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3 SEGURANÇA PÚBLICA, REFORMA POLICIAL E POLÍCIA COMUNITÁRIA

4.3 Público pesquisado

Para a seleção do público, Silverman (2009) considera a possibilidade de se fazer uma seleção intencional, onde a escolha de um caso ilustra alguma característica ou algum processo de interesse da pesquisa. Há também a seleção teórica, quando o público selecionado possibilita a expansão de uma teoria ou conceitos e/ou de suas aplicações. Na presente pesquisa, o público pesquisado foi selecionado de modo que possibilitasse a análise de um conceito teórico (Polícia Comunitária), bem como possibilitasse a aplicação da abordagem etnometodológica.

Considerando a configuração do sistema de segurança pública brasileiro e as iniciativas de algumas instituições em aderir a novas práticas de policiamento, foi definido o público da pesquisa: uma unidade operacional da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) em Uberlândia. A PMMG é a instituição policial militar mais antiga do país, com o trabalho de aproximadamente 45 mil profissionais no serviço ativo; e, é responsável pela preservação da ordem pública e do policiamento preventivo e ostensivo (SEDS, 2014). E, a cidade de

Uberlândia é a maior da região do Triângulo Mineiro e uma das maiores do Estado de Minas, com uma população estimada de 669.672 pessoas (IBGE, 2017).

Para a análise das práticas estratégicas de segurança pública, sob a égide da Polícia Comunitária, escolheu-se uma Unidade de Execução Operacional (UEOp) que exercesse uma responsabilidade territorial na cidade de Uberlândia. Cada UEOp é subordinada a uma Unidade de Direção Intermediária (UDI). Essa cidade é sede de uma UDI denominada 9a Região da Polícia Militar (RPM), responsável geograficamente por dezoito municípios do norte do Triângulo Mineiro. A 9a RPM possui sob sua coordenação seis UEOp’s, dentre os quais foi escolhido, como público da pesquisa, o 17° Batalhão da Polícia Militar (BPM) por ser o mais antigo da cidade e por adotar práticas de policiamento comunitário reconhecidas institucionalmente.

A área urbana de Uberlândia foi dividida geograficamente em duas, uma parte foi destinada à responsabilidade do 32° BPM e outra foi destinada ao 17° BPM. O Batalhão público da pesquisa (17° BPM) possui uma responsabilidade territorial no setor leste, setor sul e parte do setor central da cidade. O 17° BPM tem 34 anos desde sua instalação, sendo denominado como “Voluntários da Pátria”, cujas origens remontam uma antiga e heroica história, referente à Guerra do Paraguai, onde voluntários seguiram para frente de batalha a fim de defender o solo brasileiro, participando do “famoso episódio conhecido como ‘a retirada da laguna’” (PMMG, 2017, s. p.).

O 17° BPM, que já foi responsável sozinho pelo policiamento de grande parte da região do Triângulo Mineiro durante sua gênese, teve seu território reduzido com a criação de outras unidades: “o franco desenvolvimento e o aumento vertiginoso da cidade de Uberlândia fizeram com que a Unidade tivesse reduzido seu território de mais de 18 municípios para, hoje, policiar a região leste do município de Uberlândia” (PMMG, 2017, s. p.).

Com o objetivo de analisar as práticas estratégicas de segurança pública do 17° BPM, em presença de uma tensão relacional entre os níveis macro e micro (JARZABKOWSKI, 2004; WILSON; JARZABKOWSKI, 2004), as práticas de policiamento comunitário do batalhão foram contextualizadas, admitindo-se um público de pesquisa que represente o nível macro e outro público que representa o nível micro. As práticas ocorrem dentro de uma interação coexistente e fluida entre os públicos que representam esses níveis. O Quadro 4 apresenta os públicos pesquisados.

