• Nenhum resultado encontrado

PRAZERES DO DIA E DA NOITE

3. Pensões, casas de cômodo e bordéis

Ao analisar a obra de Baudelaire, Walter Benjamin destaca que a figura da prostituta representava para ele o símbolo de uma sociedade em que tudo se transformava em mercadoria. As prostitutas “provaram

o segredo do livre mercado: a mercadoria não leva nenhuma vantagem sobre elas. Só a massa de habitantes permite à prostituição estender-se sobre os vários setores da cidade. A prostituição abre o mercado de tipos femininos.”107 Para Baudelaire, o conceito de

prostituição estaria ligado intrinsecamente ao crescimento da sociedade industrial, com suas labirínticas cidades regidas pelo fascínio e poder escravizador da mercadoria. Nas cidades, a prostituta apareceria não apenas como mercadoria, mas como artigo de massa. No livro “Os prazeres da noite”, Margareth Rago analisa a construção do conceito de prostituição enquanto comercialização sexual do corpo feminino, a partir de referenciais médico-policiais instituídos no século XIX. Mostrando que a prática era um fenômeno essencialmente urbano, ela destaca o fato de as imagens sobre a prostituição terem sido forjadas no interior de uma “sociedade em que predominavam

as relações de troca, e em que todo sistema de codificações morais, que valorizava a união sexual monogâmica, a família nuclear, a virgindade, a fidelidade feminina, destinava um lugar específico às sexualidades insubmissas.”108

Eivada de impressões moralistas, associada à idéia de sujeira,

105 Ver CANCLINI, Nestor

García. Culturas híbridas, op. cit.

106 SILVEIRA, Anny J. Torres.

O sonho de uma petite Paris: os cafés no cotidiano da capital. In: DUTRA, Eliana de Freitas (org.). BH Horizontes

históricos, op. cit p. 171.

107 BENJAMIN, Walter. Obras

escolhidas III, op. cit p. 53.

108 RAGO, Margareth. Os

prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930. Rio

de Janeiro, Paz e terra, 1991. p. 23.

AR

TES DE VIVER A CIDADE

SYLVIA COSTA COUCEIRO

130

podridão e doença, a prostituição tornou-se o alvo de verdadeira cruzada por parte de médicos, sanitaristas, reformadores e outras autoridades, que condenavam e perseguiam a prática da comercialização do corpo feminino, acusando-a de responsável por muitas das mazelas morais que atingiam a sociedade.

Apesar de reprovada moralmente, a prostituição em suas múltiplas funções inspirava reações ambíguas, sendo, de acordo com as circunstâncias, considerada “um mal necessário.” Seu papel de realizar a iniciação sexual dos jovens e arrefecer o ímpeto dos desejos masculinos, preservando a virgindade das moças e a fidelidade das senhoras casadas, acabava por instituir uma política de certa tolerância com relação à atividade, sem, contudo, deixar de submetê-la aos princípios básicos da ordem urbana: o controle médico, a regulamentação de horários, além da determinação de espaços restritos de funcionamento.109

Margareth Rago chama a atenção, também, para a imagem que representava a prostituição como elemento “civilizador.” Fenômeno característico das grandes cidades, associado à liberação dos costumes nas sociedades civilizadas e aos novos padrões de sexualidade vigentes nos centros europeus, o universo da prostituição acabava sendo vivenciado no plano simbólico na sua dimensão modernizante. Para determinados segmentos da população, freqüentar os bordéis e estabelecimentos onde meretrizes estrangeiras, consideradas mais experientes e vividas, repassavam práticas sexuais diferentes e formas de comportamento sofisticadas, significava vivenciar um pouco mais do progresso e da modernidade dos grandes centros. Nesse sentido, “juntamente com a venda do

prazer, o mundo da prostituição destilava práticas eróticas, sexuais e sociais mais refinadas, já que aí se praticavam formas de sociabilidade referenciadas pelos padrões da cultura européia.”110

Apesar de alvo das contundentes críticas e corriqueiras perseguições policiais, é preciso considerar que as funções plurais da prostituição faziam com que a atividade fosse de certa forma tolerada, protegida por políticos e figuras influentes da sociedade os quais resguardavam e garantiam o funcionamento de pensões, cafés e outros espaços ligados ao mundo dos “prazeres proibidos” .

