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U so agrícola do território e os espaços luminosos da fruticultura

No documento D ifusão doA gronegócio (páginas 152-156)

no semi-árido brasileiro

Soraia de Fátima Ramos

Introdução

Este artigo deriva das reflexões acerca dos usos do território brasileiro e as especificidades dos subespaços predominantemente agrícolas no presente período histórico. As investigações sobre os atuais usos agrícolas no território nacional culminaram na elaboração de dissertação de mestrado1, a qual buscou analisar as implicações espaciais, os usos do território, mediante a passagem do chamado meio natural para o meio técnico e, principalmente, com a instalação do meio técnico- científico-informacional no país. Este recorte temporal, sistematizado por Santos (1996) nos permitiu apreender, segundo os diferentes momentos da história humana, a qualificação da materialidade e a empiricização do tempo, e, concomitantemente, nos ajudou a explicar os distintos usos do território num pedaço do país.

Nosso referencial teórico fundamenta-se, assim, nas contribuições de Milton Santos às ciências humanas e, em especial, à geografia. Uma de suas maiores colaborações foi conceituar o espaço geográfico, objeto desta disciplina. Como sinônimo de território usado, o espaço é um sistema, um conjunto indissociável de objetos e de ações, os quais explicam a diversidade dos lugares em cada porção do planeta e em cada estágio

1 A dissertação intitulada Uso do território brasileiro e sistemas técnicos agrícolas: a

fruticultura irrigada em Petrolina (PE)/Juazeiro (BA) foi apresentada ao Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP) em 2002.

da civilização. Para tanto, Santos (1996) atribui às técnicas um papel central em sua análise espacial. Por meio do exame das técnicas é possível compreender o caráter das relações sociais e o rebatimento das ações humanas sobre a natureza, em cada instante das divisões social, territorial e internacional do trabalho.

No Brasil, desde meados da década de 1970, os acréscimos materiais e as ações conjugadas têm configurado uma outra forma-conteúdo ao espaço geográfico. A expansão do meio-técnico-científico-informacional ocorre de modo contínuo na porção centro-sul, ou Região Concentrada (SANTOS; SILVEIRA, 2001) e, em forma de pontos e manchas no restante do país. Neste processo, o espaço nacional é permeado por inúmeras modernizações seletivas, o que equivale a desiguais densidades técnico-científico-informacionais e, em conseqüência, novas possibilidades de usos do território.

Consoante essas transformações gerais, o campo brasileiro recebe com maior força as inovações do período e cada vez mais adere à chamada agricultura científica (SANTOS, 1994). Há, conseqüentemente, alterações tanto na forma como no conteúdo dos espaços reservados às atividades agropecuárias. Introduzem-se modernas técnicas de manejo e cultivo, acirram-se as relações agricultura-indústria, há integrações entre diferentes capitais, modificam-se a distribuição e a regionalização da produção agrícola no Brasil. É neste sentido que sugerimos falar no surgimento de novos sistemas técnicos agrícolas, os quais se referem às especificidades na organização de subespaços agrícolas no interior do país. Os objetos e as ações presentes em cada subespaço correspondem às diferentes combinações de técnicas e tecnologias, desde o preparo do terreno, passando pela produção em si, até a armazenagem, o beneficiamento, a comercialização e a distribuição do produto, somados às variadas ações políticas, tais como aquelas relacionadas ao crédito rural e à assistência técnica.

Diante disso, o intuito do trabalho que ora apresentamos é desvendar a gênese do processo de conformação de um subespaço agrícola luminoso na porção do semi-árido, região Nordeste do Brasil, a partir das transformações no uso do território nos municípios de Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia. Por meio da idéia de sistemas técnicos agrícolas buscamos um suporte conceitual para nos guiar na análise do

uso agrícola do território e, deste modo, contribuir para uma interpretação geográfica das transformações ocorridas em nosso meio rural. O esforço foi no sentido de apontar as influências exercidas pelo território na atividade econômica, agricultura, e ao mesmo tempo assinalar as determinações econômicas, políticas e sociais incidentes sobre o espaço geográfico.

