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particularmente amo os americano, adoro! 74 fui muito bem tratada eles gostam da gente

Representação de atores: papéis e identidades

SER SENTIR

73 particularmente amo os americano, adoro! 74 fui muito bem tratada eles gostam da gente

75 eles gostam da comida da gente

76 eles procuram conviver... aonde eu morei não tinha brasileiro 77 isso me ajudou a ter convivência mais...

78 a gente trabalhava com americano 79 vivia mais cercado de americano

80 aí nesse nesse tempo os americanos assim 81 eles gostam de você... procura porque você tá lá 82 eles querem saber o porque que a gente tá lá 83 se a gente fala, porque eu sempre fui real

84 eu sempre falei não a eu vim pra cá pra ganhá dinheiro 85 e eles quando gostam, gosta pra valê!

Patrícia repete, aqui, a tendência geral dos narradores de representar o grupo majoritário dos países de destino com certa admiração. Essa representação alia-se ao que identifiquei nas construções dos atores no tópico “o grupo local”, sobre quem

recaem muitas avaliações positivas como o atributo de “povo bem-educado”. Essas avaliações contradizem o jogo mais comum de representação mantido na relação “nós” e “eles”, em que, sobre os primeiros, costuma predominar julgamentos positivos, e sobre os segundos pairam os negativos, conforme identificou van Dijk (1997a) na relação entre “nós”, grupo majoritário, e “eles”, migrantes.

Nesta pesquisa, essa relação se revelou de forma invertida. Sobre o “nós”, brasileiros e migrantes, em relação ao “eles”, grupo majoritário local nos contextos de exterior, repousam avaliações desproporcionais que constroem os primeiros com uma série de atributos negativos frente a esses outros mais valorizados. Segundo Moita Lopes (1996), preexiste na cultura brasileira uma certa atitude colonizada, que avalia positivamente itens da cultura estrangeira, inferiorizando brasileiros em relação a países economicamente mais ricos. Talvez a condição de rebaixamento que se manifesta nas narrativas reflita essa atitude identificada pelo autor.

Por outro lado, a questão do estigma talvez se explique melhor pela própria contraposição do migrante com grupos com quem alterna condições desiguais. Segundo Goffman (1993), quanto mais discrepante for a diferença entre duas identidades, mais acentuados podem ser os elementos que determinam o estigma de uma ou prestígio da outra. O autor acrescenta que, tornam-se estigmatizados aqueles que são incongruentes com um certo projeto ou estereótipo sobre como deve ser determinada espécie de indivíduos. E quanto mais visível a diferença entre o real e os atributos determinantes do social, mais se acentua a problemática do sujeito regido pela força do controle social e, assim, quanto mais visual, quanto mais acentuada e recortada a diferença, mais estigmatizante.

Portanto, nos contextos de destino do migrante, este, ao se ver contraposto a um “outro”, sobre o qual recaem símbolos de prestígio como cidadão de país desenvolvido,

passa a ser o diferente, alguém que demonstra pertencer a uma categoria com atributos incomuns. Essa discrepância é prejudicial para sua identidade social. Como bem observa Goffman (1993), de modo geral, o diferente assume uma posição isolada da sociedade ou de si mesmo e passa a ser uma pessoa estigmatizada. Sentindo-se sem espaço e sem voz, o indivíduo não pode ser nomeado e se reconhece como “um nada” nas relações com o outro, conforme se definiu Renato no exemplo 80 (linha 162), há algumas páginas atrás. Para os estigmatizados, a sociedade reduz oportunidades, esforços e movimentos, não atribui valor, impõe a perda da identidade social e determina uma auto-imagem desgastada, como a que sobressai nas análises empreendidas ao longo das várias seções analíticas.

Algumas considerações

Neste capítulo, procurei percorrer as múltiplas trilhas que me revelassem maiores detalhes sobre as relações sociais que cercam o migrante em sua jornada. Ao me propor a listar os atores a quem ele dá maior proeminência em seu discurso, procurei seguir as observações de De Fina (2000) e os dividi em dois grupos com base em seus laços de pertencimento ao segmento étnico brasileiro e os de fora dele. Dentro dessas classificações, os migrantes apresentam um rol de atores variados, como família, amigos, brasileiros em geral no exterior, oficiais de migração, estrangeiros membros do grupo majoritário dos países alvos e outras minorias étnicas.

As análises empreendidas com o apoio do referencial teórico sobre transitividade (Halliday e Matthiessen, 2004) e representação de atores sociais (van Leeuwen, 1996) demonstraram os tipos de papéis e significados que desempenham esses atores em suas relações no mundo do migrante. Assim, foi possível identificar as tensões que permeiam

suas relações desde a decisão de ida pra o exterior, sua chegada, e principalmente na lida diária do trabalho, que se revelou um palco importante da sua representação.

Os diferentes papéis que os atores desempenham nessas relações, constroem significados que vão influenciar a própria construção simbólica do migrante. Nesse sentido, uma das maiores evidências do capítulo é a de que, embora o ato de migrar demande um investimento pessoal que requer muita disposição, coragem, capacidade de lidar com toda sorte de adversidades, tudo agravado pela incapacidade de se comunicar na língua local, a despeito de todas essas provações que o migrante vence, na sua auto- avaliação, ele não se representa de forma a realçar essa agência. Ao contrário, no seu discurso, ficam latentes uma série de estigmas que constroem sua identidade com conotações subalternas.

Em sua narrativa, o migrante não se projeta como um forte, ao contrário, muito embora, em certos momentos ele avalie a sua jornada com atributos que a enaltecem, como uma “epopéia”, “uma experiência grandiosa”, ele atribui ao seu personagem um papel relativamente modesto. Essa é uma das principais evidências que se expressaram neste capítulo sobre a representação dos atores, seus papéis e identidades. Uma vez empreendida mais essa fase de análise, encaminho-me, agora, à parte final da análise, na qual procuro aproximar respostas a questões de cunho avaliativo presentes nas histórias de migração.

CAPÍTULO V

A prática de migração com seus espaços e cenários: