• Nenhum resultado encontrado

Tendências do desenvolvimento regional brasileiro e os reflexos sobre o Nordeste

No documento D ifusão doA gronegócio (páginas 105-116)

Se observarmos as intenções de investimentos anunciados pelo governo Lula para o Brasil, via PPI11, constataremos que a ênfase é dada à infra- estrutura como propulsora da recuperação econômica nacional, notadamente nas áreas de telecomunicações, energia, transportes e equipamentos de apoio: rodovias, ferrovias, hidrovias e portos. Espera-se que a iniciativa privada assuma a maior responsabilidade por esses investimentos, mas “alguns ficarão a cargo do setor público”. Sob tal ótica, os maiores investimentos, com capacidade de estruturar o espaço brasileiro, terão uma abordagem de mercado compatível com a lógica dos eixos, porquanto as prioridades de investimentos estarão necessariamente atreladas à viabilidade econômica e financeira, ou seja, maior carregamento atual e maior perspectiva de incremento no futuro. O porte e a capacidade de irradiação espacial de tais investimentos, caso realmente eles sejam realizados, terão significativa capacidade de alterar o cenário regional brasileiro e provavelmente com uma intensidade muito superior à do porte dos investimentos pensados para o recorte das Mesorregiões e das áreas de

11 Ver Plano Prioritário de Investimentos (PPI) - (Projeto Piloto: Relatório de Progresso n. 1),

Casa Civil da Presidência da República, Ministério da Fazenda e Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Brasília, DF, Brasil, março de 2005 (Mimeo.).

pobreza do PNDR.

Como evidenciado, o método de intervenção do PNDR possui expressivas limitações para atuar sobre a realidade dos fluxos socioeconômicos em escala mundial, com grande competitividade, com intensa rotatividade, inclusive espacial, e com imensa capacidade de elevar disparidades socioeconômicas. Por sua vez, do ponto de vista da ideologia da sociedade capitalista, os procedimentos adotados pelos eixos são mais “adequados” aos interesses da realidade atual, da fase da produção flexível.

Algumas justificativas sobre as possibilidades e os limites diferenciados dos dois métodos de intervenção residem no entendimento teórico da lógica da realidade atual. Do ponto de vista da economia, o formato regional da fase da produção flexível é constituído por subespaços e pontos no território, articulados, na maioria das vezes, com maior intensidade com outros subespaços e unidades de produção localizadas a grandes distâncias (Figura 3).

Segundo Haesbaert (2003), a atratividade entre unidades de produção, que constroem a identidade de dada região, ficou mais tênue, mais afrouxada, com laços menos fortes, porém ainda presente e realçada por alguns elementos de articulação, o que não permite levar ao extremo da desterritorialização geral.

Figura 3 – Esquema de regionalização no fordismo e na produção flexível

Fonte: Porto (2004, p. 231).

Como resultado disso, os novos formatos regionais são mais difíceis de serem identificados, por serem mais amplos na descentralização das unidades e mais enxutos na circulação de capitais, mercadorias e pessoas. As atividades urbanas também se descentralizaram e formaram subcentros que se articulam entre si, mas, sob outro ponto de vista, cada um deles forma outras tramas de articulação com outras subáreas de outras cidades, com maior intensidade do que com áreas da própria região. A cultura local (regional) deixou, relativamente, de ter a forte presença na formação dos ambientes econômicos, porém participa de forma resistente com laços menos intensos. Sob este aspecto, apesar de limitações, estão presentes algumas possibilidades de atuação do método adotado pelo PNDR,

embora isso não tenha porte para ser entendido como uma política nacional de desenvolvimento regional e sim como recortes regionais para traçar desenvolvimentos localizados territorialmente.

É preciso, no entanto, atentar para o fato de que as desigualdades entre as regiões, dominantes na fase fordista do desenvolvimento, ampliaram-se para desigualdades intensas também dentro das regiões, das metrópoles e das cidades. Ou seja, a identificação das manchas de pobreza do PNDR representa as áreas com homogeneidade de renda (8,4% da população), mas pode não ter capacidade de assegurar resultados sobre o volume relativo de famílias pobres objeto das intervenções.

Como os serviços demandados pelo setor produtivo tendem a se reconcentrar numa rede de cidades, tais famílias podem estar tendendo a se deslocar para essas áreas, como mostram estudos realizados para a Bahia (PORTO, 2004). Ao mesmo tempo, essa rede média de cidades também perde oportunidades de trabalho. Do ponto de vista qualitativo, os serviços tendem a se deslocar para as maiores metrópoles do mundo, que se tornaram os centros nodais dos fluxos de atividades mais importantes, aqueles que formam os centros de atividades modernas e de alta tecnologia, intensivas em mão-de-obra (SASSEN, 2003). Isso equivale a dizer que uma política de desenvolvimento regional precisa entender a dinâmica do processo e identificar as territorialidades que serão os futuros centros dos problemas da pobreza, se este for o seu objetivo, e não se referenciar por situação pretéritas.

