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PRAZERES DO DIA E DA NOITE

1. No circuito das modernas diversões

1.1 Pelos palcos e salões da cidade

Os cinemas, surgidos a partir de 1909, transformaram o panorama das diversões na cidade. A inauguração dos cines Pathé, com seus 320 lugares, e Royal, na Rua Nova, trouxeram os cines por sessões ao Recife. As apresentações, segundo Lemos Filho, estendiam-se de 12 às 16 e das 18 horas em diante, com orquestra ao vivo acompanhando a projeção.10 Sedução, desconfiança, fascínio, agitação foram, conforme

ressalta Sette, as reações dos habitantes do Recife:

“O rebuliço, os empurrões, a afluência de gente às saídas de outrora do Paté, do Helvética, do Roial, quando esses iniciaram o cinema por sessões com êxito tal que as calçadas se enchiam e os bondes passavam a custo. As salas de espera ficavam de não se mexer um braço. As bilheterias eram assaltadas pelos candidatos a ingressos. Não se falava em outra coisa em toda a cidade e desciam matutos do

interior com os olhos secos de curiosidade.”11

Nos anos vinte, espalhavam-se cinemas por quase todos os bairros da cidade. Entre 1909 e o final da década, mais de cinqüenta cinemas, desde os mais equipados e decorados do centro até as pequenas salas de projeção de subúrbio, acessíveis aos segmentos populares, foram inaugurados na cidade. Alguns deles tiveram vida curta, outros enfrentaram a concorrência fechando para reformas e reabrindo com novos nomes.

Os jornais da cidade publicavam diariamente a programação dos principais cines, com o resumo dos filmes e os astros que protagonizavam a película. Eram colunas especializadas, como “Cenas e Telas”, do

Diário de Pernambuco, “Teatros e Cinemas”,

do Jornal Pequeno e do Jornal do Recife, e “Telas e Palcos” do Jornal do Commercio. Entre 1924 e 1926, apareciam nessas colunas mais de vinte casas de projeção, listadas abaixo, sem contar as pequenas, localizadas em subúrbios, que atraíam apenas o público dos arredores.

Cinema Royal · Rua Barão da Vitória, Santo Antônio Cine- Teatro Helvética · Rua da Imperatriz, Boa Vista

Cine- Teatro Moderno · Praça Joaquim Nabuco, Santo Antônio Ideal Cine · Teatro Pátio do Terço, São José

23. O cinema constituía-se numa das diversões favoritas da época, tendo suas primeiras salas instaladas na Rua Nova, em 1909. Na foto, os três cinemas localizados nessa artéria: o Royal o Pathé e o Vitória. (Cinemas da Rua Nova, 1920).

10 LEMOS FILHO. Clã do

açúcar, op. cit p. 293.

11 SETTE, Mário.

Maxambombas e maracatus, op. cit p. 107.

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Cine Palais · no Feitosa

Universal Cine · Rua das Calçadas, São José Polytheama · Barão de São Borja, Boa Vista Espinheirense · Espinheiro

Cine-Teatro do Parque · Rua do Hospício, Boa Vista São José · Rua das Calçadas, São José

Guanabara Cinema · Arruda Santo Amaro - Santo Amaro High-life · Casa Amarela Modelo · Torre

Glória · Pátio do Mercado de São José, São José Cinema Central · Largo da Paz, Afogados. Cine do Pina · Pina

Real Cinema · Madalena Cine Elite · Graças

São José · Rua Domingos Teotônio, São José Tegipió · Tegipió

Odeon · Casa Forte

Nessa época, ir a um dos cinemas do centro significava não apenas assistir a uma fita, mas, às vezes, a mais de um filme, e também a uma série apresentações que ocorriam nos palcos antes ou depois da projeção. Eram ginastas, malabaristas, músicos, lutadores, cômicos, telepatas, acrobatas e equilibristas, dançarinos, palhaços, mágicos, ilusionistas, pequenas companhias de operetas e peças, e transformistas. Alguns desses grupos fizeram sucesso e marcaram época na cidade, como o “Les Ussars”, troupe de ginastas; “Les Zuts”, grupo de cantos e danças regionais; “Bole Bross”, acrobatas excêntricos e cômicos, que se apresentaram no Moderno, em 1920. O telepata Astrix Luksor, que se exibiu no cine-teatro do Parque, em 1921, prometendo números espantosos, os artistas do grupo “Os Carolinos”, companhia de variedades contratada pelo cine-teatro Helvética, em 1924, e o “Transformista Darwin”, anunciado como a grande atração do cine Moderno, em 1923, segundo os jornais o mais “notável cançonetista imitador do belo sexo, que se apresentará com

ricas toilettes e suntuosos cenários”, atraíram, juntamente com os

astros e estrelas da cena muda, muita gente aos cinemas.

