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Produção flexível

No documento D ifusão doA gronegócio (páginas 90-94)

Mas para se tornar possível entender os resultados espaciais dos movimentos socioeconômicos nos dias atuais, é indispensável, antes de qualquer análise, entender claramente os processos ocorridos na realidade mundial e em que medida isso difere do ciclo anterior ou, como parece ser unânime afirmar, a fase da produção fordista ou da sociedade industrial (HARVEY, 1996; CHESNAIS, 1998).

Há dois processos significativos e estruturantes para a compreensão da realidade atual, os quais se tornam indispensáveis para a discussão do desenvolvimento regional: a reestruturação da produção e a criação de fluxos financeiros livres de fronteiras6, quase desterritorializados. Ambos acontecem numa escala mundial, articuladamente, porém trazem resultados espaciais diferentes.

A atual “produção flexível”, que superou a fase fordista, é o resultado de uma reestruturação do processo de produção, em todos os seus momentos, na busca de elevar a valorização geral do capital. Isso se verificou, fundamentalmente, no momento da produção, nas relações entre o capital e o trabalho (TEIXEIRA, 1995); na elevação da rotatividade do capital e no papel da instituição (estatal ou privada) capaz de adiantar os custos de investimento em capital fixo e até em capital circulante.

Uma alteração significativa para todo o novo processo de produção foi a repartição do momento da produção em vários processos, separados em suas fases, em subprodutos, os quais se complementam para formar um novo subproduto ou uma nova mercadoria. O esquema do momento da produção possui as mesmas características de antes; agora, no entanto, esses momentos que podiam ser realizados em uma única unidade de produção de uma empresa passam a ser realizados em várias unidades, em várias empresas, próximas ou distantes milhares de quilômetros umas das outras. Isso gerou o sentimento da mundialização do capital, conforme comenta Mézáros (2000). Houve uma criativa e marcante repartição dos investimentos em custo fixo e até em custos de circulação, aqueles que têm menor rotatividade e, portanto, atrasam o processo de reprodução social. A administração e o controle estratégico de uma série de unidades de produção foram centralizados, enquanto as próprias unidades ganharam a possibilidade de se descentralizar. Isso foi permitido por várias razões: primeiro porque os avanços tecnológicos propiciaram a operação da produção com máquinas e equipamentos modernos, intensivos em capital, excludentes em mão- de-obra, cujos custos iniciais são comparativamente menores do que os custos sociais crescentes em mão-de-obra; em segundo lugar, sem ordem de hierarquia, vieram os avanços na informática que criaram novos canais de controle da utilização das máquinas e equipamentos e possibilitaram a circulação de informações pelas novas vias de comunicação; e em terceiro lugar, os meios de transportes aéreos, terrestres, hidroviários e marítimo/fluvial se interconectaram em sistemas intermodais, capazes de ajustar sincronizadamente o tempo do transporte das mercadorias a grandes distâncias e, com isso, rebaixar

6 Como a questão dos fluxos financeiros apresenta relativamente pouca interação quantitativa

com o objeto desta análise (Nordeste brasileiro), embora dele não esteja dissociada, optamos por concentrar as análises no processo de reestruturação da produção.

os custos por unidade/produto, principalmente para as cargas de menor valor agregado.

A repartição do processo anterior de produção, ao descentralizar subprocessos, também repartiu atividades de apoio que se transformaram em serviços e se deslocaram para fora das próprias unidades parciais e descentralizadas de produção, algumas se reconcentrando nas maiores metrópoles mundiais (SASSEN, 2003).

Nessas condições de repartição da produção e dos processos contidos em cada unidade de produção, aparece um resultado espacial importante. Esse conjunto de pequenas unidades, que relativamente resulta em pequenos valores relativos de taxa de lucro, embora traga melhores resultados em determinado tempo, em razão da elevação da sua rotatividade, se espacializam sob os mais variados critérios de localização. Em determinadas situações elas devem ocorrer em aglomerações e em outros casos de forma dispersa em algum local do planeta. Isso não quer dizer que a espacialização deixou de ter um nexo, uma lógica geográfica. A produção flexível permitiu algumas unidades se deslocarem para novos territórios, mas, no geral, algumas áreas históricas em concentração das unidades de produção fordista ainda são líderes na produção industrial e nas trocas comerciais em escala mundial.

Se analisarmos as tendências de crescimento do PIB industrial mundial entre 1988 e 2000, podemos afirmar existir uma tendência à descentralização de unidades industriais para países da Ásia – que poderá estar sendo a área industrial mais forte do planeta – África, Oriente Médio e América Latina. Do ponto de vista da produção industrial, a Europa e a América do Norte estão tendendo a reduzir suas participações relativas mundiais, apesar de ainda serem os países líderes nessa produção (CASTELLS, 1999a) (Tabela 1).

Há uma tendência de que a lógica da maioria das unidades de produção, no geral e em todos os segmentos, contenha em seus mecanismos de localização uma proximidade com outras unidades. Entretanto as atrações ou necessidades de cada uma delas são diferenciadas em virtude das suas características de produção e de circulação: porte, relações com os fornecedores de insumos, com os compradores dos seus produtos e

com os elementos de infra-estrutura e ambiência socioeconômica das suas proximidades. Em cada caso, as exigências locacionais dão um peso maior ou menor a cada um desses fatores. Isto, a princípio, não pode previamente determinar a liderança de um deles.

Tabela 1 – Participação por região da produção industrial mundial: projeções para o ano 2000 (%)

Essas fraturas do capitalismo geram uma espacialidade instável. Ela busca dirimir seus entraves como o enxugamento espacial, que lhe apresenta rugosidades importantes para reduzir suas taxas de lucro. Tais problemas submetem as mais variadas regionalizações a problemas de adequação constante e a reespacializações gradativas.

Por mais paradoxal que pareça, o enxugamento do “chassi” da

economia veio acompanhado da sua expansão em escala mundial, de maneira que algumas unidades de produção tendem a se descentralizar para fora da tríade (América do Norte, Europa Ocidental e Ásia), enquanto outras tendem a se reconcentrar em torno de algumas cidades mundiais. Trata-se de um movimento de expansão e retração territorial, de descentralização regional e de concentração econômica, que pulsa cada vez com maior velocidade e vem trazendo significativas alterações na territorialidade do desenvolvimento mundial. Uma dessas alterações é, sem dúvida, a tendência de maior heterogeneidade regional do desenvolvimento, como podemos observar nas análises a seguir, quando teremos a oportunidade de confrontar uma abordagem teórica com políticas efetivamente elaboradas para o Brasil

PAÍSES E CONTINENTES ANO

1998 2000

América do Norte África e Oriente Médio América Latina Europa Ocidental Europa Oriental

Outros países asiáticos e oceânicos Região da Ásia desenvolvida

23,4 1,7 3,0 27,3 17,6 4,9 22,1 18,0 2,7 4,6 24,6 15,2 8,0 26,2

Fonte: Castells (1999a, p. 127), citando cálculos do CEPII a partir do modelo Industrie

(PORTO, 2004).

No documento D ifusão doA gronegócio (páginas 90-94)

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