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1.3 Pesquisas sobre migração

1.3.2 Trabalhos recentes

Os estudos de van Dijk e Ruth Wodak abriram uma trilha na Lingüística que se vem estendendo desde o final dos anos oitenta e que, no momento, torna-se bastante recorrente, haja vista o número ascendente de trabalhos que se vinculam às migrações e, principalmente, aos migrantes, como os da linha “Linguagem e Migração”, conforme já mencionei. Esses trabalhos enfocam os movimentos transnacionais e a diáspora, investigando como as teorias lingüísticas podem ser revisadas e rearticuladas em perspectivas mais dinâmicas, de modo a lançar luz sobre os processos sociais na nossa era, com novas compreensões de espaço, hegemonia, território, unidade e linguagem. Trata-se de rever as ferramentas teóricas que abordam as práticas lingüísticas e construções discursivas sobre essas questões. A lista de pesquisas nessa perspectiva é grande, contudo, para esta tese é interessante citar três trabalhos específicos, dos quais serão observadas algumas categorias analíticas que se enquadram dentro dos contornos do grupo aqui enfocado.

O primeiro é a pesquisa de Ana De Fina (2000, 2004), sobre narrativas de migrantes mexicanos nos EUA, que segue aquela tendência de dar voz às minorias, usando suas próprias histórias de vida como fonte de dados. Seu estudo é referencial por tratar de um grupo latino-americano que divide certas características com os jaragüenses, colaboradores e foco deste projeto. A autora provê uma relevante discussão sobre o papel da escolha de pronomes na expressão de distância ou solidariedade em relação aos outros, observando o grau em que isso reflete a orientação do falante em

relação a suas bases culturais individuais ou coletivas. Analisando o tipo de sentença em que pronomes pessoais (em espanhol) ocorrem, ela conclui que o estilo de narrativa reflete uma concepção individual, em que o indivíduo se vê cercado pelos outros, e suas experiências são divididas ou são potencialmente significantes para esses outros.

Uma das principais contribuições da autora foi detectar que a identidade étnica é a categoria mais central usada por migrantes na sua auto-identificação e na identificação dos demais. A soma de todas as categorias étnicas mencionadas por seus informantes resultou em uma lista com vinte e duas definições, que incluíam termos como: americano, hispânico, latino, centro-americano, colombiano, nicaragüense etc. Geralmente essas identificações apresentam avaliações de comportamento. Daí o fato de que em comentários, narrativas de histórias pessoais e argumentações são recorrentes as observações sobre o comportamento de determinados grupos e os julgamentos de valor sobre suas condutas. Essas observações e julgamentos comportamentais são o próprio material discursivo do qual as identidades se constituem. Ele é tecido a partir das relações e posições sociais, entre as quais, as de poder, que os grupos exercem entre si, assim como de outras construções de segunda ordem, como o discurso da mídia, dos intelectuais etc. É aí que se fixam muitos estereótipos sobre como os “brasileiros”, “americanos”, “porto-riquenhos” etc. são.

O segundo trabalho recente, de interesse especial para esta tese, é o estudo de Michał Krzyżanowski em parceria com Ruth Wodak, na Universidade de Lancaster, intitulado 2“Multiple identities, migration and belonging: voices of migrants”. Os autores (Krzyżanowski e Wodak, 2007) questionam o conceito de identidade que se tem usado nas ciências sociais e na própria lingüística para tratar de questões sobre migrantes, alegando que a visão atual de identidade fragmentada deve ser reinterpretada

de modo a captar a transitoriedade da situação dos migrantes, que afeta suas formulações sobre si mesmos. A fim de solucionar problemas teórico-metodológicos nas pesquisas recentes sobre identidade de migrantes, os autores propõem uma noção de identidade sob a metáfora do “portal”, aquilo que emoldura um espaço de passagem de um local a outro, e adotam uma nova categoria analítica, que chamam de “pertencimento” (belonging). Tal categoria detém, segundo os autores, uma noção de identidade produzida por um processo contínuo que combina “ser” e “tornar-se” e que permite focar como os indivíduos e grupos almejam novos tipos de ligação a pessoas, a lugares ou a maneiras de ser. A noção de pertencimento, portanto, engloba laços emocionais, traduzidos no discurso dos migrantes nas metáforas “casa”, “raiz”, “terra natal”, nas expressões ligadas à “família”, “lar” e nos verbos que expressam sentimento. A terceira pesquisa, donde busco apoio para o presente estudo, é a tese de doutorado de Rachael Radhay (2006) da UnB, intitulada “Discurso e poder na política de migração brasileira”. A relevância desse trabalho é devido ao enfoque do tema da migração transnacional no contexto brasileiro. A autora examina a política de migração brasileira em relação ao discurso e ao poder. São caracterizados os elementos lingüísticos tais como nominalizações, escolhas pronominais e processos que contribuem para erguer pressupostos no discurso da migração. Uma das principais evidências no trabalho de Radhay (2006) é a construção do migrante ora como ameaça à segurança nacional, ora como ameaça à mão-de-obra brasileira. Também é detectada uma marcante discriminação na representação e na avaliação de migrantes em que se privilegia a entrada daqueles com maiores investimentos e conhecimento técnico especializado em detrimento dos migrantes em desvantagem social, que são desvalorizados.

Mediante um trabalho etnográfico, a pesquisa de Radhay (2006) identifica uma profunda distância entre o discurso de migração do Estado e os relatos das experiências de migrantes, em que está embutido como pressuposto principal a busca por melhores condições de vida e um interesse em legalizar-se no país. Essas evidências ainda atestam que o migrante não se enquadra nas representações e avaliações estereotipadas do Estado. A autora identifica também que entre os migrantes que recorrem ao Brasil como país de destino existem diversas redes que marcam ora solidariedade, ora relações de exploração. A pesquisa de Radhay (2006) é especialmente oportuna nesta Tese para fazer o contraponto entre a posição do Brasil como contexto de chegada e, por outro lado, como contexto de partida de migrantes.

As pesquisas citadas neste tópico, sobre os estudos de migração na Lingüística, ilustram um percurso que se vem desenvolvendo, desde os anos 1980, até os dias atuais, no qual alguns pontos se destacam. Se, no início, o foco de interesse centrava-se no discurso dos grupos majoritários sobre os migrantes, gradativamente, a ênfase foi sendo direcionada ao ponto de vista desses próprios migrantes, cujas narrativas e histórias de vida passaram a ocupar o espaço antes dado ao discurso da mídia, das elites e parlamentares. Questões de discriminação, racismo e xenofobia têm sido aspectos centrais nos trabalhos, que procuram revelar como construções desse tipo, são repassadas pela linguagem, no discurso e em práticas sociais, de modo a serem solidificadas no senso-comum, mantendo o migrante em condições subalternas e periféricas. A identidade é uma das categorias essenciais nas análises, pois revela muito sobre posições e relações de poder entre os grupos. Todavia, o conceito de identidade submete-se a uma busca, estendida às próprias ferramentas teóricas da Lingüística, por conceitos mais dinâmicos e reflexivos, que iluminem processos sociais-chave na nossa era. Novas perguntas se impõem e esta tese se articula em função de contribuir nesse

caminho. Ao trazer análises sobre um grupo de migrantes de uma cidade do interior de Goiás, este trabalho aborda o tema da transnacionalidade no contexto de partida desses pessoas, diferenciando-se, portanto, da direção dominante, que tem sido o contexto de chegada, os países ricos do dito “Primeiro Mundo”. Cabe, nesse momento, descrever esse grupo dentro dos propósitos desta pesquisa, é o que faço no tópico seguinte.