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Teoria da valoração

A prática de migração com seus espaços e cenários: avaliação e valoração

5.1 Questões teóricas sobre espaço, avaliação e valoração

5.1.3 Teoria da valoração

A Teoria da Valoração foi desenvolvida a partir da Lingüística Sistêmica Funcional (LSF) e é considerada como um sistema do significado interpessoal da linguagem (Rose e Martin, 2003). A denominação em português vem do inglês

Appraisal Theory e assumiu essa forma no capítulo de 4Peter White (2004), intitulado

“Valoração_ a linguagem da avaliação e da perspectiva”, traduzido por Débora Figueiredo para um número especial da revista “Linguagem em Discurso”, em 2004.

O termo Appraisal Theory também se associa a uma teoria do campo da Psicologia Cognitiva, contudo, na LSF, ele emergiu após um período de mais de quinze anos de estudos conduzidos por um grupo de pesquisadores australianos liderados por James Martin e Peter White em um projeto de letramento. As respostas que os membros do grupo ofereceram para questões relacionadas à forma como os textos ativam avaliações positivas e negativas, como assumem posições em relação a essas avaliações e de que forma essas avaliações são negociadas intersubjetivamente, deram à abordagem da valoração sua forma atual, dividida em três campos: atitude, gradação e engajamento (Martin, 2000).

As atitudes são apresentadas no discurso em três grupos: afeto, julgamento e apreciação. As três categorias podem ser avaliações positivas e negativas e apresentam níveis de gradação e de engajamento. A gradação é uma classificação em subcategorias sobre a variação de nível positivo ou negativo que as atitudes apresentam e pode ser dividida em alto, médio e baixo nível. O engajamento, por sua vez, demonstra o nível de comprometimento que o usuário da língua explicita em sua avaliação. Nas próximas seções, caracterizo esses três componentes da valoração, que são demonstrados de forma esquemática no gráfico seguinte, adaptado de Rose e Martin (2003, p. 28):

4 Originariamente, este capítulo foi publicado em: VERSCHUEREN, J; OSTMAN, J; BLOMMAERT, J;

Gráfico 4: Sistema de valoração

a- Atitude

O sistema de atitude provê recursos para avaliar coisas, o caráter das pessoas e seus sentimentos. Segundo Martin (2000), a atitude engloba significados pelos quais os textos e os falantes conectam valores subjetivos ou avaliações a participantes e processos com referência tanto a respostas emocionais ou a sistemas de valores culturalmente orientados. A atitude se divide em três sub-campos semânticos: o afeto, que está relacionado às avaliações semânticas sobre emoções; o julgamento, que se relaciona à avaliação de comportamento e a apreciação, que categoriza a avaliação estética assim como oferece definições sobre o objeto a ser avaliado. Observemos cada um deles nas subseções seguintes.

(i) Afeto

O afeto é o recurso semântico relacionado à construção de emoções das pessoas, como medo, felicidade, tristeza e assim por diante (Martin, 2000). Ele é tipicamente realizado por processos mentais de reação (eu gosto, eu odeio, isso me incomoda, isso me anima) e atributivos relacionais de afeto (eu estou contente, eu estou feliz, ela está encantada...). Lexicalmente, o afeto pode ser representado por verbos que denotam emoções (amar, adorar, odiar...), advérbios, geralmente de modo (felizmente,

Atitude Gradação... Engajamento... Apreciação (valores)... Valoração Julgamento (caráter)... Afeto (sentimentos)

tristemente....), adjetivos que exprimam emoções (feliz, triste, horrorizado, inquieto...) e também por substantivos, através de nominalizações (felicidade, tristeza...).

No afeto, assim como nas outras categorias da atitude, os elementos avaliativos envolvem os pólos negativo ou positivo, indicando bons e maus sentimentos. Da mesma forma, as pessoas podem expressar seus sentimentos direta ou implicitamente, assim, o afeto também pode ser direto ou implícito. O afeto direto ocorre quando a atitude afetiva é representada através de um estado emocional ou através de expressão física. O

afeto implícito pode acontecer por uso de metáfora.

(ii) Julgamento

O campo do julgamento compreende avaliações normativas a questões éticas, comportamentos humanos, as formas de acordo com as quais as pessoas devem ou não se comportar. Ele também possui uma dimensão positiva e negativa, correspondendo a julgamentos negativos ou positivos sobre determinado comportamento. O foco de análise é a linguagem que elogia, critica, aplaude ou condena certos comportamentos, ações, crenças, façanhas, motivações, implícita ou explicitamente. A abordagem divide os julgamentos em dois grupos: os que lidam com a estima social, e os orientados para as sanções sociais.

