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1 PROBLEMATIZAÇÃO DOS REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO:

3.3 Pensamento: Uma concepção não-mentalista

O pensamento é produto do conhecimento e é implicado pela forma do trabalho conjunto, ou seja: “o pensamento não é meramente gerado no decorrer da atividade humana. A forma da atividade imprime a sua marca no pensamento e no seu projeto, ou seja, no conhecimento” (RADFORD, 2011, p. 318). A forma do trabalho conjunto é implicada por superestruturas simbólicas ou SSSC (RADFORD, 2011). Por exemplo, a diferença entre o pensamento de um escriba babilônico e o pensamento de um geômetro grego está na superestrutura simbólica de que dispunham, isto é, suas atividades e epistemes culturais correspondentes:

A diferença entre o pensamento do matemático babilônico e o do grego tem a ver com o fato de que cada uma dessas formas de pensar era fundamentada em uma superestrutura simbólica particular. O pensamento do escriba babilônico era emoldurado por um pragmatismo realista, onde objetos matemáticos tais como “retângulo”, “quadrado”, e assim por diante - objetos que o geômetro grego do tempo de Euclides conceitualizava em termos de formas platônicas ou abstrações aristotélicas - adquiriram seu significado. A forma que o escriba babilônico, o geômetro grego e o abacista do renascimento tinham para pensar sobre e conhecer os objetos de conhecimento, a maneira pela qual eles abordavam os seus problemas e os consideravam para serem resolvidos, tudo isto era emoldurado por sua própria atividade e episteme cultural correspondentes (RADFORD, 1997, 2003a, 2003b apud RADFORD, 2011, p. 318-319).

Vygotsky foi o primeiro a chamar a atenção para a função que os sistemas semióticos, objetos conceituais e instrumentos possuem na cognição, ou seja, os artefatos têm o papel de mediação na cognição (RADFORD, 2011). Radford (2011), entretanto, expandiu o conceito de mediação de Vygotsky, de forma a incluir outros elementos, tais como, ações emocionais ou corporais (táteis, visuais e gestuais).

Artefatos na TO não são “[...] como mera ajuda ao pensamento e à ação ou como simples amplificadores (como a psicologia cognitiva faz) [...]” (RADFORD, 2011, p. 283). Artefatos são “[...] coextensivos do pensamento: nós agimos e pensamos com e através dos artefatos” (RADFORD, 2011, p. 283). O papel dos artefatos “[...] é mais do que materializar o pensamento e torná-lo pensamento-com-e-através-de-artefatos [...] são portadores do conhecimento historicamente depositado a partir da atividade cognitiva de gerações anteriores” (RADFORD, 2011, p. 324). São considerados artefatos culturais na TO: sistemas semióticos, objetos conceituais, instrumentos e ações corporais e emocionais.

Para Radford (2006a, p. 107), “[...] artefatos são parte integral do pensamento”. Além disso, para ele, o pensamento ocorre no plano do artefato, e não somente no plano cognitivo dos estudantes: “[...] o pensamento não é, pois, algo que ocorre somente no plano cerebral dos

alunos. O pensamento também ocorre no plano social, no território do artefato” (RADFORD, 2006a, p. 107). Por exemplo, uma régua de madeira, a reta numérica e os signos matemáticos são artefatos que medeiam e materializam o pensamento (RADFORD, 2006a).

SSSC são considerados artefatos na TO. São SSSC contar a partir de membros do corpo humano por civilizações antigas (Yupno) e evitar a mistura de objetos de categorias diferentes (Lododa, outra civilização antiga) (RADFORD, 2011).

Como se nota no esquema ilustrado na Figura 12, abaixo, “os SSSC interagem com atividades [...] e com a tecnologia da mediação semiótica (isto é, território do artefato)” (RADFORD, 2011, p. 290).

Figura 12 - Relações entre SSSC, Artefatos e Atividades

Fonte: RADFORD (2011, p. 291).

Dessa forma, a “[...] consciência que é alcançada em termos de generalidade matemática varia conforme os sistemas semióticos variam” (RADFORD, 2015, p. 134), e “a compreensão dos SSCS é uma tarefa importante na investigação do tipo de pensamento matemático de uma cultura” (RADFORD, 2011, p. 290).

