• Nenhum resultado encontrado

Valorização seletiva e o uso agrícola no semi-árido

No documento D ifusão doA gronegócio (páginas 158-161)

Entre os anos 1940 e 1960, a difusão da idéia de integração dos mercados regionais e do desenvolvimento urbano industrial converge com as preocupações da parcela do Brasil afetada pelas secas. Na tentativa de sanar os desequilíbrios regionais o governo federal delineia políticas com base em estudos de planejamento regional. Após a Constituição de 1946, e seguindo o exemplo americano do Vale do Tennessee, o governo brasileiro realiza um plano de desenvolvimento do Vale do São Francisco. Um dos marcos deste processo se deu em 1948, com a criação da Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), em 1952, com a criação do

Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e, em 1955, com a inauguração da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). Os objetivos eram impulsionar a industrialização e viabilizar os futuros projetos de irrigação, disponibilizando crédito e infra-estrutura para a geração de energia elétrica. A região de Petrolina/Juazeiro provavelmente não conheceria a riqueza em sua atividade agrícola se não fossem os estudos e levantamentos técnicos encomendados ao Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) sobre o semi-árido brasileiro. Era necessário primeiramente conhecer a região para, em seguida, ocupá-la. E, neste sentido, a atuação de Celso Furtado foi decisiva para o questionamento das ações voltadas apenas ao equipamento do território com infra-estruturas materiais. A criação da Sudene, em 1959, marca uma nova etapa no Nordeste em razão da política desenvolvimentista do governo de Juscelino Kubitschek e da visão de incremento regional apoiada numa abordagem técnico-econômica (REBOUÇAS, 1997).

Acompanhando as novas diretrizes, a antiga CVSF, transformada em 1967 na Superintendência do Vale do São Francisco (Suvale), passou a ser denominada Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) em 1974. Esta empresa pública vem desempenhando marcante papel como indutora na preparação do território para a instalação de uma racionalidade instrumental. Das suas sete superintendências, uma está localizada em Juazeiro e outra em Petrolina. Ao lado dos incentivos realizados pela Sudene, a Codevasf garantiu a realização da agricultura irrigada em grandes extensões do semi-árido. Entre os municípios de Casa Nova, Bahia, e Petrolina, Pernambuco, foi inaugurado em 1968 o primeiro perímetro público da região, o de Bebedouro. Cabia ao poder público disponibilizar a área a ser ocupada pelos colonos e empresas, equipando o local com toda a infra-estrutura necessária à instalação dos irrigantes nos lotes: asfaltamento, eletrificação rural, construção de canais, dutos e agrovilas servidas por escolas, postos médicos e moradias.

Nas décadas seguintes, diversos programas e incentivos de caráter estatal modernizante contribuíram para um novo uso do território no semi-árido. Nos anos 1970 e 1980 foram inaugurados diversos perímetros

públicos, apoiados em ações como o Programa Plurianual de Irrigação em 1971, o Provale em 1972 e, em 1974, o Programa de Desenvolvimento Integrado para o Vale do São Francisco, o Polonordeste, e o Fundo de Investimento do Nordeste (Finor), além do Projeto Sertanejo em 1976. Na década de 1980, o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), o Programa Nacional de Irrigação (Proni) e o Programa de Irrigação do Nordeste (Proine) exemplificam as ações oriundas de políticas públicas que proporcionaram as condições necessárias às modernas práticas agrícolas, de irrigação, e a efetivação de empreendimentos agroindustriais.

Se inicialmente a Codevasf executava as obras para a irrigação, o gerenciamento e a manutenção dos perímetros, além de garantir a assistência técnica aos colonos, desde a década de 1980 vem transferindo parte das antigas responsabilidades aos produtores irrigantes. Para Pinto (1989, p. 129), “os projetos públicos de irrigação, que em geral são pioneiros nas áreas onde se instalam, têm papel relevante como indutores da iniciativa privada.” Assim, as recentes mudanças nas diretrizes das políticas efetuadas pela Codevasf se referem à passagem das prioridades sociais em assentar a população mais pobre atingida pelas estiagens (VERGOLINO, 1991) para uma política voltada aos empresários agrícolas mais capitalizados e em condições de assumir os riscos que toda atividade agrícola moderna encerra.

Desse modo, a entrada na terceira fase inaugurará a composição de um novo meio geográfico à região, o meio-técnico-científico- informacional, transformando decisivamente a base material, os fluxos de relações e as possibilidades de uso agrícola no semi-árido nordestino. As novas técnicas de irrigação prenhes de informação e saber científico se somam e contrapõem-se às técnicas empíricas, próprias de uma fase na qual as imposições da natureza prevaleciam sobre o trabalho humano. As técnicas exógenas, mediadas por políticas públicas, têm provocado uma mudança no sistema técnico agrícola da área como, por exemplo, mediante introdução e expansão de cultivos de outras regiões do país.

Portanto, Petrolina/Juazeiro, subespaço da zona semi-árida, assinala a ocorrência de uma valorização seletiva do território, pautada pela desigual inserção dos novos sistemas de objetos técnicos e de ações conjugadas.

O conhecimento das potencialidades do lugar, aliado aos avanços científicos e tecnológicos, impulsiona as transformações econômicas e territoriais nesta parcela do país. Para exemplificar, temos a inauguração em Petrolina, em 1976, de uma unidade local da Embrapa, o Centro de Pesquisas Agropecuárias do Trópico Semi-Árido (CPTSA); em 1977, a criação da barragem de Sobradinho e, no início da década de 1980, a consolidação do Distrito Industrial de Petrolina.

Durante a década de 1980, os incentivos oferecidos pelo governo, associados à existência da infra-estrutura de irrigação, foram benéficos à realização de um sistema técnico agrícola centrado no cultivo de tomates e à instalação de grandes empresas processadoras na área em análise. A produção de tomates no submédio do Vale do São Francisco ganhou relevo em virtude das particularidades naturais da área quanto a insolação e temperatura, e favoreceu o desenvolvimento de fruto com sabor mais acentuado e de coloração mais adequada aos padrões de mercado. Contudo, a superoferta da matéria-prima, com o aumento da área plantada, somada aos problemas fitossanitários e à saída das agroindústrias processadoras para outras regiões do país, teve por conseqüência a sua desvalorização. A partir daí, os produtores mais capitalizados diversificaram sua produção em direção às tendências de mercado e partiram para a produção de outras culturas.

No documento D ifusão doA gronegócio (páginas 158-161)

Documentos relacionados