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1 INTRODUÇÃO

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA INDÚSTRIA DE CALÇADOS

3.1.1. Panorama Mercadológico

3.1.1.2. Panorama Nacional

Historicamente, o processo de desenvolvimento econômico da indústria calçadista brasileira teve seu início no século XIX no Rio Grande do Sul, com a chegada dos primeiros imigrantes alemães no ano de 1824. Estes se instalaram no Vale do Rio dos Sinos e, além de atuarem na agricultura e na criação de animais, trabalhavam na produção de artesanato, principalmente de artigos de couro.

A partir dessa experiência com produtos de couro, juntamente com o conhecimento acumulado trazido da Europa, no ano de 1888 surgiu no Vale do Rio dos Sinos, no estado do Rio Grande do Sul, a primeira fábrica de calçados do Brasil, cuja produção era desenvolvida numa indústria local em pequena escala e apresentava características artesanais.

Com o passar dos anos, a produção de calçados expandiu-se para dar resposta à demanda do mercado que também vinha crescendo, fazendo com que o empresariado setorial da região de Vale do Rio dos Sinos introduzisse máquinas modernas para a fabricação de sapatos, e, com isso, a região passou a se posicionar como um dos maiores clusters calçadistas do mundo (ZINGANO; OLIVEIRA, 2014).

A necessidade de ampliar a comercialização de calçados para fora do país ocorreu no início da década de 1960, em contraponto com a exportação de couro salgado. A primeira exportação brasileira de calçados em larga escala ocorreu em 1968 com o embarque das sandálias Franciscana, produzidas pela empresa Strassburguer, para os Estados Unidos, cuja produção nacional era de 80 milhões de pares anuais (ABICALÇADOS, 2009).

Nos anos recentes, mais precisamente durante a década de 2000, com o surgimento de novos mercados no além-fronteiras, com a prosperidade dos negócios e a estabilização da economia brasileira, a capacidade produtiva do país aumentou e atualmente se posiciona como um dos destacados players na produção mundial de calçados.

O Gráfico 1 apresenta a evolução da produção nacional de calçados ao longo do período de 2004 a 2013, em que se pode visualizar que o setor tem passado por períodos

“turbulentos” no tocante à produção, passando por momentos de queda e de expansão. A variação da produção nacional no citado período ficou caracterizada por um fraco crescimento, atingindo um valor em torno dos 0,2%.

Gráfico 1 – Variação da produção Brasileira de calçados entre 2004 e 2013

Fonte: Bradesco (2014).

Analisando o gráfico, fica explícito que os anos de maior retração foram os de 2005, cuja produção caiu 4,3%, seguido do ano de 2006, em que a queda foi maior chegando aos 5,3%. Já no ano 2007, houve uma breve recuperação, mas ainda continuou no negativo, tendo atingido os 2,6% negativos, situação que se manteve, e, no ano de 2008, a produção operou no positivo, tendo atingido os 0,9%.

De acordo com o Diretor da IEMI, a baixa produção nacional nesses períodos está relacionada com a forte entrada de produtos importados, a baixa exportação devido ao câmbio e à crise mundial e o protecionismo da Argentina, um dos principais mercados da produção de calçadista nacional (ABDI, 2009).

Ainda analisando o Gráfico 1, percebe-se que, no período de 2009 a 2013, o aumento da produção foi de quase 10,3%. Nesse período, a produção de calçados, que caiu 0,3% no ano de 2009 se comparado com o ano transato, teve uma forte recuperação em 2010, e a produção nacional atingiu os 5,5% positivos. No ano seguinte, ou seja, no ano de 2011, a produção teve uma forte queda e a taxa registrada foi de 4,5% negativos. Apesar da queda verificada anteriormente, nos dois anos seguintes o setor recuperou-se e voltou a crescer, tendo chegado à marca dos 865 milhões de pares de sapatos no ano de 2012, com uma

expansão de 5,5% se comparado com o ano transato, e, em 2013, o aumento foi de 4,1%, atingindo os 900 milhões de pares.

O Brasil manteve-se na terceira posição no ranking mundial de produtores de calçados, sendo superado somente por China e Índia, devido ao aumento recente do número de sapatos fabricados e colocados no mercado global, apesar das oscilações na produção do calçado nacional verificadas no citado período e da redução da participação brasileira no mercado internacional de produção de calçados. Essa posição tem feito com que o setor de calçados tenha uma importância considerável para a pauta da exportação nacional, se comparada aos indicadores da indústria de transformação nacional.

