• Nenhum resultado encontrado

] um patamar superior quando se separam o trabalho manual do trabalho intelectual Este último

passa a ser função privilegiada de certo segmento da

classe dominante, o qual se dedica a pensar. A tarefa

exclusiva de pensar enobrece, enquanto se envilecem

as tarefas exigentes de esforço físico, entregues aos

indivíduos das classes dominadas e exploradas [...]

Dentro da própria classe dominante, observa-se a

divisão entre seus membros ativos, ocupados com a

prática da dominação, e seus membros intelectuais,

encarregados de elaborações ideológicas (MARX;

ENGELS, 2002, p. 29, grifo do autor).

A associação do trabalho intelectual ao trabalho manual depende da capacidade e da possibilidade de “socialização dos meios de produção, colocando todo o processo produtivo a serviço da coletividade, do conjunto da sociedade” (SAVIANI, 2003, p. 139). Para Saviani (2003), à medida que, historicamente, o processo de trabalho foi libertando o ser humano do jugo da natureza e da labuta braçal, transferindo o trabalho, progressivamente, para as máquinas e promovendo o controle da natureza pelo homem, o trabalho intelectual acabou por permitir ao ser humano uma melhor apropriação do tempo.

Percebe-se que a concepção de trabalho, particularmente sob a égide do sistema capitalista, se traduz no exercício do poder dominante sobre os trabalhadores, tomados, redutivamente, como força de trabalho ou como “recursos humanos”. O trabalho alienado, inserido em um sistema de produção baseado em uma lógica reducionista capitalista, apresenta-se como uma atividade que não se associa às práticas educativas ou criativas, as quais ampliam a capacidade de criação do ser humano. O trabalho alienado acaba por dividir os que pensam dos que se esforçam manualmente, impossibilitando, assim, que os sujeitos se apropriem das benesses do desenvolvimento científico e tecnológico.

Alerta a tudo isso, a educação exerce um papel social indispensável, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento integral das potencialidades humanas, entendidas como elemento central do processo político-pedagógico. Assim, para a educação profissional e tecnológica ofertada no IFRN, é imprescindível que o conteúdo acadêmico curricular esteja associado e integrado à temática trabalho, na perspectiva de formação

humana integral, constituindo-se nos fundamentos das ações da educação, da cultura, da ciência e da tecnologia. Essa integração, que perpassa e articula os currículos e as práticas educativas, deve possibilitar a construção de uma unidade entre as dimensões política e pedagógica, mediada pela dimensão do trabalho humano.

Portanto, assume-se o ideal de trabalho numa perspectiva cidadã de ser,

[...] ao mesmo tempo, um dever e um direito.

Um dever por ser justo que todos colaborem na

produção dos bens materiais, culturais e simbólicos,

fundamentais à vida humana. Um direito pelo

fato de o ser humano se constituir em um ser da

natureza que necessita estabelecer, por sua ação

consciente, um metabolismo com o meio natural,

transformando em bens para sua produção e

reprodução. (FRIGOTTO, 2005, p. 61).

Desse modo, a educação, no IFRN, deve primar por relações de trabalho que possam ser mais humanizadas, pelo trabalho como princípio educativo nas práticas pedagógicas e pela superação da dicotomia entre atividade intelectual e manual. Assim, pode incluir, socialmente, os sujeitos nos processos vitais à emancipação desses mesmos sujeitos.

3.1.7 Concepção de educação

Numa sociedade marcada pela hegemonia do capital, a oferta e a qualidade da educação não são as mesmas para todas as classes, diferenciando-se segundo as condições socioeconômicas e culturais. Desse modo, a divisão social do saber é diferenciada. E os valores que estão imbricados no processo de construção desse saber também são diferenciados, conforme a classe ou o grupo, produzindo, historicamente, espaços de conflito (FRIGOTTO, 1995).

Nessa sociedade, a divisão social do trabalho, segundo Marx e Engels (2002), faz coexistirem duas classes fundamentais: detentores dos meios de produção (capitalistas) e detentores, exclusivamente, da força de trabalho (trabalhadores). No cerne dessa divisão, é estabelecida uma relação desigual de poder e, na particularidade da educação, a hegemonia capitalista submete os processos a seus interesses, agravando o fenômeno da exclusão social.

Na particularidade da educação, sobretudo a partir dos anos de 1990, as reformas educacionais têm se pautado na lógica do mercado e sob os preceitos neoliberais. A tônica dessa orientação é educar para que os sujeitos atuem no mercado de trabalho − cada vez mais dinâmico, competitivo e avançado − científica e tecnologicamente. Ademais, não só a educação profissional mas também a educação básica, no Brasil, têm sido estimuladas a aplicar o princípio da gerência da qualidade total, empregado em empresas, em detrimento da qualidade socialmente referenciada. Contrariam-se, desse modo, os princípios que devem nortear as instituições públicas de educação, como a gestão democrática e a justiça social.

A atual conjuntura é caracterizada pela globalização de mercados e pela emersão do ciberespaço. O individualismo, a competitividade, a hiperatividade e a volatilidade nas relações interpessoais acabam por se tornar paradigmas de um estilo de vida pautado em valores que estimulam a produção e o consumo. O tempo, a qualidade e a qualificação ganham destaque como indicadores de produtividade no mundo do trabalho, significando uma nova maneira de se conceberem os sujeitos como profissionais inseridos no mercado e não como pessoas autônomas e criativas, dotadas de riqueza subjetiva e de pluralidade biopsicológica.

