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O perito criminal é o profissional a serviço da sociedade e da justiça, especializado em encontrar ou proporcionar a chamada prova técnica ou prova pericial, mediante a análise de vestígios produzidos ou deixados durante o delito. Por ter a responsabilidade, a exclusividade e a formação especializada revestida no cargo, as atividades periciais são classificadas como de grande complexidade.

Diante dessa realidade técnica-profissional, porém, a pessoa, o ser humano, em situação de perito, é um cidadão, na verdade deve sê-lo e, nesse momento, reportar a Martins (2009, p. 200) para realizar pelo menos uma breve reflexão sobre essa situação peculiar, torna-se importante face ao problema deste estudo. Diz ele que

A liberdade humana se torna bem menos abrangente quando se constata que não somos totalmente livres nem para determinar o que somos, visto que no início e na maior parte das vezes somos o que se é impessoalmente e ainda tendemos a nos determinar ao modo técnico [...].

Assim, quando “nos disponibilizamos a esse modo técnico e passamos a um existir de modo inautêntico”, na “ambiguidade desse ser-aí, cada ser humano” —, somado à “complexidade da própria condição humana de dasein — quer em situação de cidadão comum quer de gestor público — pode afastar-se do sentido ético que inclui para um desviar-se em uma direção oposta” e, então, “orientar-ser para o impessoal”, para a “ilusão, a uma completude fechada em si mesma, no sentido de um poder de dominação — fantasia de controle sobre o de vir — um poder-ser descolado da responsabilidade sobre o possível por vir” (FRAGA; SCHULTZ, 2009, p.78).

Embora esse permanente perigo não seja em absoluto privilégio do perito criminal, mas do homem em especial na modernidade, o risco desse viver desvirtuado do dever ser humano é forte no caso do perito criminal, tendo-se em vista a natureza de suas atividades, o

envolvimento técnico em ambiente crítico, somado a carências nas condições de trabalho e pressões emocionais e reclames sociais.

A atividade pericial requer do profissional, conhecimentos especializados para que assim possa produzir provas, relativamente à pessoa física viva ou morta, implicando na apreciação, interpretação e descrição escrita dos fatos ou das circunstâncias de determinado delito. A esses profissionais cabe a imparcialidade e a objetividade na realização dos exames técnicos e na confecção do laudo pericial, visando assim auxiliar uma decisão judicial de forma correta e ilibada.

A perícia criminal encontra-se atualmente em processo de expansão no Brasil, com o início de valorização por parte das autoridades e da sociedade, mas em curso demasiadamente lento, o que faz com que o profissional ainda seja visto apenas através de uma fachada de filmes de Hollywood, o que não se aplica à realidade brasileira.

Em se havendo um delito em que haja vestígio passível de exame técnico, será requisitado pela autoridade, geralmente o delegado de polícia, ao perito criminal que se realize os exames técnicos e posteriormente o laudo pericial, conforme preconiza o Código de Processo Penal, nos artigos 158 a 184.

Os exames técnicos serão realizados in loco, quando o perito criminal for acionado para o atendimento, o mesmo se deslocará e realizará os trabalhos. Nessa situação, o perito criminal convive diretamente com as cenas de crime, com o criminoso e com a vítima, independente da natureza, podendo ser um simples dano ao patrimônio até um grave acidente de trânsito, um homicídio ou uma catástrofe.

Nessa etapa, é aqui detalhado o papel do perito criminal que atua em atendimento de locais de crime e o que realiza exames de peças ou exames laboratoriais, demonstrando assim os problemas inerentes a cada qual.

Os peritos criminais que atuam nos atendimentos de locais de crime, haja vista que esses profissionais, além de conviverem com o crime face a face, deslocam-se para atendimento de locais de crime em viaturas. Viaturas estas que em determinada época apresentam-se destituídas de qualquer tipo de manutenção, não oferecendo, portanto, o mínimo de conforto e segurança aos que nelas se deslocam.

Como citado, o perito criminal designado para atendimento de locais de crime, em sua maioria, convive no seu horário de plantão, no caso do estado de São Paulo, num período de doze horas, sujeito a intempéries, aos percalços do tráfego de veículos, aos riscos da violência

nas ruas, enfim, a inúmeras causas que podem, dependendo do profissional, atingir seu estado físico e emocional.