Tentando escapar das visões que consideram apenas a face do controle e regulamentação do universo da prostituição por parte das autoridades, nossas reflexões buscam privilegiar uma análise dessas práticas enquanto espaços de sociabilidade, lugares de encontro e estabelecimento de solidariedades, da possibilidade de construção

109 Sobre as representações

da prostituição no Brasil nessa fase e as políticas de controle das autoridades e instituições oficiais, ver: RAGO, Margareth. Os

prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930, op. cit

Da mesma autora, Do

cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar Brasil 1980-1930. Rio de Janeiro,

Paz e terra, 1985. ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas

perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque. Rio

de Janeiro, Paz e terra, 1989.

110 RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930, op. cit p. 25.

Prazeres da noite e do dia

131 de diferentes manifestações culturais a partir da convivência de

diferentes sujeitos sociais. Neste trabalho, os territórios do prazer, como cafés-cantantes, pensões, bordéis e cabarés, são percebidos enquanto espaços alternativos, onde se buscava uma maior mobilidade no sentido de escapar às conformações das regras estabelecidas pela instituição familiar, pela disciplina do trabalho e pelas normas de comportamento sexual consideradas convenientes na época.

No Recife dos anos vinte, a “zona tórrida”, como um artigo de jornal denominou as ruas onde se concentravam as pensões, casas de cômodo, bordéis e cafés-cantantes que exploravam a prostituição, localizava-se nos bairros centrais da cidade.111 Em Santo Antônio e São

José, onde estavam casas comerciais, bancos, escritórios, jornais, repartições e toda a estrutura de prestação de serviços, espaço de passagem e movimentação cotidiana da população do Recife, instalaram- se cafés-concerto, cafés-cantantes, pensões, cabarets, clubs e bordéis de diversos tipos, acessíveis a clientes das mais variadas classes sociais. Esses estabelecimentos sobreviviam não apenas da exploração da prostituição mas também de uma série de outras atividades. Lá ocorriam festas, danças, as mesas de jogos estavam sempre cheias, os garçons se encarregavam de animar os freqüentadores com drinks de bebidas variadas, e artistas da noite apresentavam-se para entreter a clientela: “Ao agrupar os indivíduos através de redes subterrâneas de

convivência e solidariedade, apresentavam-se como um território que viabilizava a experiência de relacionamentos multifacetados e plurais, num contexto de distensão. Práticas licenciosas que contrariavam a exclusividade sexual imposta pela ordem, tanto quanto encontros, brincadeiras e jogos que ocorriam nos cabarés e “pensões alegres” da cidade, conformavam um espaço de interação social.”112

No início dos anos 20, um show realizado numa pensão do bairro de Santo Antônio foi parar na primeira página do Jornal do Commercio.113

Antônio Bramont, que se anunciava como “artista de cabaret”, organizou uma apresentação na Pensão Fany, localizada na Rua do Sol, cobrando 3$000 por pessoa.114 No decorrer da noite, a apresentação não satisfez

à platéia que, indignada, vaiou copiosamente o artista, acusando-o de “não ter cumprido uma só parte do programa anunciado.” Os ânimos exaltaram-se e a polícia foi chamada, aconselhando os envolvidos a se retirarem do recinto para evitar maiores problemas. Ofendido pelos abundantes apupos e desaforos dos presentes, Bramont “exigiu dos

agentes a prisão de alguns moços, entre os quais o sr. Octávio Pinho, no que não foi atendido.” Irritado com os guardas que não recolheram

111 Jornal do Recife, 09/09/1926, p. 5. 112 RAGO, Margareth. Os prazeres da noite: prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo, 1890-1930, op. cit p. 168. 113 O caso da apresentação

de Antônio Bramont está no

Jornal do Commercio,

16/01/1920, p. 01.

114 Para se ter uma idéia do

valor da entrada do show, podemos relacionar ao preço de um ingresso de cinema no cine Moderno, considerado um dos mais elegantes da cidade na época, que era em média 1$500, para a soirée. Assim, a apresentação de Bramont era o dobro de uma entrada de cinema.