Essa perspectiva é confirmada pela contribuição que o setor tem no total das vendas da indústria de transformação: de acordo com a IEMI (2014), levando-se em conta apenas o segmento de produção de calçados realizado em 2013, foram comercializados cerca de R$ 26,8 bilhões, o equivalente a 1,2% do valor total da receita líquida da indústria de transformação brasileira6, mostrando que se trata de um setor que tem um peso relativo na formação do PIB nacional.

Do total da produção de sapatos registrada em 2013, perto de 87% foram destinados ao consumo interno, ou seja, pouco mais de 779 milhões de pares, ao passo que mais de 13% do total de calçados manufaturados foram destinados à exportação. Para satisfazer a demanda interna de calçados, o empresariado nacional importou 4,6% de sapatos, sendo que os principais vendedores ao Brasil são: Vietnam, com 44,8%; China, com 26,1%; Indonésia, com 18,8%; e Camboja, com 4,2%. Os principais tipos de calçados importados desses países incluem o cabedal têxtil que representa 54,9% das importações, seguido de borracha e plástico, com 23,9% cada (BRADESCO, 2014).

Em relação às exportações, apesar do Brasil ser detentor de uma posição não muito significante no mercado internacional, ocupando, de fato, uma posição intermediária no mercado global de calçados, o setor de calçados é considerado hoje como um dos principais produtos na pauta das exportações nacionais (ROCHA, 2003), tendo em vista que o país vem se especializando num segmento de preços médios, caracterizados por serem mais baixos que aqueles praticados pelas empresas italianas, e, em contrapartida, mais altos que os preços das empresas do sudeste asiático.

6 Desses valores, são excluídas as atividades de extração mineral e construção civil, que complementam o setor

Na tabela 5, é apresentada a contribuição do setor de calçados na pauta de exportação que pode ser avaliada no tocante à evolução do comércio setorial que vem ocorrendo nos últimos anos:

Tabela 5 – Exportação de calçados nos anos 2012 a 2013

Ano 2012 2013 % Variação Anual

Nº de Pares 113.274.439 122.903.031 8,5 Valores (US$) 1.092.933.890 1.095.298.321 0,2 Fonte: Elaborada a partir de Abicalçados e Brazilian Footwear (2014).

Analisando a Tabela 5, em relação às transações comerciais entre o Brasil e países terceiros, o ano de 2012 fica marcado pela venda de mais de 113 milhões de pares para outros países, o que gerou uma receita de pouco mais de 1 bilhão de dólares. No ano seguinte, houve pequenas melhorias, tendo as quantidades de calçados aumentado 8,5%, com uma venda acima dos 122 milhões de pares, o que gerou um aumento de 0,2% em relação aos valores do ano transato, e, com isso, totalizou-se um faturamento de pouco mais de 1,1 bilhão de dólares. Da quantidade de sapatos que foram enviados para um dos 150 países que compraram calçados do Brasil, os cinco principais mercados compradores em volumes foram os Estados Unidos, Argentina, França, Paraguai e Angola, que, em 2012, compraram mais de 50 milhões de pares de sapatos verde-e-amarelos, que equivale a quase 45% do total de sapatos vendidos no mercado externo. No ano de 2013, houve um aumento de mais de 7% na exportação em relação ao ano anterior, o que equivale dizer que os embarques de sapatos para o exterior cresceram, tendo os cinco tradicionais países compradores de sapatos brasileiros adquirido quase 52% de todos os calçados que passaram pela fronteira do Brasil (ABICALÇADOS; BRAZILIAN FOOTWEAR, 2014).

Analisando a pauta de exportações do calçado brasileiro, fica evidente a concentração do consumo em poucos mercados, com destaque para alguns vizinhos da América Latina, especialmente Argentina, Paraguai, Bolívia, Chile e Uruguai, seguidos dos Estados Unidos e, de longe, por França, Angola e Reino Unido. Cabe evidenciar ainda que as relações comerciais restritas a esses mercados consumidores do calçado brasileiro torna a indústria nacional mais vulnerável às flutuações econômicas dos países consumidores, como é o caso de alguns países sul-americanos vizinhos e também do norte-americano, além do fato de a exportação não ter chegado com força em outros mercados, particularmente os asiáticos.

Os cinco principais mercados destinos dos sapatos brasileiros nos anos de 2012 e 2013 estão discriminados na Tabela 6, cuja pauta de exportação dá conta que, nos anos de 2012 e

2013, foram exportados 50,2 milhões e 54 milhões de pares de sapatos, respectivamente, para Estados Unidos, Argentina, França, Paraguai e Angola, com um crescimento próximo aos 4%.

