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MÃES PREMATURAS BEBÉS PRÉ-TERMO

2.2.2 Pós-Parto e Primeiras Vivências Maternas

Se é verdade que, após um período de nove meses de gestação fisiológica e psicológica, a maioria das mães está preparada para a tarefa que as aguarda, quando este período é abreviado e as suas vivências cerceadas, como acontece no parto prematuro, sentem-se perdidas e incompletas. Agudizando estas vivências do pós-parto, as complicações físicas do recém-nascido fazem perigar o ajustamento psicológico de ambos. A dolorosa realidade psicológica

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da mãe prematura tem sido objecto de numerosos estudos e teorizações, como adiante se poderá constatar.

Zachariah (1994), numa tentativa de circunscrever a importância das relações objectais para a natureza da vinculação mãe-bebé, concluiu, contrariamente às previsões que procurava confirmar, que esta vinculação não se encontra significativamente correlacionada com a vinculação mãe-filha ou marido-

mulher, mas sim com o tempo de gestação. Ora, face a mais esta confirmação, que dizer da natureza de uma vinculação mãe prematura - bebé pré-termo, sempre interrompida antes de ser concluído o tempo necessário à gestação fisiológica e emocional?

Procurando dar resposta a esta interrogação, faz-se um apelo aos ensinamentos de Kreisler & Soulé (In Lebovici et ai, 1995), que indicam que o estado de regressão narcísica em que a mulher se encontra durante a gravidez é súbita e bruscamente interrompido pelo desencadear do parto prematuro. Contribuindo para o esclarecimento desta questão, Lavollay et al (cit. Klaus & Kennel, 1992), com base em entrevistas conduzidas a mães prematuras, assinalam que as sensações dominantes reportadas são: irrealidade do parto, sensação de vazio, rapidez, urgência. Verificaram também que o parto por cesariana contribuía ainda mais para a não-realização de que a criança nascera, evidenciando-se o fenómeno de maternidade em branco. Em concordância, Kreisler & Soulé (In Lebovici et ai, 1995) referem que uma gravidez em que abrupta e prematuramente se desenrola o parto, geralmente de índole traumática, pode deixar a mulher com um sentimento de insatisfação e incompletude, designado como "gravidez amputada" (p. 1904). Mais ainda, o parto prematuro implica uma interrupção no desenvolvimento maturativo do bebé imaginário, revelando-se para a prematura mãe deveras difícil confrontar o seu minúsculo bebé real com o bebé idealizado. Face à dificuldade de integração, a mãe pode refugiar-se no bebé imaginário ficando, consequentemente, o luto adiado.

Assim, uma criança pré-termo constitui para a mãe, não uma surpresa, mas uma desilusão que se instala pela constatação do fracassar dos esforços empreendidos durante a gravidez. Mesmo supondo que durante a gravidez a mulher tenha ensaiado e mobilizado forças para a ajudar a suportar o insucesso, o processo de interiorizar que o bebé perfeito com o qual sonhou, mais não foi do que uma fantasia sua, será mais moroso no caso destas mães (Brazelton & Cramer, 1989). O não conseguir transportar o filho dentro de si, até ao termo da gravidez, provoca, em simultâneo, uma sensação de desilusão e angústia. Num registo marcado pela culpabilidade e desvalorização narcísica, as mães prematuras questionam-se sobre a sua capacidade de procriar. Estes sentimentos de angústia, desilusão, culpabilidade e desvalorização podem-se perpetuar, fazendo com que decorra algum tempo antes que consiga sentir prazer na sua nova condição de mãe.

De modo análogo, Rosenblatt (1997, p. 566) é peremptória ao afirmar que o parto prematuro resulta no cerceamento das preparações práticas e afectivas, tão caras a qualquer mãe. Mas, mais grave ainda, é o confronto que lhes está reservado com um "bebé tecnológico" ("high-tech baby") - um ser humano em miniatura rodeado da mais sofisticada tecnologia. A brutal realidade neonatal, não só separa mãe e filho, como torna a mãe totalmente incompetente face aos cuidados neonatais e tecnológicos de que o seu vulnerável filho necessita. Perante tal situação, é comum verificar-se pelo menos uma das seguintes reacções emocionais: 1) medos sobre a sua sobrevivência e receio quanto a previsões para o futuro; 2) culpabilidades relativas a comportamentos mantidos durante a gravidez (e.g. hábitos tabágicos; não ter deixado de trabalhar) que possam ter comprometido a gestação de termo; 3) projecção da agressividade na equipa médica por não terem sido capazes de elaborar um diagnóstico mais precoce que pudesse ter evitado o desfecho do parto pré-termo e, por último, 4) sensações de incapacidade, quando confrontadas com a eficiência e profissionalismo da equipa de cuidados especiais.