AR

TES DE VIVER A CIDADE

SYLVIA COSTA COUCEIRO

132

os rapazes à delegacia, possivelmente por pertencerem a famílias conhecidas e influentes, Bramont, um forasteiro na cidade, decidiu se vingar, denunciando a um jornal o suborno dos policiais. De acordo com a reportagem do Jornal do Commercio, a acusação acabou provocando a abertura de inquérito policial:

“As investigações foram iniciadas ontem (...), tendo sido ouvidos vários rapazes e mulheres da pensão Fany. Todos acusam o sr. Antônio Bramont de ser um indivíduo suspeito e corrido da polícia de outros estados.” Consta que ele desapareceu da cidade tomando o vapor

Uberaba para o Pará.” 115

Sem articulações e contatos na cidade, sozinho diante das pressões, o artista decidiu fugir, deixando para trás o inquérito que, por falta da principal e única testemunha de acusação, por certo foi arquivado.

A conturbada apresentação de Antônio Bramont nos faz refletir sobre algumas questões importantes relativas aos lugares de prostituição e prazer da cidade nos anos 20. A primeira era a relação complexa e intrincada entre a polícia e os donos de pensões e prostitutas. Permeada por momentos de conflito e repressão e por períodos em que uma política de tolerância era a tônica, a ação policial em relação à prostituição foi conduzida ao sabor de influências e negociações do momento, variando de acordo com as autoridades, com os pedidos de figuras influentes, ou mesmo com o poder de persuasão e sedução que as mulheres que trabalhavam no ramo exerciam sobre as autoridades.

A atuação policial oscilava entre verdadeiras campanhas repressoras e moralizadoras e momentos em que as autoridades fechavam os olhos às atividades das meretrizes e donas de bordel, num jogo que reproduzia a representação ambígua que se tinha desse ramo de negócio. A atividade era um “cancro a ser extirpado”, uma “uma ameaça à moral”, que necessitava da efetiva ação da polícia e de outras instituições de controle, como órgãos de higiene e saúde públicas, mas acabava também sendo vista como um “mal necessário”, que precisava ser admitido, apesar do domínio que deveria ser exercido sobre seu exercício. O segundo fato interessante que o caso do espetáculo de Bramont nos revela é a possibilidade de pensar que havia uma freqüência mais diversificada e mista às casas de prostituição consideradas “populares” da cidade do que se poderia imaginar à primeira vista. A Rua do Sol, onde estava a Pensão Fany, era conhecida como um dos territórios onde se localizavam inúmeras pensões, casas de cômodo e bordéis populares.

115 Jornal do Commercio,

Prazeres da noite e do dia

133 Segundo uma reportagem da época, era “uma rua misérrima”, “lúgubre”,

que se caracterizava pela escuridão e pela “orgia tediosa das pensões

baratas.”116 O episódio nos leva a perceber os lugares de prazer da

cidade, como a Pensão Fany, não apenas como territórios segmentados e divididos, onde conviviam exclusivamente indivíduos de determinada posição social, como as elites procuravam reforçar, mas como espaços também freqüentados por grupos privilegiados da cidade, a exemplo do rapaz citado no caso.

Apesar das possibilidades de circulação de clientes de diversas classes sociais, existiam no Recife bordéis, pensões e casas de cômodo montados de acordo com o status e poder aquisitivo dos seus clientes preferenciais. Havia as pensões mais refinadas, algumas delas localizadas na Rua General Abreu e Lima e na Rua das Flores, dirigidas a um público constituído por proprietários de terra, comerciantes, funcionários públicos, estudantes e profissionais liberais, cujos rendimentos permitiam algumas horas de diversão nos braços das “polacas” e francesas.

Além das pensões e bordéis, encontramos na documentação pesquisada, um outro tipo de estabelecimento denominado de club. Não nos referimos aqui aos clubs conhecidos tradicionalmente, que promoviam atividades sociais e desportivas, a exemplo do Internacional, do Jockey Club, ou do Country Club. Falamos de um tipo de club que talvez se assemelhe ao que conhecemos como cabaret. Apesar de não termos encontrado documentação mais vasta sobre essas casas, anúncios publicados no Jornal Pequeno e na Revista Rua Nova, além de casos nas colunas policiais, dão-nos pistas sobre o movimento e os divertimentos oferecidos por esses estabelecimentos.