3.3.1 Pensamento Algébrico

Radford (2011) estudou o papel desempenhado pela linguagem e pelo simbolismo algébrico no pensamento algébrico a partir do entendimento de que a Matemática é uma manifestação semiótica da cultura em que é praticada. Com esta compreensão, Radford (2011) sugere que é necessário “[...] analisar a linguagem e o simbolismo em seus próprios contextos semióticos históricos e socioculturais” (RADFORD, 2011, p. 140). Ele afirma que:

[...] o papel do simbolismo no pensamento algébrico precisa ser estudado através do significado social da álgebra e através das diferentes formas de simbolização que a cultura sob análise utiliza para simbolizar os objetos (não importando se tais formas são matemáticas ou não) (RADFORD, 2011, p. 118).

Por exemplo, os babilônios resolviam problemas de quantidades conhecidas e desconhecidas a partir de um método denominado de falsa posição (RADFORD, 2011). Para solucionar o seguinte problema: “[...] encontrar os lados de um retângulo cuja largura é igual ao comprimento menos a quarta parte deste comprimento, e a diagonal é 40’” (RADFORD, 2011, p. 120-121), os babilônios adotavam uma falsa quantidade para um comprimento:

Ele diz: “você define o comprimento como sendo 1”. Então, ele calcula a largura, subtraindo-se ¼ (que é 1º), o que resulta em 45’. Ele calcula o quadrado de ambos os falsos lados, que resultam em 1²=1 e (45’)²=2025’=33’45”. A soma do quadrado é 1º33’45”. Ele então calcula a raiz quadrada de 1º33’45” que é 1º15’. Este é o valor da falsa diagonal. A diagonal verdadeira, 40’, é menor do que o valor obtido; ele então calcula o inverso de 1º15’, que é 48’; multiplica esse número por 40’; o resultado é 32’. Este é o “fator de ajuste proporcional” pelo qual ele multiplica o falso comprimento (ou seja, 1º) e a falsa largura (ou seja, 45’): o escriba então obtém 32’ x 1º = 32’ e 32’ x 45’ = 24’. Portanto, os números resultantes, 32’ e 24’, são o comprimento e a largura verdadeiros, respectivamente (RADFORD, 2011, p. 121).

O pensamento simbólico surgiu durante o Renascimento e foi desencadeado pelo novo objeto algébrico: valor, que era central na prática comercial daquela época (RADFORD, 2011). No caso dos abacistas renascentistas, “[...] o objeto do signo e seu valor de designação está diretamente relacionado ao conceito de valor engendrado pelas novas relações produzidas pela divisão de trabalho e o papel central desempenhado pelo comércio e pela produção” (RADFORD, 2011, p. 177). Ou seja, “[...] a relação entre objeto e signo não encontra sua fonte exclusivamente na linguagem e na palavra objetificante” (RADFORD, 2011, p. 177), pois, “entre linguagem e o que é tematizado – quer dizer, entre signo e objeto – fica a prática social” (RADFORD, 2011, p. 186).

Por exemplo, o seguinte problema acerca do comércio entre indivíduos envolvia uma

troca com cera e lã, de modo que um dos indivíduos oferecia cera que vale ducatis com

valor de troca de e o outro indivíduo oferecia lã com valor de troca de 34 ducatis:

Dois indivíduos estão realizando uma troca, um com cera e outro com lã. O [cento

de] cera vale 9 ducati e [em dinheiro]. [Na troca por outro produto] a taxa é . O outro [indivíduo] tem lã e eu não sei quanto vale [em dinheiro] o milhar; sua taxa de troca é 34 ducati. A troca é justa. Qual era o valor [i.e., quanto custa em dinheiro vivo] o milhar da lã? (ARRIGHI, (ed.), 1970, p. 51 apud RADFROD, 2011, p. 162).

A resolução deste problema envolve o verbo dar: “um número dá um certo número. Então, quanto dará um terceiro número?” (RADFORD, 2011, p. 175), indicando um pensamento simbólico:

Diga isto. O cento de cera vale e está sendo oferecido [para a troca].

Então: [se] dá [ducati], o que daria 34? Multiplique 34 por que resulta

em 3774 doze avos; converta em doze avos obtendo 128 [sobre doze]; divida

3774 por 128 e você obtém 41; isso é quanto é o mil de lã vale em dinheiro:

(assim!) ducati. Eu fiz doze avos porque há terços e quartos (ARRIGHI (ed.), 1970, p. 51 apud RADFORD, 2011, p. 174).

Com o surgimento do simbolismo, novos modos de designação foram produzidos, a exemplo do termo “coisa” e de traços situados no topo de dados números para representar quantidades desconhecidas, como se nota na resolução de um problema de prática econômica que envolvia dois objetos matemáticos: valor e tempo.

