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MÃES PREMATURAS BEBÉS PRÉ-TERMO

2.2.1 Vivências Psicológicas na Gravidez Pré-Termo

Obedecendo ao "enfoque materno" a que atrás se fez referência, várias abordagens empíricas têm procurado investigar a gravidez em risco de parto pré-termo. São em número expressivo os estudos que comprovam a existência de diferenças importantes na vivência psicológica de grávidas internadas em risco de entrarem em parto prematuro (Blau, 1963; O'Brien, Soliday & McCIuskey-Fawcet, 1995; De Muylder, 1989, 1990; Mamelle, 1986; Kreisler & Soulé, In Lebovici et ai, 1995).

Blau et ai (1963, cit. Rutter, Quine & Chesham, 1993) registaram a existência de uma relação entre atitudes negativas face à gravidez e à maternidade e o nascimento prematuro. Numa investigação baseada em entrevistas a mães de recém-nascidos prematuros e mães de termo, no terceiro dia do pós-parto, observaram que nas mães prematuras estavam patentes sentimentos de hostilidade e rejeição do estado gravídico, revelados não somente por atitudes negativas face à gravidez mas também, em determinados casos, por assumirem frontalmente não terem desejado a gravidez. Noutro estudo clássico, Smith (1969, cit. De Muylder, 1990) identificou que as mães

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prematuras eram psicologicamente mais imaturas e mais vulneráveis quando comparadas às suas congéneres de termo.

Reforçando as primeiras descobertas sobre a grávida em risco de parto pré- termo, na década de oitenta os estudos de Berkowitz e Kasl evidenciaram o registo de taxas mais elevadas de prematuridade em grávidas com atitudes negativas face à gravidez. Estas grávidas denotavam uma tendência para a negação do seu estado gravídico, bem como uma recusa para procurar ou aceitar a vigilância médica da gravidez (O'Brien, Soliday & Mccluskey-Fawcet, 1995). Particularizando o detalhe relativamente à vivência psicológica destas grávidas, Herms (1982, cit. De Muylder, 1990) verificou que, para além de se revelarem manifestamente ambivalentes face à gravidez, demonstravam ter um conflito entre a gravidez e a carreira profissional. Este autor observou ainda que as grávidas em análise respondiam a situações de ameaça com mecanismos defensivos intelectuais ou obsessivos.

Em estudos prospectivos versados especificamente para a referida temática, De Muylder (1989, 1990) assinalou que grávidas em risco de se tornarem mães prematuras manifestam dúvidas quanto ao desejo de ter o bebé e de se tornarem elas próprias mães. Evidenciaram igualmente dúvidas quanto aos sentimentos relativos ao feto/bebé. Quando comparadas com o grupo de controlo (grávidas sem risco de parto prematuro), as primeiras exibiam um maior número de sentimentos negativos associados à gravidez, atingindo por vezes a hostilidade ou a rejeição inconsciente da gravidez. Exprimiam uma maior insatisfação com a sua vida pessoal, com a sua vida sexual e com o seu corpo. Encontravam-se também mais apreensivas quanto ao trabalho de parto, ao nascimento do bebé e à vida futura com a criança. Apresentavam igualmente uma relação empobrecida com o feto, a qual se evidenciava nas seguintes circunstâncias: ausência de nome para o bebé, menor grau de registos positivos aquando da primeira ecografia, mantendo apenas uma comunicação verbal com o feto.

O citado autor em apreço viu as conclusões do seu primeiro estudo saírem reforçadas em estudos posteriores (De Muylder, 1990, 1992), nos quais ficou novamente patente que o investimento na gravidez é menor por parte de mulheres que futuramente vêm a desencadear um parto ante-termo. Por outro lado, estas grávidas são também menos apoiadas pelo seu companheiro, família e amigos. Considerando os resultados obtidos e tendo presente uma compreensão dos factores etiológicos da prematuridade, De Muylder sugere que a possibilidade de prever a prematuridade pode ser incrementada se aos factores orgânicos classicamente atribuídos ao parto prematuro se associar a variável "investimento na gravidez". Acresce referir que, no grupo de mulheres em risco de parto prematuro, verificou-se uma maior incidência de abortos espontâneos, de interrupções voluntárias da gravidez e de anteriores partos prematuros. Obedecendo a uma leitura das descrições supra, há que reconhecer a existência de um diálogo menos satisfatório entre mãe e feto, sustentado numa gravidez menos investida. Em resumo, e fazendo apelo a mais investigações neste campo, o autor conclui que o quadro acima descrito sugere um vínculo mãe/feto/bebé mais fraco.