Em 1925, o Jornal Pequeno apresentava, lado a lado, anúncios de dois clubs: 117 o Club C. Paladinos e o Club Pernambucano. O

Paladinos, localizado na Rua da Roda, local citado por Gregório Bezerra

como a “baixa zona de mulheres”, onde os clientes disputavam prostitutas pobres, apresentava-se como o “mais freqüentado do norte do país”, anunciando “orquestra sob a regência do maestro Nelson Ferreira”, e “cozinha de 1ª ordem.” Em janeiro de 1925, a artista em cartaz era a espanhola Therezita Flores, que brindava o público com “luxuosas

toilettes e extenso repertório.” A “simpática artista brasileira Elza Tavares“

também abrilhantava a noite, oferecendo à platéia “números excêntricos.” O Club Pernambucano era anunciado como “o mais luxuoso do norte

do país.” Situado no Pátio do Paraíso, nº 309, depois chamado de Praça

Barão de Lucena - demolida nos anos quarenta na reforma empreendida

116 Jornal do Recife,

24/05/1925, p. 1.

117 Jornal Pequeno,

AR

TES DE VIVER A CIDADE

SYLVIA COSTA COUCEIRO

134

no bairro de Santo Antônio para a construção da Avenida Guararapes - , o Club abria todas as noites das 20h30min às 22h30min, apresentando um “petit-concerto”, e das 23h às 2h com o “cabaret-chic.” O diretor do

Pernambucano, Abel Freire, prometia “grandes e sensacionais números de canto e dança”, “magnífica orquestra e restaurante de 1ª ordem”,

oferecendo “as maiores novidades artísticas no gênero cabaret.” Do variado programa, constavam a “afamada cançonetista brasileira

Betinha”, as bailarinas e cantoras Mary Greffe e Vitulia, e a cantora Wanda

Bruckner. Em 31 de dezembro de 1925, o Club promoveu um suntuoso baile à fantasia para festejar o início do ano de 1926, com apresentações de Walkyria, “célebre cantora dos principais teatros do mundo”, e Lina Verbena, “graciosa cançonetista italiana.”118

Em 1924, um conflito entre um funcionário demitido que trabalhava no “serviço

de pagamento de fichas”, Arthur Fernandes, e o dono do estabelecimento,

Eliziário Silva, levou o Club às colunas policiais. Armado de punhal, o empregado atacou o ex-patrão, ferindo-o na cabeça, enquanto em meio ao alvoroço geral vários tiros eram disparados. Arthur acabou recolhido pela Assistência Pública ao Hospital Português, gravemente ferido pelos tiros, enquanto a polícia revistava o recinto, apreendendo revólveres e uma pistola Mauser. Das cinqüenta pessoas presentes no Pernambucano, ninguém soube dar maiores detalhes sobre o conflito, alegando que tudo tinha ocorrido rápido demais.119

A nota sobre a briga entre o trabalhador dispensado e o ex-patrão fornece informações interessantes, que podem ajudar na montagem do perfil desses estabelecimentos. A primeira refere-se ao trabalho que Arthur desempenhava, possivelmente ligado ao jogo, uma vez que ele “pagava

fichas”, ressaltando que o estabelecimento explorava também os jogos de

azar; a segunda relaciona-se com o número de pessoas presentes na noite do conflito. Em se tratando de uma quinta-feira, a presença de cinqüenta pessoas no recinto do club parece uma freqüência razoável para a época. Por último, a presença dos clubs nas colunas policiais mostra que, mesmo nos ambientes que ofereciam serviços dirigidos a uma clientela provavelmente pertencente às camadas médias da população, muitos dos freqüentadores entravam armados, sendo habituais as ocorrências envolvendo a polícia.

As informações colhidas nos levam a acreditar que os clubs eram estabelecimentos que se situavam na fronteira entre casa de espetáculo e cabaré, tendo características ligadas aos bordéis, uma vez que, possivelmente também exploravam as mulheres que lá atuavam profissionalmente.

118 Revista Rua Nova,

09/01/1926, nº 42.

119 Jornal do Commercio,

Prazeres da noite e do dia

135 Apresentando shows, oferecendo comida e bebida, mesas de jogos, a

música de boas orquestras, como a de Nelson Ferreira, tida como uma das melhores da cidade, e a companhia das atrizes, cantoras e dançarinas, na época praticamente sinônimo de prostitutas, os clubs provavelmente recebiam uma clientela masculina de maior renda. Os anúncios nos jornais e na afamada e elitista Revista Rua Nova por si só revelam que os clubs, pelo menos os dois acima referidos, eram estabelecimentos de maior porte, uma vez que possuíam capital disponível para investir em propaganda. Outro detalhe é que a publicidade nos periódicos citados atingia uma clientela específica - os que sabiam ler e podiam adquirir essas publicações -, numa época em que a maioria da população da cidade não era alfabetizada, e que as tiragens das revistas ilustradas mostram o número limitado de leitores dessas publicações. Além dos clubs, as pensões e casas de cômodo do chamado “baixo meretrício”, povoavam algumas ruas do centro, atendendo principalmente a marinheiros, policiais, operários, ambulantes, engraxates, estivadores, biscateiros, desocupados, criminosos. Gregório Bezerra, gazeteiro pelas ruas do Recife na década de 1910, nos dá pistas sobre a localização geográfica do “sexo barato” na cidade. Diz ele nas suas memórias: “Para