“Artes do diabo” para alguns, “maravilha do século” para outros, a chegada do cinema modificava o cotidiano da cidade. As ruas do centro agitavam-se com o movimento de freqüentadores ao fim das

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últimas sessões noturnas (as preferidas do público da cidade). As novidades chegavam mais rapidamente. Novas formas de comportamento, modas e estilos inspirados nos astros do écran começavam a ser adotados na cidade.

Apesar do sucesso de público dos filmes produzidos no Recife pela “Aurora-Films” e pela “Liberdade-Films”, durante a fase do chamado “Ciclo do Recife” nos anos pós-guerra, a indústria cinematográfica americana praticamente dominava o mercado produtor e distribuidor. Segundo Sevcenko, os americanos, com suas técnicas de propaganda e sistemas de distribuição, conseguiram colocar, em 1920, mais de 70 milhões de metros de filmes no mercado sul-americano, o que correspondia a um terço do total da sua produção.12 Em artigo de 1933,

a Revista Cinema, publicada no Recife, alertava para a força dos padrões de comportamento e modas ditados pelas fitas americanas:

“A influência que tem exercido até esta data o cinema norte-americano no que diz respeito às modas e aos costumes, tornou-se um fenômeno universal... Os cachos de Mary Pickford estabeleceram uma moda. Foram os cabelos à la garçonne (...). Depois surgiu, graças ao cinema, o tipo fino e delgado de mulher. A ‘pequena flapper’... a ‘Jazz Baby’ (...). A invenção de processos de redução de peso e tratamento para emagrecer o corpo violentos constituíram efeitos desastrosos e fatais. O corte de cabelo usado por John Gilbert na “Viúva Alegre”, assim como as calças largas de Buster Keaton, os colarinhos e golas americanas, os óculos de fantasia apresentados na comédia por Harold Lloyd, o black botton e o chaleston de An Penningon, as gomas de mascar, enfim, uma infinidade de modas (...). Se não for combatido a tempo, Tio Sam virá um dia a americanizar o mundo por meio do

cinema.”13

As mudanças de modelos e os comportamentos que desafiavam a moralidade da época, tórridas cenas de amor, com beijos prolongados, pernas e outras partes do corpo feminino em exposição, fizeram com que, ainda em 1909, o Jornal do Recife publicasse o decreto do cardeal- vigário da Santa Sé, informando que, no sentido de zelar “pela

manutenção dos bons costumes entre o clero e protegendo a sua moralidade”, proibia aos padres da diocese local de assistirem às

sessões do cinematógrafo, sob pena de suspensão das funções para os que burlassem a ordem.14

A dimensão da força que as imagens em movimento exerciam sobre as

12 SEVCENKO, Nicolau.

Orfeu estático na metrópole, São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20, op. cit p. 92.

13 Revista Cinema, outubro

de 1933. Segunda fase.

14 Jornal do Recife,

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91 pessoas começa a ser percebida nessa fase. Em 1927,

um cronista da mesma revista comentava: “O cinema

depois dos grandes surtos progressistas por que está passando, deixou de ser um mero divertimento, familiar ou público, para ceder lugar a uma excelente escola de costumes, de psicologia e de arte.”15 Alguns anteviam o

papel da imagem em movimento na educação, chamando- o de “verdadeira universidade popular”, onde se poderiam difundir conhecimentos de “higiene, de profilaxia das

moléstias contagiosas, de puericultura, de regimes alimentares (,,,)”, além de fitas religiosas, cursos de história

do Brasil, história natural, moral e outros. 16 Apesar do

caráter pouco comercial desse tipo de fita, que não interessava diretamente às produtoras e aos empresários do ramo, o poder civilizador do cinema sobre as grandes massas foi bastante explorado na época.