Numa iniciativa com uma amostra de grande dimensão (1600 mulheres), identificaram-se alguns factores que se correlacionam com o parto prematuro. Os factores em causa podem ser considerados como estando implicados no devir do feminino e do materno: morte precoce da mãe, problemas ginecológicos na adolescência e má aceitação da puberdade (Mamelle, 1986). Relativamente a variáveis que operam no espaço psicológico, Maldonado (1992) defende que, se na construção da auto-imagem a grávida denigre o seu próprio corpo, passará a ter uma baixa auto-estima e tenderá a sentir-se "mal por dentro" (p. 208), julgando-se incapaz de produzir um "bom bebé". Estes sentimentos podem ser confirmados por perdas gestacionais.

Outro dado de cariz obstétrico que poderá encontrar-se associado à psicogénese do parto é a inversão interna do bebé, ou seja, a rotação que ocorre entre o sexto e o oitavo mês e que coloca o bebé de cabeça para baixo no útero. Segundo Soiffer (1986), existe uma estreita ligação entre a inversão

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interna do bebé e o parto prematuro. A percepção por parte da mãe destes movimentos de rotação do bebé, provoca uma intensa crise de ansiedade, totalmente inconsciente e que se traduz em diversas manifestações psíquicas e somáticas. Perante estas alterações, a mulher sente que algo de estranho e desconcertante lhe está a acontecer - é habitual as grávidas narrarem que sentem uma revolução dentro do abdómen, uma dor intensa no baixo ventre ou uma sensação de esvaziamento. Se estas vivências são particularmente exacerbadas, verifica-se "um incremento da ansiedade a níveis insustentáveis" (p. 36), podendo-se desencadear alguns processos somáticos, como é o caso do parto prematuro. Em tais situações, é frequente encontrar-se nos processos anamnésicos destas mulheres referências a que, no pós-parto, se sentiam como se tivessem sido submetidas a uma operação ao apêndice.

Na óptica de Justo (1997), a interrupção da elaboração da separação que vai ocorrer no parto (terceiro trimestre da gravidez), desencadeia naturalmente reacções emocionais que se situam entre a ansiedade e a depressão. Assim, "...a própria reactividade psicológica (da grávida) pode contrariar os esforços médicos que visam inibir as contracções uterinas e prolongar a gravidez" (p. 32; parêntesis acrescentados). Campos (2000, p. 20 e ss), referindo-se à "impaciência e intolerância de mulheres que sofrem de contracções prematuras, no que respeita às imposições impostas pela gravidez", admite que uma das formas que lhes assiste para exercer alguma influência sobre a situação é, em primeiro lugar, não cuidarem devidamente de si ou permitirem- se uma actividade excessiva e, em segundo lugar, recusar cooperar com as instruções médicas. Admite-se que, de modo extremado, existe ainda uma outra forma destas grávidas agirem a sua impaciência (com as limitações da gravidez) e influenciarem a actividade uterina. Este processo seria conduzido através da actividade imagética no processo fisiológico - um fenómeno "ideo- automático" onde a mulher, ao querer acabar com a gravidez, aumentaria as contracções uterinas.

Numa estreita articulação entre a vivência psicológica e as manifestações somáticas (obstétricas), Sá (1997) explica que em grávidas cujo sofrimento

mental se traduz numa convexidade do espaço interior para a interacção com o bebé, as probabilidades de ocorrer um abortamento espontâneo no período da gravidez que coincide com os movimentos fetais - entre o 4o e o 5o mês de

gestação (e, portanto com a existência real de um bebé talvez antes não- imaginado) - são muito significativas. De modo análogo, Correia (1998, p. 370- 371) refere que os insucessos da gravidez revelam uma impossibilidade de vivenciar a gestação e/ou a maternidade por parte da mulher, isto é, de se representar como grávida e/ou como mãe. Nesta sequência, "o estar grávida, no caminho de ser mãe, coloca estas mulheres numa situação de conflito que não conseguem elaborar, utilizando como forma de expressão a via psicossomática".

