• Nenhum resultado encontrado

3 SEGURANÇA PÚBLICA, REFORMA POLICIAL E POLÍCIA COMUNITÁRIA

4.1 Pressupostos ontológicos e epistemológicos da pesquisa

Para evitar desentendimentos entre as discussões teóricas e abordagens sobre os fenômenos sociais, é importante que o pesquisador busque por uma clareza ontológica e epistemológica, afirma Grix (2002). Com esse posicionamento, o pesquisador assegura melhor compreensão da própria pesquisa, bem como a relação de seus componentes essenciais. A ontologia refere-se à natureza da realidade - à imagem de uma realidade social - na qual se baseiam as teorias e seus pressupostos. A epistemologia, por sua vez, relaciona-se com as práticas do conhecimento científico - a relação entre o pesquisador e aquilo que é conhecido. Ambas fornecem as possibilidades de acesso aos métodos que podem ser utilizados na obtenção do conhecimento sobre a realidade social (DENZIN; LINCOLN, 2005; GRIX, 2002).

A presente pesquisa é guiada pelos pressupostos ontológicos e epistemológicos da Estratégia como Prática. Esta informação, porém, não é suficiente, visto que os estudos da estratégia como prática podem adotar pressupostos interpretativistas e estruturalistas (RASCHE; CHIA, 2009). A atual pesquisa adota os pressupostos interpretativistas, portanto, o ponto de vista dos sujeitos da pesquisa torna-se relevante. Nessa abordagem paradigmática, há uma preocupação em compreender a experiência subjetiva dos indivíduos e em buscar explicações dentro do reino da consciência individual e da subjetividade, o que permite ao pesquisador uma visão de mundo como um processo social criado pelo próprio sujeito (BURRELL; MORGAN, 1979).

Para posicionar a pesquisa da estratégia como prática social em uma abordagem interpretativa, conforme Rasche e Chia (2009), é necessário considerar a genealogia da teoria social baseada na prática, que possui uma estreita relação com a perspectiva da SAP. Conforme inicialmente apresentado na seção “2.1 A virada prática no campo da estratégia”, a volta às práticas surgiu a partir do desenvolvimento de duas tradições da teoria social: o estruturalismo e o interpretativismo. Assim, as práticas sociais em geral, e as práticas de estratégia em particular, podem ser abordadas a partir dessas perspectivas neoestruturalista e/ou neointerpretativista, as quais convergem na tradição da prática na teoria social.

Além de oferecer elementos das práticas sociais que podem orientar as investigações empíricas, Rasche e Chia (2009) objetivam melhorar a compreensão sobre o processo de investigação das práticas estratégicas. Para os autores, é preciso, primeiramente, delimitar quais fatores, ou elementos, deve ser considerado. Em segundo lugar, é preciso conceituar o próprio processo da pesquisa, numa questão metodológica.

Quanto ao questionamento sobre o que se deve pesquisar, os autores afirmam que é a prática estratégica como interpretações subjetivas, realizadas rotineiramente, no cotidiano. Práticas estratégicas não são apenas desempenhos rotineiros do corpo, mas também deve incluir uma compreensão rotineira do mundo, com base em esquemas de conhecimento compartilhado. Afinal, durante a realização de uma prática estratégica, seus atores recorrem a esquemas de conhecimento coletivo. O tipo de conhecimento implícito e histórico-contingente ancorada em esquemas coletivos inclui saber o que e saber como, mas também se estende a disposições gerais, como por exemplo, os comportamentos, tendências, emoções e outros (RASCHE; CHIA, 2009).

Quanto ao segundo questionamento, de como se pesquisa as práticas estratégicas, Rasche e Chia (2009) abordam os métodos etnográficos, por representarem, de fato, a valorização dos sujeitos na pesquisa e suas interpretações da forma mais intensa possível. Assim, a contextualização pode ser mais bem apreciada. Há uma real necessidade de se aproximar das práticas da estratégia por abordagens em profundidade, podendo ser a etnografia, a observação participante e outros métodos inovadores como fotografia e vídeos (RASCHE; CHIA, 2009).