Quadro 4 - Público da pesquisa em contextos macro e micro

Níveis de análise Exemplos da literatura Público da pesquisa

Macro econômicas e políticas.Contextos amplos: instituições sociais, Polícia Militar de Minas Gerais.Blog policial (“Abordagem Policial”). Micro Micro contextos, onde a ação está localizada: discursos, atos, pensamentos

e gestos.

Policiais operacionais do 17° BPM que lidam cotidianamente com as práticas de policiamento comunitário.

Fonte: elaborado pelo autor a partir de Wilson e Jarzabkowski (2004).

Para o contexto macro, foi analisada a interação do ambiente institucional com a PMMG, por meio da pesquisa documental de leis e regulamentos, internos e externos, com foco em aspectos formais que são legal e normativamente estabelecidos acerca do comportamento policial. Para a análise macro contextual também foi realizada a análise de um blog policial, que representa uma interação entre os policiais e os contextos sociais que os cercam, visto que um blog é um espaço em que as conversações ocorrem de forma mais espontânea (informal) e anônima. Os sujeitos que estabelecem essas conversações on-line não são apenas internautas. Há a construção da “blogosfera policial” como se intitula o estudo de Ramos e Paiva (2009), que analisou o blog Abordagem Policial, também selecionado para a presente pesquisa, conforme descrito na seção “4.5.2 Pesquisa em blog policial”. Os policiais por meio dessas interações constroem e representam o contexto em que a organização PMMG se insere.

Quanto ao público que representa o nível micro (os policiais operacionais do 17° BPM), ainda foi preciso delimitar as equipes que foram analisadas. O fato de não haver policiais com atribuição específica (e única) de Polícia Comunitária, dificultou a definição do público exclusivamente por sua vinculação com as atividades específicas de policiamento comunitário. Em tese, todos os policiais militares praticam a Polícia Comunitária, qualquer que seja sua função, pois esta é uma atribuição do 17° BPM. Por isso, partiu-se dos programas oferecidos pelo 17° BPM de forma geral. Dentro do conjunto de serviços oferecidos pelo Batalhão, foram selecionados aqueles programas e equipes que apresentam uma interação mais direta com a comunidade civil, que a Polícia Comunitária fosse prioritária no cotidiano desse público. Durante a própria coleta de dados, o pesquisador identificava outros policiais que tinham participação mais direta no policiamento comunitário e, a partir daí, estabelecia novos contatos.

Quadro 5 - Detalhamento do público de pesquisa conforme programa/função

Programa/função* Entrevistados Observados

Rede de Vizinhos Protegidos (RVP) - atua em um processo educativo de mobilização social, com participação da comunidade, empresas, governos e organizações sociais diversas para a erradicação ou redução de um problema social, incluindo a segurança pública. Por meio da Polícia Comunitária, busca-se conquistar a confiança das pessoas, numa maior proximidade entre a comunidade e o policial militar, passando este a ser uma referência para o público em geral; e, também, sensibilizar as pessoas a adotarem mudanças de comportamentos, principalmente com medidas de autoproteção (PMMG, 2011b, 2016b).

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Grupo Especial de Policiamento em Áreas de Risco (GEPAR) - atua em áreas de risco, por meio da polícia preventiva e da reação qualificada. Busca resgatar/consolidar a credibilidade da comunidade local para com a PMMG; e, evitar que a população tenha sua rotina modificada por imposição de pessoas ou grupos envolvidos na criminalidade (PMMG, 2005, 2011d, 2015b).

1 -

Patrulha Escolar - atua em estabelecimentos de ensino. Busca incentivar o relacionamento entre os educandários e a PM; aumentar o grau de confiabilidade de educadores, familiares e educandos; e, coibir a prática de crime no interior do estabelecimento educacional e no seu entorno (PMMG, 2011c, 2011d, 2015b).

5 -

Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica (PPVD) - atua em conjunto com outros órgãos do município, depois da atuação emergencial da PAC, como uma segunda resposta. Busca fazer um atendimento completo a vítima de violência doméstica e familiar (PMMG, 2011d, 2015a, 2015b).