Além disso, investimentos como aqueles que desviarão possivelmente a circulação de mercadorias para hidrovias ou para ferrovias poderão atrair novos investimentos e expandir seus resultados para áreas próximas, criando um novo corredor de produção, necessariamente atraindo também maiores contingentes de população. Sob tais condições, as áreas indicadas para investimentos pelo PNDR, localizadas dentro dessa trama de circulação, poderão vir a sofrer alterações capazes de desviar suas estruturas internas e perder a capacidade de continuar inseridas nos critérios utilizados pelo projeto, embora possam ter atraído importante contingente de pobreza. Isso significa elevar a desigualdade socioeconômica dentro dos novos corredores. Igualmente, as áreas localizadas fora do novo contexto espacial de desenvolvimento econômico poderão tornar- se ainda mais críticas do ponto de vista social.

Em outras palavras, caso a política dos corredores seja implementada, terá ampla capacidade de interferir no panorama regional no Brasil, como também de desviar a importância das ações previstas nas políticas do PNDR. Se fizermos a superposição do mapa do conjunto dos eixos sul-americanos e das manchas de pobreza da PNDR, veremos que as duas políticas atuam em espaços diferenciados e que, nesse contexto, o Nordeste brasileiro não é considerado pelos grande projetos da América do Sul (Figura 4).

Se observarmos o problema territorialmente em outra escala, apenas para comprovar as análises teóricas apresentadas neste trabalho, poderemos constatar que os maiores investimentos privados no Nordeste do Brasil, no ano de 2004, foram concentrados em três Estados (85%) e nestes nas suas áreas mais desenvolvidas: 59% na Bahia, sendo 37% no litoral; 14% no Ceará, com 6% nas imediações de Fortaleza; e 12% em Pernambuco, com cerca de 5% nas imediações da região de Recife. Convém ressaltar a presença da agropecuária na Bahia (5%), Maranhão (2%), Pernambuco e Piauí (ambos com 1%), o que deve estar representando, com maior ênfase, as produções de grãos no oeste da Bahia, no sul do Piauí e no sul do Maranhão e a produção de frutas no entorno de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE). Além disso, também são concentrados em setores da economia: indústria de transformação – 26% (só na Bahia 20%); comércio e serviços, 24%,distribuídos entre os maiores Estados e nas maiores cidades; papel e celulose – 17%, praticamente na Bahia; e transportes, energia e agropecuária, com 9% cada setor (MOREIRA, 2005).

Mas se analisarmos as políticas do IIRSA, poderemos constatar que grandes áreas do Nordeste podem sofrer processo de migração populacional interna para as áreas de concentração de investimentos no Nordeste, como também para outras regiões do Brasil.

Por fim, convém ressaltar alguns aspectos merecedores de especial atenção na formulação de planos regionais, na sociedade atual. Há um conjunto de processos que criam regionalidades diferentes, porém todas articuladas de forma incontrolável. Um recorte regional, em formato bidimensional e homogêneo, não expressa a realidade em sua complexidade de articulações. Hoje exige-se uma flexibilidade na regionalização, sob os mais distintos olhares, e que comporte abrangências territoriais diversas em pontos, caminhos e regiões (planos) diferenciados em porte e capacidade

de articulação no cenário mundial (HAESBAERT, 2003). Como tal, seus recortes, com vistas a reconhecer seus papéis, seus perfis e seus contornos, devem ser realizados de maneiras diversas. Apenas uma visão rápida não deixa as impressões necessárias e suficientes ao seu reconhecimento. Assim, não é bastante uma metodologia que apresente um corte regional a partir de delimitações político-administrativo, por exemplo.

As possibilidades de que dada região possa atrair investimentos

Figura 4 – Eixos sul-americanos e as manchas de pobreza do PNDR

Fonte: Elaboração do autor com base em mapas do IIRSA e PNDR.

Diante disso, a sociedade mundial tem exigido novos comportamentos para a gestão das políticas de cunho regional ou territorial: novas posturas metodológicas para conceituar e definir região; novas formas de construção de políticas públicas; e novos formatos de articulações entre as distintas instâncias do poder público e as inúmeras instâncias da sociedade, no intuito da efetividade das ações. Visto de outro ângulo, alteraram-se a divisão de responsabilidade regional, a estrutura regional e o tempo de realização.

ficarão na decorrência das suas possibilidades de trocar, cada vez mais, fluxos com outras regiões. Para tal, a lógica dos procedimentos de modernização é praticamente a mesma para qualquer região, guardadas algumas especificidades de porte, setor e localidade. Mas os processos produtivos, independentemente do valor, estarão sempre concatenados socialmente e distribuídos numa divisão de trabalho também espacial. Os pequenos negócios necessariamente estarão imbricados com a circulação geral de capitais, não importa onde eles estejam localizados, embora as relações sociais se apresentem com maior densidade em torno de pequenas (relativamente) territorialidades. A lógica dos grandes investimentos, independentemente do grau de desenvolvimento das regiões, tende a se uniformizar, a se alastrar para variadas partes do planeta, criar “ilhas de desenvolvimento” e acirrar a competitividade entre essas “ilhas”. Evidentemente isso não se aplica a todos os investimentos nem a todos os procedimentos de gestão regional. Aplica- se, porém, aos investimentos voltados para a produção de corte moderno, qualificada e competitiva internacionalmente. Este é o perfil do portifólio de investimentos da política dos eixos, aquele que parece ter maior capacidade de formatar políticas regionais para o Brasil.