O ambiente do cinema, que proporcionava encontros e

flirts, com suas cadeiras bem próximas e uma penumbra que facilitava

as chances de beijos e outras intimidades entre os namorados, também possibilitava uma convivência mais próxima entre os diferentes grupos sociais da cidade, o que não agradava muito a alguns setores. Contrariadas, as famílias tradicionais sentavam lado a lado com trabalhadores, pessoas vindas do interior e populares que conseguiam pagar o necessário pelo ingresso para assistir a novidade. Nos anos vinte, as salas populares com preços acessíveis proliferaram pelos bairros, fazendo com que um público cada vez maior tivesse acesso aos filmes. No centro, os cines do bairro de São José eram os mais procurados pelos trabalhadores, sobretudo o Cine Popular, localizado no Pátio do Mercado de São José, mesmo local onde depois foi inaugurado o Cine Glória. Segundo Gregório Bezerra, assíduo freqüentador desse cinema aos domingos, o sucesso era a exibição das famosas séries. Cômicas, de far-west ou aventuras, as séries eram muito populares na época, sendo classificadas pelas agências distribuidoras de filmes como fitas dirigidas ao “Zé povinho.” As reclamações sobre o comportamento da platéia nos cines eram constantes. Gritos, brincadeiras, palmas, conversas, atos considerados indecentes e até brigas ocorriam nas salas. Desse modo, os freqüentadores, longe de se acomodarem às conveniências pré- estabelecidas, de se comportarem conforme ditavam as regras de convívio social correntes na época, apropriavam-se do espaço assim como da

24. O cinema teve profunda influência no

comportamento feminino nessa fase. O título e as cenas de divulgação do filme protagonizado por Clara Bow, “Casar e descasar”, mostram alguns aspectos dessas

mudanças. (Revista Cinema, 1927).

15 Revista Cinema, outubro

de 1927, ano I.

16 Revista da Cidade,

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narrativa apresentada nas telas, reelaborando os conteúdos e adaptando- os à sua realidade e vivência, manifestando-se à sua maneira.

No artigo “Os fãs de ontem”, a Revista Cinema analisava o comportamento das platéias do Recife, atribuindo à chegada do cinema sonoro e aos trajes cada vez mais sumários das girls a lenta transformação da assistência do Recife:

“Muito dono de cinema foi obrigado a apartar os pegas e as lutas constantes dos garotos das primeiras filas, que tentavam assim imitar os heróis das fitas. O Polyteama chegou a negar entrada a certos meninos levados que faziam anarquia e desconjuntavam as cadeiras no salão de projeção (...). [Com o cinema sonoro] a ordem reina nos salões. Acabaram-se os pegas e os socos. Extinguiram-se as palmas e a algazarra. Os fãs tornaram-se

mais circunspetos, menos alvoroçados.”17

Outra queixa constante nos cinemas era com relação aos roubos ocorridos durante as apresentações. Segundo os jornais, o escuro das salas, a distração da platéia e a possibilidade de acesso de indivíduos considerados “desqualificados”, “gatunos vulgares”, facilitavam os roubos. A oportunidade de articular golpes e artimanhas para tirar proveito do ambiente proporcionado pela nova e moderna diversão não foi perdida por alguns espertos. Dessa maneira, o que para alguns representava apenas divertimento, significava um meio de ganhar a vida para outros:

“Está merecendo as vistas da guarda civil uma certa ordem de “meliantes” que de certo tempo para cá escolheu as casas de diversões para a realização de suas espertezas. Ainda há poucos dias, uma senhora, no cinema “Royal” ficou sem sua bolsa de prata; no “Helvética” também um espectador perdeu uma capa de borracha. Ontem, por exemplo, um espectador foi roubado no seu chapéu, objeto que lhe custara 45$000. A guarda civil deve, ao nosso ver, fazer um serviço mais ativo nos estabelecimentos referidos,

evitando essa intranqüilidade dos seus freqüentadores.”18

Para Certeau, práticas como essas representavam “artes de vencer o poder por uma certa maneira de aproveitar a ocasião; ou formas de dar “golpes”no terreno da ordem estabelecida.”19 Quanto aos teatros,

no Recife dos anos vinte existiam apenas o Santa Isabel e alguns cine- teatros, que funcionavam também como salas de projeção, como o Cine-teatro Helvética, o Moderno, o Teatro do Parque e o Polyteama, além dos pequenos teatros de arrabalde. Pouco ou quase nada ficou

17 Revista Cinema,

setembro de 1933. Segunda fase.

18 Jornal do Recife,

07/05/1922, p. 5.

19 CERTEAU, Michel de. A

invenção do cotidiano

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93 registrado a respeito desses teatros de menor porte localizados nos

bairros. Citações sobre apresentações de pastoris, notas sobre encenações durante os veraneios dão conta da existência de outros palcos na cidade e arredores, como o “Teatro de Variedades” em Olinda, o “Palco Avenida”, no Pina, dentre outros.