Faça isso. Você sabe que ele tem que dar ao funcionário 25 ducati por ano, por dois

meses são ; e o cavalo ponha que ele vale coisa, por dois meses vale da

coisa que é . Você sabe que você tem que ter em dois meses 4 ducati e e da

coisa. E o homem quer 4 ducati que adicionado a faz . Agora, você tem da

coisa, [e] até há da coisa; portanto, da coisa é igual a do número. Reduza a uma natureza [ex. a um número inteiro], você terá 5 coisas iguais a 49; divida pelas

coisas que dá ; a coisa vale este tanto e nós pusemos que o cavalo , portanto,

vale 9 ducati de ducato (ARRIGHI (ed), 1970, p. 107 apud RADFORD, 2011, p. 199).

Como é possível notar, em termos de representação, o objeto matemático valor “[...] possibilitou ver que uma coisa podia substituir outra, ou, em termos, uma coisa (uma moeda, por ex.,) podia ser usada para representar outra coisa [...]” (RADFORD, 2011, p. 201). Assim, “[...] o valor mostrou que representação é arbitrária no sentido de que o valor de uma coisa não reside na própria coisa mas numa série de valores contextuais de uso, e [...] [a]

41 Segundo Radford (2011, p. 174)), “o resultado correto é . Os abacistas eram calculistas extraordinários, mas, vez por outra, cometiam erros”.

arbitrariedade do significante é uma das ideias chaves da representação algébrica” (RADFORD, 2011, p. 201).

Contudo, juntamente com o surgimento da imprensa, apareceram outras formas de representação do conhecimento, as quais alteraram a prática de álgebra, assim como o status do conhecimento (RADFORD, 2011). “O discurso foi transformado em escrita. Tal como a álgebra” (RADFORD, 2011, p. 205), passando-se a utilizar “[...] cada vez mais abreviaturas, tais como ‘p’ para piu (mais), ‘m’ para minus (menos), ‘R.q.’ (ou vezes ‘R’) para raiz quadrada, ou palavras contraídas, como ‘mca’ para multiplica (‘multiplicar’)” (RADFORD, 2011, p. 205), como se vê à esquerda da Figura 13, abaixo:

Figura 13: Novas formas de representação do conhecimento, a partir do surgimento da imprensa

Fonte: RADFORD (2011, p. 207).

À direita da Figura 13, nota-se como seria o discurso pós-renascentista em símbolos modernos. A ausência de sinais, tais como x e y, era inimaginável, e este silêncio é devido a um modo sociocultural aceito de transmitir e registrar informações naquele período (RADFORD, 2011). Acerca destes e de outros símbolos algébricos nesta mesma perspectiva, Radford (2011) aponta que “[...] são exemplos de sistemas de representação que são parcialmente baseados ora em contextualidade-concreta, ora em descontextualidade-abstrata” (RADFORD, 2011, p. 208).

Observa-se que há uma relação entre linguagem, prática social e conhecimento (RADFORD, 2011). O desenvolvimento do pensamento algébrico está relacionado ao desenvolvimento do simbolismo algébrico, passando pela algébrica retórica ou oral, sincopada ou abreviada e simbólica. Ou seja, as superestruturas simbólicas utilizadas por cada civilização possibilitavam generalidades diferentes (RADFORD, 2015b).

Radford (2015c) entende que superestruturas simbólicas distintas podem implicar camadas de generalidade:

Os sistemas semióticos aos quais recorremos ao lidar com a generalidade são consubstanciais à camada de generalidade envolvida. Assim, a camada de generalidade que pode ser alcançada dentro do sistema semiótico seixo não é o mesmo que pode ser alcançado dentro do sistema semiótico euclidiano que inclui letras e diagramas e um significado mais elaborado e sintaxe. Nem a generalidade alcançada com o sistema semiótico euclidiano é igual à camada de generalidade que é obtida usando notações modernas de subíndice e quantificadores universais (RADFORD, 2015c, p. 134).

Radford (2006b) destaca uma de suas pesquisas com estudantes do Ensino Fundamental envolvendo padrões, focando as camadas de generalidades identificadas. Ele distingue generalização aritmética de generalização algébrica, sendo que esta última possui três camadas de generalidade, denominadas por ele de: factual, contextual e simbólica (RADFORD, 2006b).