Assim concebida, a educação deixa de ser um processo de formação para a cidadania, emancipação e transformação dos sujeitos, passando a atender aos preceitos do mercado. Insere-se em uma lógica cujo alvo é reduzir o sujeito à categoria de força de trabalho ou de recurso humano a ser apropriado em função das demandas econômicas. A ideia de que a falta de empregos e a impossibilidade de mobilidade social estão, diretamente, relacionadas às deficiências na formação do cidadão (como se a escola fosse capaz de criar empregos e de garantir a ascensão social) contribui para que os processos educacionais acentuem as desigualdades sociais e inviabilizam a relação com o trabalho, numa perspectiva emancipatória.

Impõe-se, à educação profissional e tecnológica, a retomada do debate e o redimensionamento da concepção de educação politécnica em suas práticas pedagógicas, como requisito político para cumprir a sua função social. Nesse sentido, pretende-se superar, como já se enunciou, a dicotomia entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, propondo processos formativos unitários e omnilaterais. Ou seja, propõe-se uma formação que considere o desenvolvimento de todas as dimensões humanas e não apenas os saberes necessários para a adaptação do trabalhador aos ditames do mercado. Em

suas dinâmicas formativas, a instrução profissional e a instrução básica são compreendidas como unitárias e necessárias à plena humanização.

Nesse redimensionamento, a noção de politecnia6 não deve ser confundida com a multiplicidade de técnicas ou de qualificações. A politecnia deve ser entendida como elemento associado ao desenvolvimento intelectual, psicológico, cientifico e cultural (multilateral ou omnilateral) dos sujeitos. Ainda nessa perspectiva, a concepção de educação politécnica requer uma visão social de mundo completamente distinta daquela que, hegemonicamente, se configura em uma sociedade marcada pela lógica do mercado. Assim se considerando, uma instituição de educação profissional, como o IFRN, cuja função é desenvolver os sujeitos em uma perspectiva integral, deve compreender, conceitualmente, e perseguir, política e pedagogicamente, a politecnia em suas práticas.

Desse modo, a educação deve assegurar o desenvolvimento integral (omnilateralidade) dos sujeitos. “A noção de politecnia se encaminha na direção da superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre instrução profissional e instrução geral” (SAVIANI, 2003, p. 136). Assim sendo, as potencialidades humanas podem ser desveladas e desenvolvidas em meio a um universo de necessidades e de possibilidades. Podem ativar o indivíduo em todas as esferas da vida social, como a participação política e cultural, a interação com os outros seres humanos e a autorrealização (autocriação).

A educação − na condição de terreno da práxis formativa, da transmissão cultural e das instituições educativas − vem reexaminando-se e requalificando- se. Fixa novas fronteiras, elaborando novos procedimentos e tornando-se cada vez mais central nos processos socioeconômicos, políticos e culturais.

A educação deve, assim, constituir-se em um processo de ampliação e de desenvolvimento humano. Deve se encaminhar para o exercício de uma identidade crítica e emancipada, calcada nas ideias de liberdade e de autonomia. O pensamento e a prática pedagógicos devem superar, como ressalta Freire (2006), processos pedagógicos reprodutores, alienantes

6 Entenda-se politecnia, segundo Machado (1992, p. 19), como o “[...] domínio da técnica em nível intelectual e a possibilidade de um trabalho flexível com a recomposição de tarefas a nível criativo. Supõe a ultrapassagem de um conhecimento meramente empírico, ao requerer o recurso a formas de pensamento mais abstratas. Vai além de uma formação simplesmente técnica ao pressupor um perfil amplo de trabalhador, consciente, capaz de atuar criticamente em atividade de caráter criador e de buscar com autonomia os conhecimentos necessários ao seu progressivo aperfeiçoamento”.

e bancários, capazes de impedirem as possibilidades da formação numa perspectiva emancipatória e transformadora. Percebe-se, assim, que as possibilidades de humanização como vocação histórica têm raízes na inconclusibilidade dos seres humanos, que se encontram em um permanente movimento de busca. Essa é a base da relação entre a educação e a formação humana. Em um diálogo com as ideias de Paulo Freire, Coelho (2008, p. 10, grifo do autor) afirma ser necessário compreendermos “que a formação humana envolve historicamente processos humanizadores e desumanizadores, que tensionam a transformação de homens e mulheres em seres menos incompletos no esforço de ‘ser mais’”.

Nessa reconstrução do PPP, o IFRN assume a necessidade de implementar um processo educativo que desvele práticas mediadoras e emancipatórias, capazes de contemplar, em consonância com o rigor científico e com a omnilateralidade humana, as dimensões culturais, linguísticas, artísticas, sociais, técnicas e tecnológicas. A educação, assim entendida, só é possível se “[...] esforçar-se no sentido da desocultação da realidade. Desocultação na qual o homem existencialize sua real vocação: a de transformar a realidade” (FREIRE, 1992, p.13). Assim, o IFRN concebe a educação e o trabalho como processos que podem auxiliar no processo de emancipação subjetiva. São processos que possibilitam o erguimento de novas pontes e que auxiliam a construção de uma nova arquitetura para o humano na contemporaneidade.

3.2 CONCEPÇÃO DE CURRÍCULO INTEGRADO

Ao se revisitarem as definições curriculares do IFRN, constata-se, desde o PPP de 1994, a concepção de currículo sustentada em teorias críticas. Especificamente, é definido, em dois projetos anteriores, o modelo de currículo integrado. Nesse modelo, defende-se a formação omnilateral – com uma proposta de educação politécnica – voltada para a formação cidadã.

Em uma perspectiva cronológica dos PPP institucionais, os registros afirmam:

Entende-se por currículo o conjunto de ações baseado