Os julgamentos de sanção social envolvem questões de legalidade e moralidade. Da perspectiva religiosa, as quebras de sanções sociais são vistas como pecados. Da perspectiva jurídica, elas são vistas como crimes. Assim, romper uma sanção social significa correr o risco de receber punições legais ou religiosas, daí o termo “sanção”.

Os julgamentos de estima social não possuem implicações legais ou morais, embora envolvam avaliações que possam rebaixar a estima das pessoas em sua

comunidade. Assim, valores negativos em termos de estima social são vistos como disfuncionais ou inapropriados, ou algo que deve ser desencorajado, mas não são avaliados como pecados ou crimes.

(iii) Apreciação

O campo da apreciação liga-se a avaliações estéticas de forma, aparência, composição, impacto ou significação de artefatos humanos, objetos naturais, bem como de indivíduos, mas não de comportamentos humanos (Rose e Martin, 2003). Os sujeitos humanos podem ser apreciados em suas qualidades estéticas, mas não em termos de aceitabilidade social de seus comportamentos, pois aí implica em julgamento. O sistema de apreciação subdivide-se em três variáveis: reação, composição e valor.

A primeira, reação, diz respeito a como reagimos às coisas (elas chamam nossa atenção? elas nos agradam?), e se subdivide em impacto, quando a reação provoca algo em nós (isso me toca?) e qualidade, se a reação estiver voltada ao objeto (eu gostei disso?).

A segunda, composição, é dividida em equilíbrio e complexidade. O equilíbrio trata aquilo que avaliamos como as partes concretas que formam o objeto (isto está coeso?). Já a complexidade trata daquilo que o texto tem e que faz com que ele interaja com o mundo (foi difícil de acompanhar?).

A terceira variável, o valor, refere-se à importância social (isso vale a pena?) (se elas são inovadoras, autênticas, eficazes, saudáveis, relevantes, importantes, significativas). À semelhança das duas primeiras categorias da atitude, no sistema de

b- Gradação

A gradação, como o nome sugere, permite graduar as avaliações no sistema de atitude, tornando-as mais fortes ou fracas e mais ou menos evidentes. A gradação se realiza em dois eixos: um relacionado à intensidade ou quantidade, denominado força, e um outro que opera de acordo com questões de exatidão, denominado de foco.

O foco subdivide-se em duas categorias: precisão e abrandamento. Na primeira, manifestam-se situações em que a participação em uma categoria taxonômica é reforçada, por exemplo,“ela é tão bonita”, ao passo que na segunda, ela é mitigada como em “ela é meio legal”.

A força, por seu turno, cobre significados para os quais podemos aplicar às atitudes algum grau de intensidade dentro de uma escala (nada especial, meio especial, um quanto especial, bastante especial, extremamente especial, especialíssimo) e

quantificação (um, nenhum, muitos, poucos, todos, dezenas, milhares).

c- Engajamento

O campo de engajamento dá acesso aos recursos de posicionamento subjetivo nas avaliações no sistema de atitude, revelando a voz ou as vozes autorais de onde elas partem e os significados pelos quais o falante tanto pode se aproximar ou se distanciar dos pontos de vista lançados em sua enunciação. Tendo como premissa a noção bakhtiniana de que enunciados verbais são, em última instância, dialógicos, o sistema de engajamento considera a forma como os produtores de um texto se filiam, ou se

contrapõem a um dado contexto, bem como na forma como os outros são convidados a endossar pontos de vista.

Nessa perspectiva, o sistema de engajamento é descrito em termos de duas posturas possivelmente assumidas pelo produtor em um texto: a monoglossia, a instância do discurso na qual não há o reconhecimento das alternativas dialógicas, e a

heteroglossia, em que essas alternativas se fazem claras. No caso de heteroglossia, se o

alinhamento do falante em relação à dialogia é positivo, temos uma expansão dialógica, ao passo que se, por outro lado, há o desafio, a restrição ou a crítica em relação ao escopo das vozes implicadas, temos uma relação de contração dialógica.

No engajamento uma ampla gama de opções permite que a voz textual varie os termos de seu engajamento com vozes e posições alternativas. Dentre esses recursos, são relevantes categorias como negação (não é verdade que..., ao contrário....);

declaração (eu afirmo..., a verdade é que..., não há dúvida que...); consideração (parece

que; aparentemente...); atribuição (X disse que…; X acredita que…; de acordo com X; na opinião de X); modalização (deve ser, pode ser, deveria ser...). Encerro esta seção com um gráfico, onde represento, de forma esquemática, o sistema de valoração.