Tabela 6 – Principais mercados e exportação brasileira de calçados nos anos de 2012 e 2013

País 2012 2013 % Variação 2013 s/ 2012 US$ (Milhões) Pares (Milhões) US$ (Milhões) Pares (Milhões) US$ (%) Pares (%) Estados Unidos 197,5 12,6 189,5 10,7 -4,1 -15,5 Argentina 136,0 10,2 118,9 8,9 -12,6 -12,9 França 75,4 8,0 69,7 7,9 -7,5 -1,6 Paraguai 46,6 12,1 55,2 14,1 18,4 15,7 Angola 31,2 7,3 50,5 12,4 61,8 69,3

Fonte: Elaborada a partir de Abicalçados e Brazilian Footwear (2014).

Por meio de uma análise individualizada da Tabela 6, é possível perceber que, entre os anos tomados como referência, os Estados Unidos importaram menos 15,5% de sapatos, ou seja, deixaram de comprar quase 2 milhões de pares de sapatos das empresas brasileiras, enquanto a Argentina, que é o segundo principal mercado, importou 13% menos no comparativo entre 2012, em que foi vendido mais de 10 milhões de pares, e 2013, que apresentou uma queda para 8,9 milhões, alcançando uma redução de 12,6% nas vendas em dólares. A França é o terceiro destino, para onde foi embarcado em 2013 o equivalente a US$ 67 milhões em calçados brasileiros, que equivale a 7,5% menos do que em 2012.

Os outros dois países que completam o grupo dos cincos importantes importadores do calçado brasileiro são o Paraguai e Angola. O Paraguai, que ocupava a quarta posição em 2012 e que adquiriu pouco mais de 12 milhões de pares, gerando mais de 46 milhões de dólares, teve um aumento em 2013 de 15% no volume e de 18,4% nos valores com a importação de 14,8 milhões de pares de sapatos. Quanto a Angola, de 2012 para 2013, verificou-se um aumento de 69,3% no volume de compra e 61,8% no faturamento, tendo importado mais de 5 milhões de pares.

Analisando os dados transacionados entre Brasil e os três primeiros do ranking de países importadores de sapatos brasileiros nos anos de 2012 e 2013, constata-se que houve uma diminuição no volume de compra dos sapatos made in Brazil. Essa queda nas exportações para esses mercados está relacionada com “questões macroeconômicas, mas também relativas à nossa condição precária de competitividade no mercado internacional, especialmente na concorrência com os asiáticos, estamos perdendo os mercados mais tradicionais, como o caso da Argentina, que barra produtos brasileiros e libera os asiáticos” avalia o presidente-executivo da Abicalçados, Heitor Klein (SINDIFRANCA, 2015).

A cadeia industrial de calçados nacionais é praticamente autossuficiente, com exceção da fabricação de equipamentos mais sofisticados como componentes eletrônicos e de alguns insumos químicos e petroquímicos controlados por monopólios (ROCHA, 2003). As matérias-primas necessárias para suprir as necessidades de produção ainda são abundantes no país, com exceção de alguns produtos derivados do petróleo, cujos preços são mais elevados do que os internacionais, fazendo com que os mesmos tenham que ser importados para que a indústria possa ser competitiva.

Além desses, a indústria calçadista brasileira apresenta outras características, quais sejam: é constituída quase toda ela por capital nacional; é muito heterogênea quanto ao estágio tecnológico; seu setor é composto por um grande número de pequenas empresas que convivem com poucas empresas de grande porte; e é intensiva em mão de obra. Em relação a estas duas últimas características, que fazem com que o setor seja considerado dual no tocante ao porte das empresas no domínio da produção e geração de postos de trabalho, Cunha et al. (2009) destacaram que apenas 2% das empresas possuíam mais de 250 empregados em 2008, e, no entanto, essas detinham 45% das vagas formais do setor.

Ainda considerando o setor de calçados, e visando dar resposta à demanda tanto do mercado interno quanto para a exportação, no ano de 2013, a cadeia produtiva, que era composta por 8,1 mil indústrias e empregava 353 mil pessoas, investiu R$ 668,6 milhões, para que, juntamente com a produção e o faturamento, a indústria continuasse a desempenhar o seu importante papel na economia brasileira no que se refere à empregabilidade (ABICALÇADOS, 2014).

Avaliando os dados de produção, exportação e de consumo apresentados, percebe-se a importância que as atividades relacionadas à indústria de calçados têm para a economia brasileira, seja para a geração de empregos, seja para a geração de divisas, por se tratar de um setor intensivo em mão de obra e por contribuir para a formação do superávit na balança comercial.

