitir. O teórico afirma

que, a partir de algumas leituras, viu-se que o ethos não se limita somente a construção

da imagem de si, ele concerne também à construção no discurso da imagem do outro: -

seja aquele de quem se fala e que não responde por estar ausente; - seja aquele a quem

se endereça e busca-se influenciar as respostas pela imagem que se constrói dele.

No total, essa imagem de si, que entra em interação com a imagem (positiva ou negativa) que o locutor constrói de seu interlocutor, leva o leitor a reinterpretar o conjunto dos dados textuais, como argumentos (diretos ou indiretos) em favor de uma tese: isso significa que tudo é suscetível de ser interpretado como argumento, inclusive dados que, originalmente, não tinham neles nem o estatuto, nem a função. (RABATEL, 2004, p. 82-3).77

76 l’ethos préalable, correspondant à l’image de soi préexistante à son discours, bref, à sa réputation [...] ;

l’ethos prédiscursif, ou génerique, correspondant à l’image de soi attendue lorsque le locuteur envisage de développer ses idées en adoptant tel genre de discours [...] ;

l’ethos discursif, manifesté par et dans le langage : un discours d’un ton affirmé, au débit fluent, sans modalisation, avec des tournures génériques, indique souvent un homme sur de soi ; les hésitations, lenteurs, nombreuses modalisations sont en revanche susceptibles de construire l’image d’un individu peu sûr de lui, ou profane, ou peu important.

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Au total, cette image de soi, qui entre en interaction avec celle (positive ou négative) que le locuteur construit de son interlocuteur amène le lecteur à réinterpréter l’ensemble des données textuelles comme des arguments (directs ou indirects) en faveur d’une thèse : cela signifie que tout est susceptible d’être interprété comme argument, y compris des données qui, originellement, n’en avaient pas le statut ni la

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3.4.2. Os pontos de vista segundo a Teoria Escandinava da Polifonia

Linguística

Para finalizar nossa exposição sobre os diferentes tipos de ponto de vista (pdv),

mostraremos os definidos pela ScaPoLine. Eles podem ser: simples, complexos,

hierarquizados ou relacionais. Para Nølke et al (2004, p. 32), a distinção entre pdv

“simples” e “complexos” repousa principalmente sobre dois critérios. De um lado, eles

se distinguem quanto à natureza das instruções semânticas que os compõem, do outro

lado, eles mantêm relações de dependência semântica divergentes com os outros pdv

veiculados pelo mesmo enunciado.

Os pontos de vista complexos põem em jogo vários pdv, na medida em que eles exprimem a relação entre vários pdv para identificar sua semântica (Nølke & Olsen 2000b : 51-52). Eles tomam a forma de instruções cujo ao menos um dos termos é saturado por outro pdv. Contrariamente aos pdv simples, os pdv complexos não tomam a forma de uma oração que prediz algo sobre o estado das coisas : seu caráter referencial não é saturado. (Nølke et al., p. 34).78

Logo, vemos que a ScaPoLine considera que cada enunciado tem ao menos um

pdv. Há pontos de vista considerados simples pelo fato de serem constituídos de um

conteúdo semântico e de um julgamento sustentado sobre um conteúdo. O que é

expresso nesse pdv pode ser constatado pelo que parece óbvio, tornando assim sua fonte

indeterminada. O caráter referencial dos pdv complexos não é saturado, pois é possível

encontrar neles a presença de vários pdv.

Os pdv complexos apresentam combinações de pdv simples de diferentes

maneiras. Por essa razão a ScaPoLine (2004, p. 34) distingue duas subcategorias a partir

do pdv complexo: o pdv hierárquico e o pdv relacional. Os pdv hierárquicos se

compõem de pdv organizados segundo uma estruturação hierárquica. Eles permitem

incitar julgamentos exteriores sobre outros julgamentos. Já os pdv relacionais ligam os

fonction. Les pdv simples sont indépendants des autres pdv du même énoncé, c’est-à-dire que leur contenu sémantique se laisse décrire isolément de manière « atomique ». Le pdv simple prend la forme d’une prédication comme par exemple Pierre se promène ou il fait beau. Il est constitué d’un contenu sémantique et d’un jugement porté sur ce contenu, par défaut ‘il est vrai que’. La source du pdv reste indéterminée. Chaque énoncé contient au moins un pdv simple dont le contenu sémantique est posé.

78 Les points de vue complexes mettent en jeu plusieurs pdv, dans la mesure où ils expriment le rapport

entre plusieurs pdv pour cerner leur sémantique (Nølke & Olsen 2000b : 51-52). Ils prennent la forme d’instructions dont au moins un des termes est saturé par un autre pdv. Contrairement aux pdv simples, les pdv complexes ne prennent pas la forme d’une proposition qui prédit quelque chose sur l’état des choses : leur caractère référentiel n’est pas saturé.

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pdv simples ou complexos entre eles sobre o eixo sintagmático. Em geral, eles

acontecem nos enunciados englobando conectores.