Referências

BAHIA. Secretaria do Planejamento. Quatro cantos da Bahia. Salvador: SPE, 2001.

BRANDÃO, C. A. O processo de subdesenvolvimento, as desigualdades espaciais e o “jogo das escalas”. In: SUPERINTENDÊNCIA

DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA.

Desigualdades regionais. Salvador, 2004. (Série estudos e pesquisas,

67).

BRASIL. Ministério dos Transportes. Corredores de transportes no

Brasil. Brasília: GEIPOT, 1997.

BRASIL. Ministério do Planejamento. Brasil em Ação: relatório final. Brasília,1999.

______. Ministério do Planejamento. Avança Brasil. Brasília, 2000. BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Política nacional de

desenvolvimento regional: proposta para discussão. Brasília, 2003. 56

p. Disponível em: <http://www.integracao.gov.br/>. Acesso em: 4 out. 2005.

CARVALHO, E. A crise de exaustão do capital. Revista Outubro, São Paulo, n. 9, p. 39-56, 2003.

CASTELLS, M. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura. v. 1. São Paulo: Paz e Terra, 1999a.

______. A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999b. v. 2.

______. Fim de milênio: a era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999c. v. 3.

CHESNAIS, F. Rumo a uma mudança total dos parâmetros econômicos mundiais dos enfrentamentos políticos e sociais. Revista Outubro, São Paulo, n. 1, p. 7-31, 1998.

ROURA, J. R. C. Disparidades regionales en el crecimiento: convergencia, divergencia y factores de competitividad territorial. Madrid: Universidad de Alcalá, 1997.

MATTOS, C. de. Reestruturación del mercado metropolitano de trabajo y desigualdades sociales en el Gran Santiago: ¿hacia una ciudad dual? In: SEMINARIO DE LA REDE IBEROAMERICANA DE INVESTIGADORES: RII. 2001, Rosario, Argentina. Anais... Rosario, Argentina: Facultad de Ciencias Económicas y Estatisticas da Universidade Nacional de Rosário, 2001. 1 CD-ROM.

HAESBAERT, R. Desterritorialização: entre as redes e os aglomerados de exclusão. In: CASTRO, I. de E.; GOMES, P. C. da C.; CORRÊA, R. L.

Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. 352

HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1996. 349 p.

MARX, K. O capital. São Paulo: Nova Cultura, 1985.

MÉNDEZ, R. Geografía económica: la lógica espacial del capitalismo

global. Barcelona: Ariel Geografía, 1997.

MÉZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo: UNICAMP; Boitempo, 2000.

MOREIRA, C. A. L. A retomada dos investimentos na Região Nordeste.

Conjuntura Econômica, Fortaleza: BNB, n. 2, jan./fev. 2005.

OHLWEILER, O. A. Evolução sócio econômica do Brasil. Porto Alegre: Tchê, 1986.

PORTO, E. Desenvolvimento e território na Bahia. Salvador: SEI, 2003. ______. Limites e possibilidades das políticas de desenvolvimento

regional. 2004. Tese (Doutorado) - Faculdade de Geografia da Universidade

de Barcelona, Barcelona, 2004.

PORTO, E.; CARVALHO, E. Macrorregião de Salvador. Salvador: SEI, 1995. (Série estudos e pesquisas).

______. Plano Diretor de Feira de Santana. Feira de Santana, BA: Prefeitura Municipal de Feira de Santana, 1990.

______. Trazado de unión de metrópolis iberoamericanas. Regiones y desarrollo sustentable, Tlaxcala, México: El Colegio de Tlaxcala, v. 3, n.

5, jul./dic. 2003.

PROGRAMA BRASIL EM AÇÂO. Eixos nacionais de integração e

desenvolvimento. Brasília: BNDES, 1999.

SASSEN, S. Localizando ciudades en circuitos globales. EURE, Santiago, v. 29, n. 88, p. 5-27, 2003. Disponível em: http://www.scielo.cl/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0250-71612003008800001&lng=es&nr

m=iso>. Acesso em: 17 mai. 2004. ISSN 0250-7161.

SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. A Bahia no Nordeste e no Brasil. Salvador: SEI, 2003. STORPER, M. Territorialização numa economia global: possibilidades de desenvolvimento tecnológico, comercial e regional em economias subdesenvolvidas. In: LAVINAS, L.; CARLEIAL, L. M. da F.; NABUCO, M. R. (Orgs.). Integração, região e regionalismo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.

TEIXEIRA, F. J. S. Pensando com Marx: uma leitura crítico-comentada de O capital. São Paulo: Ensaio, 1995.

Parte 2

A Expansão da

Fruticultura e da Soja

No documento D ifusão doA gronegócio (páginas 105-116)

Documentos relacionados