Segundo Radford (2006b), na camada de generalidade chamada de factual, ocorrem as contrações semióticas (redução de signos). É nesta generalidade factual que se vê a importância do emprego de gestos e palavras, por exemplo (RADFORD, 2006b). Cabe lembrar que o autor inferiu que palavras e gestos são sistemas semióticos de significação cultural. A generalidade contextual constitui uma camada mais profunda; embora ainda ocorram contrações semióticas, os sujeitos nomeiam em língua natural os objetos por nomes ligados ao contexto, por exemplo, “próxima figura” (RADFORD, 2006b, p. 12). Já a generalização simbólica abrange a linguagem simbólica matemática, por exemplo, “próxima figura” é expressa por símbolos alfanuméricos (RADFORD, 2006b, p. 12).

Diante deste contexto, pensamento algébrico, para Radford (2006b), está correlacionado à generalização algébrica. E generalização algébrica é desencadeada pela mobilização de diferentes sistemas semióticos de significação cultural. Estes sistemas semióticos de significação cultural possibilitam camadas de generalidade distintas. Logo, o desenvolvimento do pensamento algébrico passa por processos de objetivação do conhecimento.

Na próxima seção, este conceito de objetivação será abordado.

3.4 Aprendizagem como Processo de Objetivação

O conceito de objetivação é de natureza semiótico-cognitiva, e o conceito de aprendizagem é de natureza sociocultural (RADFORD, 2011). A “[...] aprendizagem se teoriza como processos de objetivação” (RADFORD, 2017a, p. 121) – mas o que são processos de objetivação?

Processos de objetivação são processos progressivos de tomada de consciência de formas expressão, ação e reflexão histórico-culturais (RADFORD, 2011). Nos termos de Radford (2014), em um vídeo: “a objetivação é o processo social, corpóreo e simbolicamente mediado de tomada de consciência e discernimento crítico das formas de expressão, ação e reflexão [pensamento] constituídas histórica e culturalmente”. Como se nota, o conceito de consciência é subjacente ao de aprendizagem (RADFORD, 2017a).

O conceito de consciência é fundamental na TO, e, de acordo com Radford (2015, p. 551), “existem muitas teorias de aprendizagem que não precisam se referir à consciência. No entanto, se removemos a construção da consciência da teoria da objetivação, não há mais teoria: ela colapsa”. Pode-se ver, então, que o conceito de consciência é fundamental nesta teoria. E como o conceito de consciência é concebido nesta teoria?

Radford (2015b) adota o conceito de consciência em termos dialético-materialistas. Para Radford (2015b, p. 563), “Leont'ev42 deu um passo à frente [em relação à Vigostki] e afirmou que a substância da consciência é a atividade”. Conforme Radford (2015, p. 560), Leont’ev (2009 apud RADFORD, 2015b) afirma que “[...] a consciência é movimento. O verdadeiro ser concreto, o indivíduo real encontra [...] a substância de sua consciência, em sua atividade concreta, isto é, em sua vida”. Para Radford (2015, p. 560), “dentro da teoria da objetivação, a consciência deve, portanto, estar relacionada à atividade, [trabalho conjunto] que [...] constitui a unidade de análise metodológica da teoria”.

Na TO, aprendizagem é tomada como um processo coletivo (RADFORD, 2015), como um processo social (RADFORD, 2011). A teoria concebe o ser humano (estudante) como um ser social, e não como um ser individual ou isolado, uma vez que ela se baseia em princípios da psicologia russa vigotskiana ou histórico-cultural:

Há [...] pesquisadores que começaram nos anos 1990 a introduzir na educação matemática os trabalhos de Vygotsky, e logo de Leontiev, que começaram a assinalar outras opções, outras formas de poder pensar o indivíduo não como alguém isolado, mas como um indivíduo intersubjetivo constituído através de linguagem, das práticas sociais e da sua relação com o outro e com o mundo (RADFORD, 2015, p. 251).

Segundo Radford (2015; 2011), aprendizagem é objetivação, ou seja, processos sociais implicados pela cultura em questão e pelo contexto histórico vigente:

A aprendizagem é o que temos tematizado como objetivação, ou seja, são aqueles processos sociais que fazemos com outras pessoas, cultural e historicamente

42 Nesta tese, assumo a grafia apresentada nas obras de Luis Radford, sendo que, em algumas obras, ele usa Leont’ev e, em outras, Leontiev: Radford (2015) utiliza Leont’ev (2009); Radford (2017b) utiliza Leont’ev (1974, 1978, 2009) e Leontiev (1981).

situados, de reconhecimento de potencialidades culturais que preexistiam no aluno antes de entrar na escola [universidade]” (RADFORD, 2015a, p. 252).