O conceito de estratégia, na perspectiva da SAP, refere-se a uma atividade em movimento (strategizing), portanto, não seria apenas um atributo das organizações, mas seria uma atividade exercida pelas pessoas (JARZABKOWSKI, 2004; CARTER; CLEGG;

KORNBERGER, 2008; FELDMAN; ORLIKOWSKI, 2011). Consequentemente, a organização também passa a não ser vista mais como um substantivo (organization), mas como um verbo, representada pela palavra organizing, indicando uma constante transformação e um intenso movimento, exercido também pelas pessoas. Apesar da estratégia não ser considerada como conteúdo, também não deve ser considerada processo. A estratégia vista como prática social encontra-se além do dualismo simples existente entre conteúdo e processo (WHITTINGTON, 2007).

Segundo Whittington (2007), a SAP não se encontra no campo da estratégia como processo, pois há a necessidade de se ter uma visão sociológica e contextual, indo além do processo. Para os autores da SAP, o processo é importante desde que seja numa perspectiva em que há vida no processo internamente, as práticas pelas quais o trabalho é realmente feito. Ou seja, a noção prática implica uma atenção especial para o trabalho feito por pessoas dentro dos processos organizacionais (WHITTINGTON, 2003).

Quando o pesquisador se apropria de uma lente prática numa abordagem específica para compreender o mundo, torna-se central a noção de que a vida social é uma produção em curso. Portanto, buscam-se as ações recorrentes das pessoas para estudar a SAP (FELDMAN; ORLIKOWSKI, 2011). As práticas estratégicas, nesse caso, são construídas por meio das atividades reais no trabalho da estratégia cotidiano e rotineiro. Para Jarzabkowski (2004), a análise das práticas refere-se às tradições, normas e rotinas através das quais o trabalho de estratégia é construído. A autora argumenta, ainda, que uma ação se torna uma prática quando é repetitiva, similar à rotina, atingindo um nível de ações habituais e recorrentes, porém, apesar dessa característica, a prática também é responsável por mudanças, que surgem a partir da interação entre os níveis micro e macro.

Ao discorrer sobre a falta de consenso nas definições do termo prática em pesquisas realizadas com a perspectiva da SAP, Rouleau (2013) apresenta cinco visões distintas: (a) prática como ação gerencial; (b) como um conjunto de ferramentas; (c) como conhecimento; (d) como recursos organizacionais; e, (e) como discurso global. Essas visões buscam responder, respectivamente, às seguintes questões centrais: (a) como os gestores e outras pessoas na organização estrategizam?; (b) como eles usam as ferramentas da estratégia?; (c) como eles realizam a estratégia?; (d) como as práticas organizacionais configuram a vantagem competitiva estratégica?; e, (e) como o discurso estratégico produz gestores e organizações?

A presente pesquisa se caracteriza pela terceira visão (c). Pois, conforme Rouleau (2013), a visão das práticas como conhecimento possui a unidade de análise direcionada às rotinas, conversas e interações; e, a principal metodologia utilizada é a pesquisa etnográfica (observação participante). A principal contribuição dessa visão da prática é apresentar uma melhor interpretação das características contextuais e ocultas do fazer estratégia (strategizing).

Apesar de não serem vistas de maneira isolada, segundo Rouleau (2013), cada uma dessas visões representa um possível caminho para se pesquisar o fazer da estratégia. Nenhum deles é melhor, ou o único, caminho que deve ser seguido pelos pesquisadores. A propósito, cada um deles possui influências teóricas diversas, como as teorias organizacionais, as teorias relacionadas à linguagem e comunicação, as teorias das ciências sociais e as teorias críticas. Por isso, a SAP é reconhecida por seu pluralismo teórico e, sem dúvida, essa característica da noção de prática tem sido útil para manter a emergência e o sucesso desse campo.