resolver meu problema sexual, fui à rua do Fogo, que era um dos últimos refugos da baixa zona de mulheres.” Além da Rua do Fogo, Gregório cita

também a Rua das Águas Verdes e a da Roda, localizadas nos bairros de São José e Santo Antônio, como ruas do chamado “baixo meretrício”, onde as prostitutas cobravam preços acessíveis, possíveis até a um rapazola, simples vendedor de jornais.120

A maioria dos prostíbulos do Recife estava concentrada bem no âmago da cidade, como já enfatizamos, próximos à Rua Nova, coração do comércio chic e local dos footings das famílias. As pensões e casa de cômodos de diversas categorias e estilos espalhavam-se, segundo uma reportagem do Jornal do Recife, por diversas vias, compreendendo “a rua

das Trincheiras, Estreita do Rosário, Frei Caneca, Caju, Pedro Ivo, Mathias de Albuquerque, Pátio do Carmo, rua das Hortas, Pátio de São Pedro, rua do Fogo, Beco da Bomba, Beco do Veado, rua das Águas Verdes, Travessa das Flores, Beco do Carmo etc., onde se acumula expande e cresce (...), sem profilaxia nem freio (...), o meretrício e o jogo.”121

Oficialmente chamadas de pensões e casas de cômodo, os estabelecimentos que lidavam com a prostituição apareciam nas matérias dos periódicos da época sob diversas designações: lupanares, bordéis, bas-fond, “antros de

libertinagem”, “casas de desregramento”, “casas de tolerância” e prostíbulos.

Para as prostitutas, as denominações dos jornais eram as mais variadas:

120 BEZERRA, Gregório.

Memórias, op. cit p. 152-153.

121 Jornal do Recife,

AR

TES DE VIVER A CIDADE

SYLVIA COSTA COUCEIRO

136

meretriz, horizontal, decaída, marafona, rapariga, mundana, rameira, capivara, polaca, “mulheres de ínfima espécie”, “mulheres perdidas”, “mulheres

licenciosas”, dentre outras.

Além das ruas citadas pelo artigo do Jornal do Recife como pertencentes à “zona tórrida”, outras, como a Rua da Roda, a Larga do Rosário, a das Laranjeiras, a Rua do Sol, das Cruzes, do Imperador também possuíam, em geral nos andares superiores dos seus sobrados, quartos e acomodações onde prostitutas exploravam o comércio do amor.122

No mapa que retrata os bairros de Santo Antônio e São José, podemos verificar a localização das ruas que pertenciam à “zona tórrida”, assim como outras que, apesar de não terem sido citadas pela reportagem do Jornal

do Recife, eram apontadas em crônicas e memórias como endereços

que abrigavam bordéis e lupanares nos seus sobrados. A rua destacada em rosa forte é a Rua Nova. As ressaltadas em verde correspondiam à “zona tórrida”, as quais, como se pode perceber, cercavam a rua do elegante footing das famílias abastadas da cidade.

Observe-se que as campanhas moralizadoras tinham como principal alvo o chamado “baixo meretrício”, reservando para as pensões e casas freqüentadas pelas elites um tratamento diferenciado por parte dos poderes públicos. O que a imprensa solicitava às autoridades era o controle dos 40. Mapa dos bairros de

Santo Antônio e São José. (Planta da Cidade do Recife, 1914).

122 Essas informações foram

colhidas das notas policiais e matérias de diversos jornais, além de referencias feitas em livros de memórias e romances da época.

Prazeres da noite e do dia

137 espaços de encontro e convivência dos populares, sob a alegação de que se

constituíam em “antros de violência e depravação”, locais perigosos e suspeitos onde, segundo os periódicos da época, podiam-se observar

“flagrantes da vida na baixa esfera social (...), os seus malandros e as suas capivaras, cheios de animalidade de maus instintos, trazendo à cinta e nas