Ainda, Radford (2015) salienta que aprendizagem é um processo de tomada de consciência e é um processo subjetivo (de encontro entre subjetivo e cultural), o que corresponde à objetivação do conhecimento.

[...] a tomada de consciência de objetos e sistemas de pensamentos que são sintetizados a partir da prática social. Nesse sentido, a aprendizagem está associada ao processo de objetivação, uma vez que objetivar o conhecimento relaciona-se ao encontro entre o subjetivo e o cultural(RADFORD, 2015a, p. 246).

Também segundo Radford (2011), a aprendizagem consiste em atribuir significados aos objetos conceituais situados em determinada cultura. Para Radford (2011), os objetos matemáticos são de natureza antropológica, sendo denominados de objetos culturais conceituais:

[...] a aprendizagem não consiste em construir ou reconstruir uma porção do conhecimento. É uma questão de ativa e imaginativamente dotar de significado os objetos conceituais que o aluno encontra em sua cultura. É o que [...] chamaremos de processo de objetificação (RADFORD, 2011, p. 323).

Aprendizagem, como postula Radford (2011), não é somente construir conhecimento, é atribuir significados aos objetos. Radford (2011, p. 323) aborda duas fontes de significados, que “[...] alicerçam todas as formas de aprendizagem”: artefatos e a interação social. Assim sendo, pode-se dizer que, para ele, aprendizagem e pensamento não são só semióticos.

Os artefatos não são a única fonte de significado que alicerça as aprendizagens, visto que a interação social é consubstancial à aprendizagem (RADFORD, 2011). Além do mais, “os objetos não conseguem esclarecer a inteligência histórica que está embutida neles. Isto requer que eles sejam utilizados em atividades, bem como, no contato com outras pessoas que saibam ‘ler’ essa inteligência e nos ajudem a adquiri-la” (RADFORD, 2011, p. 324).

Radford (2011) não concebe as interações sociais como sendo negociações de significados, pois “negociação” é um termo de cunho capitalista: “a sociabilidade do processo [...] não deve ser entendida como simples interação de negócios, uma espécie de jogo entre adversários capitalistas em que cada um investe bens com a esperança de terminar com mais” (RADFORD, 2006a, p. 116). A sociabilidade significa “[...] o processo de formação da consciência [...]” (RADFORD, 2006a, p. 116), e “[...] a consciência [...] é algo que se forma em nossa relação com os outros [...]” (RADFORD, 2006a, p. 256).

A aprendizagem “[...] é simultaneamente um processo de conhecimento e um processo de vir a ser” (RADFORD, 2011, p. 327). No processo de aprendizagem, “[...] o sujeito

objetifica o conhecimento cultural e, ao fazê-lo, encontra a si mesmo objetificado em um movimento reflexivo que pode ser chamado de subjetivação” (RADFORD, 2011, p. 326).

No contexto da TO, “[...] fazer matemática é mais do que fazer tarefas e resolver problemas. [...] a resolução de problemas não é o fim, mas sim, um dos meios de atingir o tipo de praxis cogitans ou reflexão cultural que chamamos de pensamento matemático” (RADFORD, 2011, p. 327, grifos do autor). A aprendizagem da matemática “[...] infelizmente [...] tem sido frequentemente reduzida à mera obtenção de um determinado conteúdo conceitual” (RADFORD, 2011, p. 327). Ela “[...] não é simplesmente aprender a fazer matemática (resolver problemas), mas sim é aprender a ser em matemática” (RADFORD, 2011, p. 328). A aprendizagem é uma questão de, além de saber, ser. Ou seja, aprendizagem é “[...] como um processo coletivo de aquisição de modos de refletir sobre o mundo, guiados pelas condições epistêmicas, sociais e culturais elaboradas na experiência humana” (RADFORD, 2015, p. 246).

