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pastoril às da vocação agrícola

No documento D ifusão doA gronegócio (páginas 183-188)

De acordo com Bandeira (1978), nos anos 1970, a agricultura piauiense tinha alta participação na renda do Estado (45%) e empregava mais de 50% da população economicamente ativa (PEA) estadual, embora com índices de produção e produtividade abaixo da média nordestina, exceto em alguns produtos extrativos, como babaçu e cera de carnaúba. Essa condição da agricultura piauiense refletia pesadamente na economia global do Estado, de sorte que a idéia das possibilidades de uma agricultura moderna no Piauí era, ainda, sujeita a controvérsias, tanto que, no final dos anos 1970, um vigoroso estudo da Fundação Cepro (1979) criticava a idéia de uma vocação agrícola piauiense, com base em pesquisas e diagnósticos agronômicos da Sudene.14

13 A importância do Parnaíba transparece na literatura, música e lendas. No romance Nas

pegadas do rio, Guimarães (1982) mistura mito, história e folclore, para lembrar a interrupção da sua navegabilidade em virtude da construção da barragem de Boa Esperança, na década de 1960, no município de Guadalupe.

Tais diagnósticos, por sua vez, eram caudatários de documentos como o Relatório de Viagem do engenheiro agrônomo Shiro Miyasaka, indicador da pobreza do solo piauiense em elemento fósforo (FUNDAÇÃO CEPRO, 1979), no qual se criticava a idéia da exuberância dos recursos naturais do Piauí e se justificava a impossibilidade de aproveitamento dos recursos produtivos da pecuária, dadas as condições tecnológicas da época. Convém lembrar, no entanto, que no final dos anos 1970 já existiam condições técnico-agronômicas favoráveis à incorporação agrícola dos cerrados em outras regiões brasileiras. Esse não era, ainda, o caso da agricultura piauiense que, em termos de modernização, se encontrava, segundo Bandeira (1978), abaixo da média nordestina.

Em relação à controvérsia quanto à chamada vocação agrícola, uma inflexão se desenhava nos discursos sobre o agronegócio piauiense, ainda nos anos 1970. Essa mudança discursiva, que ali se ensaiava e tomaria corpo nas décadas seguintes, seria caudatária da implantação de programas especiais, como o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste, o Polonordeste, o qual “no que concerne à política agrícola, objetivava a promoção de uma ‘agricultura eficaz’, aumento do emprego e melhoria da renda no meio rural” (DOMINGOS NETO, 1988, p. 20). As linhas de ação do programa, para o Nordeste, foram definidas, geoeconomicamente, para vales úmidos, serras úmidas, áreas secas, tabuleiros costeiros e pré-amazônia. O Piauí foi contemplado nas áreas dos vales úmidos, com os Programas de Desenvolvimento Rural Integrado (PDRIs) Delta do Parnaíba, Vale do Gurguéia (este dividido em norte, médio e sul do Gurguéia) e Vale do Rio Fidalgo (este, posteriormente, desmembrado em dois, dando origem ao Programa de Desenvolvimento Rural Integrado das Fazendas Estaduais) (DOMINGOS NETO, 1988).

O final dos anos 1970 no Piauí pode ser tomado, então, como um momento no qual se preparava o terreno para a germinação de novos paradigmas sobre a sua economia agrícola, à luz do que ocorria desde os anos 1960 no restante do país. No caso piauiense, exerceram papel determinante as negociações com o Banco Mundial, que passou a atuar,

diretamente, no Nordeste, em programas de desenvolvimento rural, a partir de 1976, confundindo-se com o Polonordeste, criado em 1974 e implantado, no Piauí, em 1976.

Efetivamente, em 1978 chegava ao Piauí a primeira missão do Banco Mundial e, em 1981, assinavam-se os acordos do empréstimo e do projeto de ampliação da área de atuação do Polonordeste no Estado, com o nome de Projeto Vale do Parnaíba. Entre 1982 e 1986, a intervenção governamental, no meio rural piauiense, gerou, como lembra Domingos Neto (1988), intensa produção de siglas e nomes: PDRI, Perímetros Irrigados, Polonordeste, Projeto Sertanejo, Nordestão, Programa Vale do Parnaíba, Projeto Mafrense, Projeto Vale do Itaueira, Projeto Vale do Gurguéia, Projeto Vale do Fidalgo, Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural (PAPP) etc. Na atual região dos cerrados, apenas a área restrita ao Vale do Gurguéia foi contemplada.

O advento dos recursos financeiros do Banco Mundial e o financiamento de programas de desenvolvimento rural acabaram por trazer à tona, já nos anos 1980, a questão fundiária e o tema da reforma agrária, que passaram, por imperativos externos, a fazer parte dos discursos oficiais. Com isto, ganha visibilidade uma categoria social promovida, no plano discursivo, de agricultura de subsistência a pequena produção. Assim,

(...) as propostas no campo fundiário não foram nada arrojadas nem pretenderam remover as causas do processo de monopolização fundiária que havia sido intensificado nas últimas duas décadas (...) Mas o projeto não deixou de sentenciar que o não-acesso à terra por parte dos trabalhadores poderia (...) limitar severamente a resposta aos melhoramentos na tecnologia e na prestação de serviços agrícolas, assim como os benefícios derivados deles (DOMINGOS NETO, 1988, p. 24).