Examinamos inicialmente as formas pretéritas e o sistema de objetos e de ações que viabilizariam as posteriores inovações no semi-árido. Ao investigar as origens do atual sistema técnico agrícola predominante na região de Petrolina e Juazeiro nos foi possível confirmar a idéia de Santos e Silveira (2001) de expansão do meio técnico-científico-informacional no Brasil, sobretudo por volta de meados dos anos 1970. Tal fato ajudou-nos a reconhecer a existência no interior do semi-árido nordestino – parcela do território nacional identificada com o atraso – de um espaço luminoso. Estes são subespaços que acumulam densidades técnicas e informacionais, e oferecem mais atrativos às atividades com maior conteúdo em capital, tecnologia e organização (SANTOS; SILVEIRA, 2001).

De acordo com as proposições de Santos (1996) a respeito da história das transformações da natureza pelo trabalho humano, e para efeito da análise de determinadas situações geográficas, reconhecemos três grandes fases e quatro subperíodos no uso do território e constituição dos atuais municípios de Petrolina, no Estado de Pernambuco, e Juazeiro, no Estado da Bahia. A primeira fase data dos primórdios da história do território brasileiro até praticamente o final do século XIX, correspondente ao período pré-técnico. O meio natural impunha-se dominante e o uso agrícola incipiente limitava-se a práticas rudimentares. A segunda fase, entre o final do século XIX até meados dos anos 1960, marca a chegada da mecanização, a agricultura em escala comercial e o crescimento urbano em ambas as cidades. Esse período pode ser subdividido em pelo menos dois grandes momentos: do final do século XIX até os anos 1940 e, daí até meados da década de 1960. A terceira fase tem início por volta dos anos 1970 e alcança o século XXI, com características peculiares desde o final dos anos 1980. A fase inaugura a entrada do meio técnico-científico- informacional e corresponde à constituição de um subespaço luminoso no semi-árido a partir da combinação entre modernas técnicas de irrigação com o cultivo de frutas para exportação.

Na região de Petrolina e Juazeiro, a compreensão e explicação do recente uso do território, deu-se com a escolha de algumas das variáveis componentes do sistema técnico agrícola do período, as quais manifestam mais diretamente as especificidades do uso agrícola no contexto do semi- árido nordestino, às margens do rio São Francisco. Da materialidade natural e construída, destacamos a oferta hídrica e as condições edafoclimáticas, somadas à artificialização da natureza, com destaque para as novas variedades e os modernos equipamentos de irrigação. Além disso, têm-se as ações que motivaram ou são decorrentes das transformações socioespaciais, com predomínio das políticas trabalhadas pela Sudene, Codevasf e Embrapa.

O advento dos perímetros públicos irrigados, como resultado de políticas públicas, é a chave para a compreensão do atual retrato de Petrolina e Juazeiro como espaço luminoso no semi-árido. Desde a instalação dos perímetros, criaram-se as condições para o desenvolvimento de uma moderna fruticultura irrigada, a qual ilumina o semi-árido nordestino. Este subespaço é marcado por uma racionalidade instrumental, imbuída por conflitos entre governo, empresas e agricultores. Nota-se, nos últimos anos, uma mudança no perfil dos produtores da região. Agora, as atenções estão voltadas aos médios e grandes empresários agrícolas, provenientes de outras partes do país e, até mesmo, do mundo, em detrimento de antigos colonos.

Ao buscar a elaboração de uma teoria menor que dê conta de interpretar as exigências e conseqüências dos usos agrícolas nesta contemporaneidade, procuramos mostrar que o campo moderno está atrelado à incorporação dos elementos de uma agricultura científica. Tal fato vem permitindo alterar as condições de produção no campo e repercute em outros setores, notadamente nas indústrias de insumo e beneficiamento, e no comércio e serviço de produtos agropecuários, intensificando o processo de urbanização em diversas partes do país. Contudo, os novos usos agrícolas hoje factíveis decorrem de escolhas políticas nas quais se evidenciam embates entre os distintos lugares e agentes sociais.

No documento D ifusão doA gronegócio (páginas 152-156)

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