Entretanto, acredita-se que os indicadores não têm sido melhores porque existem alguns fatores de risco que impedem que o setor seja mais competitivo e tenha um melhor desempenho, com destaque para os seguintes fatores: a maioria das empresas tem gestão familiar, o que dificulta a adoção de técnicas modernas de administração e controle; as linhas de produção, de modo geral, são pouco automatizadas; é um setor que exige elevados gastos em marketing e desenvolvimento de produtos, que podem não cair no gosto do mercado; as matérias-primas ligadas à cadeia petroquímica têm os preços dolarizados, o que depende das

cotações do mercado internacional; o setor sofre concorrência com produtos pirateados; e, por fim, sofre com a forte concorrência da China, com produtos de baixo valor agregado, e da Itália, com produtos diferenciados (BRADESCO, 2014).

Apesar da possibilidade de tais fatores limitarem a competitividade da indústria, o setor calçadista brasileiro, que tem suas origens no Rio Grande do Sul, mais precisamente no Vale do Rio dos Sinos, onde inicialmente desenvolveu-se como uma atividade artesanal de confecção de calçados, com o passar dos anos modernizou-se e hoje está espalhado por quase todos os Estados da União, formando polos produtivos diferenciados, seja no tocante ao número de empresas, seja em relação ao peso de cada região na produção nacional do setor.

Geograficamente, a produção brasileira de calçados no ano de 2013 ficou distribuída pelas diversas regiões do país, tendo a região sul concentrado 36% da produção total, seguida da região nordeste, com pouco mais de 35%, e o sudeste, com 26,6%, como evidencia o Gráfico 2. Essa concentração por regiões especializa-se na fabricação de calçados para diferentes segmentos de mercado de consumo, seja interno ou externo.

Gráfico 2 – Distribuição da produção brasileira de calçados por região no ano 2013

Fonte: Elaborado a partir de dados da Abicalçados (2014).

Com base no número de empresas existentes no país no ano de 2013, a concentração maior era no estado do Rio Grande do Sul (RS), com 35,8% do total, que ocupa o primeiro lugar e é onde está localizado um dos polos calçadistas mais importantes do mundo, que é o polo do Vale do Rio dos Sinos. Em seguida, vem São Paulo (SP) com 30,1%, que é onde se situa o polo de Franca, de Birigui e Jaú, para, de seguida, aparecer o estado de Minas Gerais (MG) com 16,8% do total de empresas, onde está localizado o polo de Nova Serrana e Belo Horizonte. Outros estados, como Ceará (3,8%), Santa Catarina (3,5%), Goiás (2,8%), Paraná

27%

36% 1%

36%

(1,6%), Paraíba (1,4%) e Bahia (1,1%%), completam o mapa da distribuição da cadeia produtiva nacional de calçados.

A distribuição espacial da produção e do número de unidades produtivas do setor de calçados no Brasil, que é fortemente caracterizado pela concentração regional, deve-se à força de atração e dinamismo que a indústria de calçados exerce sobre os setores com os quais se relaciona, gerando economias de aglomeração com a proximidade das indústrias do complexo calçadista (ZINGANO; OLIVEIRA, 2014).

Acredita-se que essa perspectiva influenciou os governos da região nordestina, os quais visaram à consolidação dessa região como polo calçadista a partir dos anos de 1990 e, dessa forma, criaram e concederam um conjunto de benefícios fiscais às empresas calçadistas. Para Zingano e Oliveira (2014), a vantagem de propiciar o emprego de mão de obra de menor custo e a maior proximidade física dos mercados importadores causaram um movimento de relocalização da cadeia produtiva nacional, o que promoveu a deslocação das grandes fábricas do Sul e Sudeste para o Nordeste, onde se instalaram plantas de produção de calçados.

Com essa deslocação das fábricas, no ano de 2010, a cadeia produtiva da região nordestina passou a ser formada por 600 mil empresas que empregavam 126,5 mil pessoas, tendo produzido 188,5 milhões de pares de sapatos, representando 44,6% da produção nacional, e, desse total, 102,1 milhões de pares foram exportados, representando 71,4% de sapatos enviados ao exterior, gerando uma renda de USD$ 595 milhões (ABICALÇADOS, 2011).

Esses dados vêm confirmar que as políticas de atração de investimentos para trazer empresas produtoras de calçados para o nordeste, nomeadamente para os estados do Ceará, Bahia e Paraíba, têm ganhado forma no cenário nacional, possibilitando a abertura de importantes polos calçadistas, uma vez que, no ano de 2012, esses três estados nordestinos foram responsáveis por 72,7% de todo o calçado nacional exportado (IEMI, 2013).