Nesse processo, elaborou-se, em 1986, um diagnóstico para a implantação do Programa de Apoio ao Pequeno Produtor. A chamada pequena produção rural do Piauí ganhava visibilidade no discurso oficial,

(...) seguramente [como] um dos traços mais importantes do sistema de organização social da produção agropecuária do Estado do Piauí. (...) Ela representa um aspecto decisivo, porquanto é dela que provém a maior parte da produção de alimentos, de matéria-prima e da produção animal (ROCHA, 1988, p. 29).

Mas ao contrário do que se possa imaginar, a emergente idéia de vocação agrícola não se concretizaria, na prática, com base na pequena, porém na grande produção15, o chamado agronegócio, como ocorreria, a partir do final dos anos 1980, nos cerrados, embora, na verdade, os primeiros programas especiais referidos não atingissem os cerrados do sudoeste do Estado, à exceção do Vale do Gurguéia. Nesse sentido, importante etapa da incorporação agrícola dos cerrados do sudoeste piauiense pelo agronegócio do complexo carnes/grãos foi a constituição de um mercado de terras, ainda na década de 1970, no rastro da política desenvolvimentista promovida, desde os anos 1960, pela Sudene, a qual incluía a modernização da agricultura nordestina.

Assim, a investida naquela região piauiense, nos anos 1970, é, consoante Monteiro (1993), caudatária daquela política, constituindo-se o preço extremamente baixo das terras um fator de atração de capitais privados, processo por meio do qual se implantaram grandes projetos agropecuários na região. Segundo Guimarães (1988), principalmente no município de Ribeiro Gonçalves (sudoeste piauiense), um total parcial de 382.867 ha de terras públicas foi vendido pela Companhia do Desenvolvimento do Piauí (Comdepi), para a instalação desses projetos. Nessa territorialização do capital, 60% do total dos trinta projetos, relacionados por Guimarães (1988), adquiriram áreas entre 12.000 e 25.000 ha16.

Esses projetos, financiados pelo Fundo de Investimento do Nordeste Agropecuário (Finor Agropecuário), tinham como premissas a mudança da base técnica e o fomento ao aumento da capacidade empresarial no setor rural e ao aporte de capital. O Finor Agropecuário constituiu-se, assim, num mecanismo facilitador da aquisição de terras por empresários do Centro-Sul, e do próprio Nordeste. De acordo com Monteiro (1993), a inserção do Piauí nesse mecanismo de financiamento deveu-se à existência de grande área de terras devolutas alienadas pelo governo do Estado via

15 As categorias pequena produção e grande produção são utilizadas, aqui, como aparecem

no discurso em análise. Para análise teórica, ver Porto (1994), Vilela e Moraes (1997) e Moraes (1998).

Comdepi. Esta autora pesquisou diretamente treze projetos implantados até 1984, tendo sido, segundo ela, instalados, até aquele ano, 78 projetos, a maioria no sudoeste, cujo número chegou, em 1990, a 132.

Nos anos 1970, entretanto, os cerrados do sudoeste piauiense podiam ser vistos como áreas de valorização futura, conceito utilizado por Moraes e Messias (1987) para se referir à relação entre tempo tecnológico e tempo do capital, e à subversão da relação tempo-espaço pela qual recursos e territórios condicionam-se aos contextos de mercado. Tal situação remete, ainda, ao denominado exército de reservas de lugares, Santos (1988), no sentido de que certas regiões se tornam susceptíveis de acolher atividades econômicas do tipo hegemônico, como ocorreria com os cerrados.

Com efeito, naquele período, concentraram-se na região os maiores investimentos de iniciativa privada, como reflorestamentos de cajue manga, e projetos de pecuária com incentivos públicos via Finor Agropecuário e Fundo de Investimento Setorial (Fiset)17. Entre 1977 e 1987 foram aplicados, no Piauí, financiamentos para um total de 108.871,52 ha, com 88,90% dessa área correspondendo a terras de cerrados. Só os municípios de Uruçuí, Ribeiro Gonçalves e Canto do Buriti detiveram 81,4% dos projetos de reflorestamento, e em Uruçuí e Ribeiro Gonçalves foram aplicados recursos para o plantio de 76.719,56 ha em reflorestamento com a cultura do caju, com vistas ao comércio da castanha (OLIVEIRA, 1999). Embora boa parte tenha sofrido solução de continuidade, promoveram eles, de certa forma – até porque alguns continuam a operar produtivamente – uma inflexão na idéia e nas falas de destino pastoril.

É que, apesar de se dedicar também à pecuária, muitos começaram a modernizá-la e a investir na exploração comercial de caju e manga. Desse modo, rompia-se com o mito da impossibilidade da agricultura de escala no solo piauiense. Nesse sentido, pode-se dizer que o final dos anos 1970 e o início dos 1980 correspondem a uma importante etapa na inflexão do ideário do destino pastoril e na construção da idéia da vocação agrícola, a se concretizar, sobretudo, com a definitiva incorporação dos cerrados piauienses, a partir de meados dos anos 1980, pelo agronegócio do complexo carnes/grãos para exportação.

Incorporação dos cerrados e os novos discursos da

No documento D ifusão doA gronegócio (páginas 183-188)

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