1 -

Programa de Educação e Resistência às Drogas (PROERD) - atua em conjunto com a escola e a família, por meio da ministração de um curso específico nas instituições de ensino público e privado. Busca evitar que crianças e adolescentes iniciem o uso das diversas drogas e/ou da violência; e, conscientizar/capacitar os pais para ajudar os filhos nesse mesmo sentido (PMMG, 2010c, 2011d, 2015b).

4 1

Oficial comandante do setor (Pelotão) e da Companhia PM - Apesar de não exercerem diretamente os programas aqui pontuados, são gestores e supervisores das atividades da Companhia PM sob sua responsabilidade, incluindo as de policiamento comunitário.

5 2

Comando e subcomando do 17° BPM; chefe da pasta de Polícia Comunitária do Batalhão; Assessoria de Gestão para Resultados (AGR) do Batalhão; Seção de Planejamentos e Operações (P3); e, Assessoria de Comunicação Organizacional (P5) do Batalhão - apesar de não lidarem diretamente com os programas aqui pontuados, participam da gestão do policiamento da Unidade Operacional como um todo. A função é exercida durante o expediente administrativo do 17° BPM.

6 2

* Os entrevistados/observados não fazem parte, necessariamente, de apenas um dos programas, pois alguns policiais são empenhados em dois programas simultaneamente.

Fonte: elaborado pelo autor.

Conforme Quadro 5, foram identificadas equipes de policiais militares que trabalham cotidianamente no Grupo Especial de Policiamento em Áreas de Risco (GEPAR); Patrulha de Policiamento Escolar; Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica (PPVD); Programa de Educação e Resistência às Drogas (PROERD); e, Rede de Vizinhos Protegidos (RVP). Vale ressaltar que a modalidade mais básica, indispensável para a Unidade e que funcionava

ininterruptamente, é a Patrulha de Atendimento Comunitário (PAC), entretanto, não foi escolhido como público da pesquisa, pois esse programa é realizado por equipes que, basicamente, atendem o chamado emergencial telefônico - quando ociosos fazem o patrulhamento ostensivo. Ou seja, a PAC não era, prioritariamente, uma atividade de policiamento comunitário, como apontado pela literatura (TROJANOWICZ; BUCQUEROUX, 1994, SKOLNICK; BAYLEY, 2006). Os outros programas existentes no conjunto de serviços do 17° BPM não foram aqui descritos ou porque fogem da proposta da presente pesquisa, ou porque não estavam acessíveis por problemas de regularidade operacional.

Como se observa, foi priorizado o programa RVP para o acompanhamento (observação participante). Todas as equipes policiais do 17° BPM que atuavam na RVP foram acompanhadas e entrevistadas. Este procedimento se justifica, porque, se comparado com os outros programas, na RVP os policiais objetivam o maior e o mais intenso relacionamento com a sociedade civil, exigindo dos policiais operacionais uma habilidade específica e dos gestores a garantia de uma constância/manutenção de uma mesma equipe trabalhando na mesma comunidade, para que sejam reconhecidos pelo público.

Ressalta-se que o próprio pesquisador é membro do grupo social pesquisado, bem como da sociedade no entorno; portanto, compartilha, pessoalmente, o mesmo contexto social. O próprio pesquisador está inserido no meio, tendo melhor acesso às diversas perspectivas. Afinal, na pesquisa qualitativa, a abordagem interpretativista considera o próprio pesquisar como um ato interpretativo, em que os sujeitos da pesquisa são valorizados.

Com o fim de compreender o meio social, o pesquisador integra-o em um olhar participativo. Interessa-se pelo modo como as pessoas normalmente se comportariam e pensariam em seus ambientes naturais, mesmo com a presença do pesquisador. Sua interferência é minimizada pelo fato do pesquisador já estar adaptado ao meio policial. Sua integração às atividades das pessoas que nele vivem, no constante fazer estratégia, torna-se, portanto, mais natural e menos invasivo.