O ano de 1924 foi dos mais movimentados em termos teatrais no Recife, chamando a atenção pelo grande número de companhias que visitaram a cidade. Às vezes dois grupos coincidiam na apresentação de temporadas ao mesmo tempo, trazendo espetáculos de gêneros diversos, que agitavam as tardes e noites da cidade, atraindo bom público às apresentações, de acordo com os jornais da época. A “Companhia Nacional de Operetas e Revistas”, que encenava revistas do gênero bataclan, como “Ai Seu Me...llo!”, “P’ra Burro”, “Meu Bem não Chora” e “O Pauzinho”, dentre outras, esteve em temporada no Teatro do Parque, entre o início de fevereiro e o final de abril. Segundo a revista A Pilhéria, a companhia causou rebuliço na cidade, pois “o corpo do coral, quebrando os velhos moldes até então

conhecidos no gênero pelos pernambucanos, surgia à cena, deixando ver umas pernas inteiramente nuas; algumas famílias deixaram de freqüentar o Teatro do Parque.” 20

A “Companhia de Operetas Vitória Soares”, com a participação do tenor Vicente Celestino, apresentou-se no Recife no mesmo período, encenando operetas e vaudevilles, como “A Viúva Alegre”, “Sinhazinha”, “Loucuras de Amor.” Em junho, estreou no Parque a “Companhia de Revistas e Operetas

Colyseu dos Recreios”, com 35 artistas e um repertório de 25 revistas e

operetas. Na abertura da temporada foi encenada a revista “Bataclan.” No segundo semestre, chegou ao Recife a “Companhia Velasco de

Revistas e Operetas.” Empresa espanhola, contando com 90

integrantes, entre atores, músicos e técnicos de apoio, a companhia apresentou no Teatro do Parque revistas e zarzuelas - tipo de ópera cômico-satírica espanhola -, durante todo o mês de agosto.

Logo em seguida, chegava no vapor Gelria a “Companhia Lyrica

Billoro”, com seus 80 artistas e técnicos. O grupo exibiu 24 espetáculos

líricos no Santa Isabel, entre agosto e setembro, montando óperas, como Aída de Verdi, Madame Butterfly e a Tosca, de Puccini, e o Guarani de Carlos Gomes. Entre o final de setembro e o início de outubro, foi a vez da “Companhia Italiana de Operetas Léa Candinni.” Com óperas como “O Pierrot Negro” e “A Princesa das Czardas”, a trupe apresentou-se no Teatro do Parque, não conseguindo bom

público ao longo da temporada na cidade. 20 A Pilhéria,

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No final do ano, entre os meses de outubro e novembro, chegava

“Companhia Brasileira de Comédias.” Dirigida por Viriato Correa, com

17 atores e atrizes e 8 assistentes, a companhia montou, “num grande e

escolhido repertório, 22 peças, todas encenadas e aplaudidas no Trianon, da metrópole”, como “Zuzu”, de Viriato Correa e “Vida e Morte” de Arthur

Azevedo, autor das famosas revistas de ano que tanto sucesso fizeram no Rio de Janeiro, no final do século XIX.

Além do movimento das companhias teatrais maiores, trupes e grupos menores, compostos de artistas que apresentavam espetáculos de variedades, também realizaram temporadas no Recife nesse mesmo ano. Um exemplo desses grupos de menor porte foi “Os Carolinos”, que apresentavam burletas, comédias e números de variedades, e se exibiram no Helvética em abril, levando ao palco apresentações de canto, teatro e telepatia.

No sentido de conseguir bom público e carrear as simpatias das autoridades, sobretudo as policiais, freqüentemente as peças eram encenadas em homenagem ao chefe de polícia, ao delegado de determinado distrito, ao prefeito, ou a clubes de futebol e grupos carnavalescos da cidade, que compareciam com suas torcidas e orquestras, muitas vezes subindo ao palco para números finais apoteóticos.

As reclamações quanto ao comportamento da assistência se repetiam. Segundo as colunas especializadas, muitas vezes não se escutava absolutamente nada da fala dos atores, tamanho era o barulho da platéia: “O vozerio da assistência, quase toda transformada em petizada de matinée, tiraram a graça da peça e prejudicaram a representação. Momentos houve em que os artistas se transformaram em atores mudos, tal a indisciplina da platéia. O desempenho correu regular e a casa esteve

a cunha.”21

Enquanto algumas dessas companhias encenavam, conforme ressaltamos, óperas e operetas, outras faziam sucesso com os gêneros mais populares, como as revistas, vaudevilles 22 e o bataclan.