No caso do perito criminal plantonista, o mesmo cumpre plantões diurnos e noturnos e, por muitas vezes, aos finais de semana e em datas comemorativas, tais como, Dia das Mães, Natal, Páscoa, etc., deixando o convívio com a família e amigos nessas datas.

Cabe ainda ao profissional elaborar os laudos periciais referente aos locais ou às peças a ele designado. O perito criminal atuante em locais de crime, em sua maioria, fica impossibilitado de realizar tal tarefa no horário de plantão, confeccionando os laudos em sua residência, entre um plantão e outro.

Para a confecção do laudo pericial o perito criminal necessita se dedicar a um período de seu dia, exceto os dias em que está cumprindo plantão. Dependendo do caso atendido e da sua complexidade, demanda um longo período.

A escala de plantão sugerida, nas Equipes de Perícias da capital e Grande São Paulo, é de aproximadamente 144 horas ao mês, ou seja, variando entre 11 a 14 plantões/mês, cada um deles num período de doze horas.

Por vezes e isso foi enfatizado quando das entrevistas realizadas com os peritos criminais plantonistas que atendem locais de crime, os plantões noturnos constantes e a sobrecarga de atividades acabam por prejudicar a saúde física e mental do profissional. Em média, o perito criminal realiza cerca de 10 a 15 atendimentos de locais num período de 12 horas, percorrendo entre 100 a 300 quilômetros de trajeto, ainda se levando em conta que na área metropolitana há que se considerar o congestionamento de veículos.

Os peritos criminais que realizam exames de peças ou exames laboratoriais os procedem, bem como seus laudos periciais nos horários de expediente em que são designados, ainda na sede de exercício. Alguns profissionais realizam exames de peças e laudos em suas residências, caso de peças que são possíveis serem transportadas e que não exijam equipamentos especializados para o procedimento dos exames.

Diante das dificuldades e agruras das atividades periciais, já possíveis de apreender no convívio com os colegas sujeitos desta pesquisa, há um contraponto que é a satisfação de obter resultados positivos quando o exame e o laudo pericial proporcionam a justiça à sociedade, inocentando ou culpando a quem de direito.

Na verdade, o fim de toda a estrutura apresentada e da atividade que ela possibilita no que tange ao perito criminal é o bem comum, o destinatário é a sociedade, algo tão presente nos discursos e distante nas práticas, em decorrência de questões, situações e condições que

este estudo começa a levantar e a discutir. Diante dessa questão, Capalbo (1998) encontra respaldo em Schutz (2009):

[...] são os interesses que fazem com que este mundo, enquanto meio comum a todos nós, seja apreendido diversamente, em graus variados. Ora, os interesses não são individuais, mas sim formados no seio das diversas comunidades que constituem a sociedade à qual pertencemos. É assim que divergem os interesses e as “perspectivas” do mundo se levarmos em consideração o Brasil e a América Latina face, por exemplo, à Polônia e à U.R.S.S. ou à França e à Europa ou então, ao meio rural e o meio urbano brasileiro [...]. O mundo social, como fenômeno concreto, implica viabilidade de perspectivas e de interesses variados que são vividos por grupos sociais participantes.[...] esse indeterminado se constitui como um mundo à margem da minha experiência (CAPALBO, 1998, p. 85-6).

Essas estranhezas as quais os profissionais, nesse caso os peritos e a sociedade, estão frequentemente vivenciando é o que dificulta o respeito e a confiança mútua. O desconhecimento mesmo entre os que, segundo a fenomenologia, estão enredados no mundo (FRAGA, 2009) sobre demandas, interesses, necessidades, atuação e possibilidades entre pericial e a sociedade, se mostra como uma lacuna que o pesquisador foi desafiado a minimizar. Para tal, além do empenho no rigor do trabalho, é preciso estar alerta novamente à questão da “viabilidade” que Capalbo (1998) aponta em Schutz (2009) neste estudo, relativo ao que é possível, no âmbito de uma dissertação, para antever pesquisas futuras, estimulando- as a partir de resultados e de dificuldades que apontar, também.

Da densidade da descrição que a pesquisa consegue construir dependem tanto os resultados quanto a agudeza de lacunas a serem indicadas, tanto em questões teóricas quanto às relativas às práticas de gestão e relações cotidianas, no meio.