Procurando explicitar estes mecanismos, Raphael-Leff (1985, 1996, 1997) admite a existência de duas orientações básicas em relação à maternidade: a facilitadora e a reguladora. Com recurso à primeira orientação, a mãe promove espontaneamente a sua própria adaptação ao bebé e, na segunda, promove a adaptação do bebé a si própria, estabelecendo uma rotina e uma preditibilidade reguladora. As duas orientações seriam sensíveis a factores específicos que contribuiriam para o stress pós-natal, através de uma baixa na auto-estima. Na primeira, estariam em causa os aspectos que dificultam o estabelecimento da identidade materna e, na segunda, o estabelecimento da identidade feminina. A referida autora postula que a realidade psíquica da mulher durante o período gravídico se assemelha a um "contentor procriador" (1996, p. 373), constituído através da interligação de três sistemas: fisiológico-placentário, intrapsíquico- familiar e sócio-ambiental. Numa derradeira proposta, concebe a existência de níveis de tolerância, psico-historicamente predispostos, segundo os quais cada mulher apresenta o seu próprio grau de "permeabilidade" ou "imunidade psicológica" ao processo de "gestação emocional". Em função do "Paradigma Placentário", a qualidade, fixação e intensidade das representações maternas pré-conscientes são preponderantes no que diz respeito ao desenvolvimento de mecanismos defensivos durante a gravidez e poderão sê-lo, de igual modo, no período pós-parto. Mesmo tratando-se de um modelo não direccionado exclusivamente para o fenómeno do parto prematuro, os conceitos de

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permeabilidade, imunidade psicológica e gestação emocional, são conceitos a reter para a ajuda à compreensão da incapacidade que algumas mulheres revelam em levar a gravidez ao seu término.

Numa teorização com forte semelhança ao conceito de "gestação emocional", Sá (1993, p. 16-17) opera a seguinte distinção: "Uma mulher grávida pode ter alguns aspectos psicológicos que a tornem sobretudo mãe-funcional (que alimenta, cuida, mas não intui e advinha o seu bebé). Nesses casos, uma mulher grávida pode ser, em parte, psicologicamente estéril". Nesta sequência, o mesmo autor assume que "prematuro é, do ponto de vista psicológico, o bebé que se desencontra sem reparação do desejo dos pais".

Em estreita correspondência para o postulado de mãe-contentora e à guisa de metáfora, Soulé (1992, In "La mère qui tricote suffisament') indica que o acto de tricotar corresponde a um momento ideal para a realização das fantasias e do imaginário materno. Enquanto vai tricotando, a mãe não só vai construindo um novo útero para o bebé, um "útero de lã" (p. 1080, "uterus de laine"), como vai também, malha a malha, idealizando o corpo do bebé. Ao fabricar-lhe um novo contentor em malha, torna-se não só mãe biológica deste bebé, como sua mãe psicológica. Ainda que abordados de forma metafórica, no plano real estes momentos afiguram-se cruciais para o desenvolvimento harmonioso da capacidade materna de contenção.

Se, em jeito de sumário, se procurasse integrar a informação resultante das diferentes abordagens sobre a vivência psicológica de uma mulher em risco de parto prematuro, era possível observar que estas grávidas são mulheres cuja história pessoal revela a morte precoce da mãe, uma má aceitação da puberdade e a existência de problemas ginecológicos na adolescência. Demonstram ser psicologicamente mais imaturas e mais vulneráveis, assumindo que a gravidez conflitualiza com a sua carreira profissional. Revelam estar mais insatisfeitas com a sua vida pessoal, com a sua vida sexual e com o seu corpo. Sentem-se também menos apoiadas pelo seu

companheiro, família e amigos. Respondem a situações de ameaça com mecanismos defensivos intelectuais ou obsessivos.

No que diz respeito à vivência da gravidez propriamente dita, verificam-se atitudes negativas face ao processo gravídico e à própria maternidade, traduzidas por dúvidas relativamente à gravidez, ao desejo de ter o bebé, de ser mãe e aos sentimentos relativos ao feto/bebé. Observa-se uma tendência para a negação do estado gravídico, um maior número de sentimentos negativos associados à gravidez, atingindo por vezes a hostilidade e a rejeição inconsciente daquela gestação. A relação empobrecida com o bebé é reflectida por um diálogo menos satisfatório entre mãe e feto. Embora estas grávidas apresentem uma maior incidência de abortos espontâneos, de interrupções voluntárias da gravidez e de anteriores partos prematuros, sendo a gravidez por vezes pouco investida, pode registar-se uma recusa na aceitação da vigilância médica. Da mesma forma, está patente uma maior apreensividade quanto ao trabalho de parto, ao nascimento do bebé e à vida futura com a criança.

Tendo particularizado a vivência do período gestacional, numa lógica de encadeamento cronológico destes processos, cabe abordar de seguida a vivência da mãe prematura no pós-parto. O confronto com o bebé pré-termo, o estabelecimento da díade e a consequente construção da vinculação com o bebé real, serão objecto de explanação no próximo sub-capítulo.