Para além dos processos fantasmáticos maternos decorrentes dos efeitos separadores da tecnologia neonatal, existe outro factor ameaçador do processo

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de vinculação: a imaturidade do recém-nascido prematuro. Esta imaturidade traduz-se pelos escassos momentos do ciclo de vigília, pela baixa tolerância à estimulação e, consequentemente, pela hiper-reactivídade aos estímulos sensoriais. Como esclarece Ais (cit. Brazelton & Cramer, 1989), os bebés prematuros, no seu pequeníssimo repertório interaccional, ainda que acordados por pouco tempo, têm ciclos de sono profundo menos definidos e mais curtos, sendo também menor a capacidade de se protegerem dos estímulos e conseguirem passar do sono leve ao sono profundo. Por outro lado, estes bebés, mesmo quando acordados, encontram-se, na maioria desse tempo, ou a chorar ou a barafustar, sendo a sua consolação um processo igualmente exigente para os pais. Os bebés prematuros reagem de forma exagerada aos estímulos, mostram-se mais tensos e são hiper-sensíveis ao excesso de estímulo. Confrontadas com esta dura realidade, as mães tendem a compensar estes comportamentos do bebé tornando-se hipervigilantes, enquanto que o bebé tende a evitar o olhar - este tipo de interacção afigura-se um exemplo clássico do erro de contingência. Sucintamente, é lícito afirmar-se que as interacções com prematuros são mais penosas para as mães, na medida em que põem à prova a sua capacidade para se sintonizarem com uma criança menos ordenada e menos apta a reagir (Blanc, 1989). Assim, em função de tais condicionamentos, o recém-nascido prematuro manifesta uma capacidade francamente reduzida para estabelecer contacto. Brazelton & Cramer (op cit.) afirmam que, se o processo de vinculação a um bebé de termo leva o seu tempo e as primeiras tentativas para consolidá-lo podem ser rejeitadas, o problema da adaptação a uma criança francamente imatura, para a qual este processo de vinculação começou cedo demais, cria problemas de ordem vária.

O erro de contingência materno (persistência do contacto visual ou físico materno mesmo perante os movimentos de evitamento do filho na incubadora), corresponde a uma necessidade da mãe de se certificar que o seu bebé está mesmo ali e de sentir que lhe pertence, apesar da separação, da tecnologia e dos problemas existentes. Agudizando progressivamente o quadro relacional, importa considerar os dados lançados por três conjuntos de autores: 1)

Eckerman et ai (1999; cit. Campos, 2000), 2) Field (1990, cit. Goldberg & DiVitto, 1995) e 3) Eyler et ai (1992). Os primeiros referem que bebés prematuros (aos 4 meses de idade corrigida) não só revelam a hipersensibilidade acima descrita, como apresentam níveis de arousal positivo mais baixos e níveis de arousal negativo mais altos, quando comparados com os seus pares de termo. Esta situação resulta ainda mais agravada quando se assimilam as directrizes do segundo grupo de autores, que não só enfatizam a fragilidade destes minúsculos seres no que diz respeito ao contacto físico, como também revelam que o contacto com os pais representa apenas 14% do contacto humano a que estão submetidos. Constitui uma verdade inegável que os bebés prematuros são, desde muito cedo, submetidos a um contacto físico doloroso decorrente da sofisticada monitorização, provocando tais cuidados irregularidades no ritmo cardíaco, na respiração, na tonalidade da pele e comportamentos desorganizados. Field apela no sentido de as interacções não destinadas à monitorização terem como objectivo principal apaziguar e confortar estes pequenos-grandes sofredores o que, segundo o autor, pode ser conseguido através do embalar, humano ou mecânico, que funciona como uma medida efectiva no melhoramento das suas condições fisiológicas. De forma idêntica, a Academia Americana de Pediatria (1998) regista que os bebés prematuros revelam maior irritabilidade, hipercinésia e, simultaneamente, maior dependência. Esta realidade menos favorável conhece ainda outro agravamento com a hospitalização prolongada exigida por estes recém- nascidos, perturbando invariavelmente as relações pais-bebé.

Em jeito de conclusão sumária sobre o que se tem vindo a delinear a respeito da relação entre o bebé pré-termo e a sua mãe, Goldberg & DiVitto (1995) afirmam existirem três questões que são específicas à condição de ser mãe de um destes bebés. Assim, em primeiro lugar, surge a questão do timing do acontecimento; em segundo lugar, a experiência hospitalar inicial e, por último, as características do bebé pré-termo e suas implicações para o desenvolvimento, comportamento e processo de vinculação. As condições acima expostas, em conjunto ou isoladamente, exercem uma influência directa sobre a criança, os seus pais e sobre a relação entre uns e outros. Goldberg &

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DiVitto encerram este debate questionando-se sobre as implicações destas experiências precoces para cada um dos parceiros envolvidos, isto é, para o bebé, para a mãe e para o pai e, ainda, sobre qual o contributo destas vivências precoces para a formação da futura relação mãe-criança.

Descritas as questões relativas à mãe prematura, sua contribuição para o maturar da relação mãe-filho e antes de se olhar o futuro desta relação diádica, impõe-se conhecer o outro parceiro desta relação a dois: o bebé pré-termo.