No Recife dessa época, as revistas musicais enchiam os teatros da cidade. Com suas sátiras de costumes, pilhérias de duplo sentido, essas montagens traziam para o palco a linguagem e os costumes da rua. Os próprios títulos das revistas, algumas de autores pernambucanos, mostram a influencia do popular nesse gênero de teatro: “O perereca”, “O ninho do jurity”, “O corumba”, “Gente rústica”, “Pregos e martelos”, “A

21 Jornal do Commercio,

23/04/1924, p.3.

22 Segundo José Ramos

Tinhorão, o vaudeville popularizou-se nos fins do século XIX, com números cantados-representados, que se baseavam em histórias cômicas e cançonetas, mesclando momentos de fala com apresentações de música e dança. TINHORÃO, José Ramos. Circo brasileiro: o local no universal. In: LOPES, Antônio Herculano (org.) Entre a Europa e a

África: a invenção do carioca.

Rio de janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa/ Topbooks, 2000.

Prazeres da noite e do dia

95 comchamblancia”, “O’Xentes, nego!”, “Tudo voa”, foram algumas das

revistas encenadas no Teatro Polytheama no início dos anos 1920. Quando, em 1924, a “Companhia Colyseu dos Artistas” resolve montar a revista pernambucana “O perereca”, recebe críticas dos jornais da época: “Levou essa Companhia ontem a conhecida revista “O Perereca.”

Deveria, porém, tê-lo feito avisando primeiro que se tratava de uma representação exclusivamente para homens. Desta forma, muitas famílias que ali se achavam, não teriam deixado os seus lares para assistirem a cenas desagradáveis, repletas de piadas e enxertos excessivamente livres.” 23

Semelhante às revistas, o gênero bataclan também agradava às platéias do Recife. Com apresentações musicais ligeiras, que juntavam números de estilos diversos, cenários luxuosos e atrizes que, na maioria das vezes, exibiam muito pouco vestuário, o bataclan encenava comédias de costumes com tiradas e chistes picantes e, principalmente números de maxixe, dançados pelos atores durante as encenações:

“Com a revista Ai Seu Me...llo, inaugurou ontem esta companhia os espetáculos gênero Ba-ta-clan. A revista, como todas as peças do gênero, é um amontoado de pilhérias, cenas burlescas entremeadas de maxixes retumbantes, muito a sabor do público. Seria algo espinhoso detalharmos o seu entrecho, pois que, como acima dissemos, “Ai Seu Me...llo” não tem contextura. As cenas desenrolam-se mais ao critério dos artistas do que do próprio autor. É de justiça salientar o quadro em que aparece a estátua de Pedro Álvares Cabral que não resistindo ao maxixe, desloca-

se do monumento e vem co-participar do frevo.”24

Com uma coreografia que se prestava às revistas musicais em voga na época, o maxixe foi introduzido nos teatros do Rio de Janeiro no final do século XIX. Popularizado pelas companhias teatrais que excursionavam pelo país de norte a sul, o maxixe tornou-se uma verdadeira epidemia, acabando por se tornar conhecido pelo Brasil inteiro.

Adaptada e reelaborada para os palcos e outro tipo de público consumidor, a dança passava a fazer sucesso não apenas nos territórios populares mas também junto às platéias dos teatros, trazendo um pouco das práticas e linguagens da rua para os espaços das camadas médias e elites.25 De acordo com os comentários dos jornais, as platéias do

Recife deliciavam-se com as demonstrações dos atores e com os concursos de maxixe disputados no palco pelos casais da assistência. O teatrólogo pernambucano Waldemar de Oliveira relata em suas

23 Jornal do Commercio,

22/06/1924, p.16.

24 Jornal do Commercio,

02/02/1924, p.12.

25 Sobre o maxixe, seu

sucesso e transformação nas primeiras décadas do século XX, ver: LOPES, Antônio Herculano. O teatro de revista e a identidade do carioca. SAROLDI, Luís Carlos. O maxixe como liberação do corpo.

VALENÇA, Suetônio Soares. Polca, lundu, polca-lundu, choro, maxixe. In: LOPES, Antônio Herculano (org.)

Entre a Europa e a África: a invenção do carioca. Rio de

janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa/

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memórias que chegou a ganhar um concurso de maxixe na época em