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2.5 As políticas governamentais para a Educação Básica e o objeto do ensino de LE

2.6.1. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Fundamental

A LDB de 1996 instituiu o ensino de LE na educação regular, porém não detalhou seus objetivos.

Para tentar suprir essa ausência foram publicados, no ano de 1998, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) voltados ao ensino fundamental. Os documentos são o resultado do trabalho de vários educadores brasileiros, que discutiram sobre como deveria ser o ensino de línguas no terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. São os Parâmetros que nos dão pistas de como o ensino de LE deve ser abordado.

Os PCN não possuem caráter normativo, consistindo, conforme descrito na sua introdução (BRASIL, 1997, p. 13), em “um referencial de qualidade para a educação no ensino fundamental em todo o País. Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional (…).”

Especificamente em relação às LE, já nas considerações preliminares do documento, considera-se a aprendizagem de LE um direito do cidadão. O documento equipara a LE a qualquer outra disciplina do currículo, defendendo que o lugar de aprendê-la é na escola e não em cursos particulares.

Os PCN, entretanto, foram bastante criticados. Paiva (2003, p. 58) por exemplo, afirmou ser “surrealista que um documento do próprio MEC reafirme a má condição do ensino no país e que se acomode a essa situação adversa em vez de propor políticas de qualificação docente e de melhoria do ensino”, o que se explicita no seguinte trecho do documento:

Deve-se considerar também o fato de que as condições na sala de aula da maioria das escolas brasileiras (carga horaria reduzida, classes superlotadas, pouco domínio das habilidades orais por parte da maioria dos professores, material didático

reduzido a giz e livro didático, etc) podem inviabilizar o ensino das quatro habilidades comunicativas. (BRASIL, 1998, p. 21)

A autora (PAIVA, 2003, p. 63) acrescenta que os PCN reforçam o preconceito sofrido pela escola pública, quando afirmam que “somente uma pequena parcela da população tem a oportunidade de usar línguas estrangeiras como instrumento de comunicação oral, dentro ou fora do país” (BRASIL, 1998, p. 20).

Leffa (2011, p. 20), por sua vez, chama a atenção para o fato de que esse discurso leva a crer que somente os mais ricos, que em tese podem viajar ao exterior, são merecedores de aprender a LE.

O ponto mais controverso do documento e que gerou bastante discussão entre os teóricos é, sem dúvida, o que reconhece que, diante da impossibilidade de ensinar as quatro habilidades, deve-se optar pelo ensino da leitura:

Assim, o foco na leitura pode ser justificado pela função social das línguas estrangeiras no país e também pelos objetivos realizáveis tendo em vista as condições existentes (BRASIL, 1998, p. 21)

Paiva critica duramente essa opção e afirma que (2011, p. 36)

É lamentável ver um documento oficial reconhecer e aceitar que o professor não domina a língua que ensina sem propor, paralelamente, uma política de qualificação de professores e, ainda, disseminar a crença de que o sucesso depende de material didático sofisticado. Lamentável, também, é a tentativa de impor o ensino de leitura como única opção possível, ignorando as outras habilidades.

Paiva também cita dois estudos (XAVIER, 1999; AMARAL, 2000) que, segundo ela, desconstroem a crença de que somente o ensino da leitura é possível nas escolas. Ela afirma que esses trabalhos “provam que é possível desenvolver todas as habilidades se houver um bom professor e atividades significativas (PAIVA, 2011, p. 36).”

A autora ressalta a importância de se aprender uma LE para interação com falantes também na modalidade oral ou escrita. Segundo ela (PAIVA, 2003, p. 58),

estar preparado para o exercício da cidadania e ter qualificação para o trabalho deveria incluir o conhecimento de uma língua estrangeira não só para a leitura de documentos como também para a interação com falantes na modalidade oral ou escrita em função da forte presença da Internet nas diversas instituições.

Antonieta Celani, uma das autoras do PCN, em uma entrevista concedida à Revista Nova Escola (CELANI, 2009), justifica os caminhos escolhidos no documento. Segundo ela,

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Estrangeira, lançados em 1998, do qual sou coautora, recomendamos a ênfase em leitura e escrita, considerando as situações do contexto brasileiro. Fomos massacrados. Diziam que a proposta era elitista, pois excluía a possibilidade de acesso do estudante ao desenvolvimento das quatro habilidades - ler, falar, escrever e compreender. Mas como, sem preparo, o professor pode desenvolver a habilidade de fala com 50 crianças por classe em duas horas semanais?

Rajagopalan (2013) apoia Celani (2009) e rejeita as críticas sofridas pelos PCN, considerando-as “bastante questionáveis”. Segundo o autor (RAJAGOPALAN, 2013c, 2006 apud SILVA, 2015, p. 12),

embasar tais críticas no argumento de que não se deve negar aos alunos o direito de ter acesso às outras habilidades é enfatizar a ideia, que, por sinal, é amplamente divulgada por muitos estudiosos da linguagem, de que a proficiência na língua somente se manifesta mediante as quatro habilidades, sendo que as mais valorizadas entre todas elas são a oralidade e a compreensão auditiva. Alegar também que não se deve negar a ninguém o direito de aprender da forma que quiser, não considera o fato de que as políticas linguísticas devem ser elaboradas tendo em mente um grande público-alvo, isto é, a população e não uma minoria.

Rajagopalan (2013, p. 159) insiste neste argumento: o de que “uma proposta de política nacional, com recursos do erário público, não pode se pautar pelos interesses específicos de uma pequena minoria”.

Apesar das críticas que sofreu sobre o foco na leitura, e com as quais concordamos, os PCN são até hoje o único referencial existente para os professores de LE no ensino fundamental, de modo que possuem uma grande importância e não podem ser desprezados ou ignorados.