3.5 Sala de Aula: Um espaço de produção de saberes e sujeitos não alienados

O conceito de sala de aula na TO é conduzido por seu conceito central: o conceito de trabalho conjunto. “O conceito de trabalho conjunto conduz a um novo conceito de sala de aula de matemática” (RADFORD, 2017b, p. 254). Assim, a sala de aula é concebida na TO como um espaço coletivo de produção de saberes e de formas de colaboração humana:

A sala de aula aparece como um espaço público de debates no qual os alunos são encorajados a mostrar abertura para com os outros, responsabilidade, solidariedade, cuidado e consciência crítica. [...] a sala de aula aparece como um espaço de encontros, dissidência e subversão, no qual professores e estudantes se tornam indivíduos que são mais do que seres no mundo, eles são indivíduos com um interesse investido no outro e em sua empreitada comum; indivíduos que intervêm, transformam, sonham, aprendem, sofrem e esperam juntos” (RADFORD, 2017b, p. 254).

Enfim, para Radford (2017b), o conceito de trabalho conjunto, no contexto da TO, recorre a formas coletivas de produção de saber no espaço de sala de aula de matemática, e de álgebra em particular, e de formas de colaboração humana éticas e críticas. Ou melhor, “o conceito de trabalho conjunto recorre a: (a) formas coletivas específicas de produção de saber em sala de aula, e (b) modos definidos de colaboração humana que repousam sobre a ética comunitária crítica” (RADFORD, 2017b, p. 253).

Contudo, qual seria o papel do professor e o do estudante no processo de ensino- aprendizagem no espaço de sala de aula conduzido por um trabalho conjunto? De acordo com

Radford (2017b), o conceito de trabalho conjunto apresenta uma reconceitualização do ensino-aprendizagem como uma única atividade, de modo que professores e estudantes são concebidos como sujeitos que trabalham juntos, se empenham em conjunto, intelectual e emocionalmente, com vistas à produção de saberes, o que não significa que professor e estudante tenham o mesmo papel em sala de aula.

No intuito de compreender o papel do professor e do estudante, aponto a seguir um problema algébrico que envolve pensamento covariacional, analisado por Radford (2017b) sob as lentes da TO, mais especificamente, sob a ótica do conceito de trabalho conjunto.

De acordo com Radford (2017b), nesse episódio, professora e estudantes não estão fazendo a mesma “coisa”; eles estão trabalhando juntos, sendo que, conforme o fragmento anterior, é a professora que introduz uma “nova abordagem” para que os estudantes percebam a relação covariacional.

Vendo o episódio do cofrinho através das lentes da TO, a Sra. Giroux aparece como engajada com Albert, Krista e Albert [Manuel]. A Sra. Giroux não está fazendo a mesma coisa que os estudantes. No entanto, eles parecem trabalhar juntos, tentando trazer à tona uma forma de pensamento covariacional sobre sequências. O que eles estão fazendo é a criação do que Hegel (1938[2001]) chamou, em um contexto mais geral, um trabalho comum (RADFORD, 2017b, p. 242).

Cabe lembrar que o conceito de trabalho conjunto da TO implica formas coletivas de produção de saber, como essa do exemplo do “cofrinho”, em vez de formas passivas, por parte do estudante, e detentoras de conhecimento, por parte do professor.

Trabalhando em conjunto, a (Sra.) Giroux e os estudantes estão produzindo (através de gestos, postura, a atividade perceptual, linguagem, artefatos) um trabalho comum, que permite que os estudantes se tornem progressivamente conscientes de uma maneira diferente de pensar sobre o problema (a maneira covariacional de pensar) (RADFORD, 2017b, p. 253).

No que se refere às formas de colaboração humana implicadas no trabalho conjunto, Radford (2017b) destaca, por exemplo, o compromisso ético. Em particular, a partir da intervenção da professora, inclusive referente à tomada de consciência do pensamento covariacional, mencionada acima:

Linha 29. Sra. Giroux: (Tentando tornar perceptível para os estudantes a estrutura covariacional) O que você observa sobre a semana 5 (ela mostra o copo correspondente à semana 5) e (ela aponta para as fichas de bingo vermelhas, veja a Figura 10, imagem 4) o número de fichas de bingo? (Ela faz a mesmas observações) A quarta semana e o número de fichas de bingo? (RADFORD, 2017b, p. 236).

Voltando ao compromisso ético nesse episódio:

Este compromisso ético é o que vemos no exemplo do cofrinho quando, por exemplo, na linha 29 [intervenção supracitada], a professora interage com os estudantes e os convida a ver a estratégia de resolução de problemas sob uma nova

luz. Os estudantes respondem ao chamado da professora e, trabalhando com a professora, se esforçam para dar sentido à interpretação dessa nova estratégia (RADFORD, 2017b, p.254).

No fragmento a seguir, fica evidente que “os estudantes responderam ao chamado da