• Nenhum resultado encontrado

Trabalho Conjunto: Unidade metodológica de análise da TO

1 PROBLEMATIZAÇÃO DOS REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO:

3.1 Trabalho Conjunto: Unidade metodológica de análise da TO

A TO, de Luis Radford, é “[..] uma teoria educacional que se concentra nos problemas do ensino e da aprendizagem [...]” (RADFORD, 2017b, p. 229). É uma teoria que se interessa em fornecer explicações sobre a aprendizagem dos estudantes a partir da prática educacional, considerando que a aprendizagem decorre não de atos individuais do aluno, mas sim de um trabalho conjunto entre professor e estudante e entre estudante e estudante. “Se estamos interessados em fornecer explicações sobre a aprendizagem dos estudantes, do que exatamente devemos tratar?” (RADFORD, 2017b., p. 238). Ele adverte: “[...] infelizmente, a pesquisa e a prática educacional têm estreitado o relacionamento professor/aluno a duas possibilidades: (A) ou a aprendizagem emana dos estudantes ou (B) os estudantes recebem o saber do professor” (RADFORD, 2017b, p. 239).

Radford (2015b), então, buscou “[...] compreender o aprendizado não como o resultado dos atos individuais do aluno [...], mas como um processo cultural-histórico situado e para oferecer evidências dos processos envolvidos de conhecer e tornar-se. [...]” (RADFORD, 2015b, p. 553). A unidade metodológica de análise utilizada por ele para analisar processos de produção de saberes e de subjetividades é o conceito de Atividade – reformulado em sua teoria como Trabalho Conjunto.

Radford (2017b) estabelece o conceito de Trabalho Conjunto tendo em vista formas de vida não alienantes, dimensões estética e política, desconsideradas, segundo ele, no conceito de Atividade de Alexei Leont’ev. Para Radford (2017b), a estrutura da Atividade proposta por Leont’ev (1978 apud RADFORD, 2017b) é composta por: objeto, motivo, objetivos e ações, de forma que nesse movimento haja a tomada de consciência basicamente do conteúdo da aprendizagem.

Uma atividade para ele [Leont’ev (1978)] é caracterizada por seu objeto e seu motivo. O objeto e motivo de uma atividade são os motores que mantêm a atividade em movimento. Na prática, na busca do objeto da atividade, os indivíduos desmembram o objeto em uma sequência de objetivos com os quais as ações estão associadas. [...]. É, portanto, por meio da atividade e da interligação estrutural entre motivo, objeto, objetivo e ações que o conteúdo de aprendizagem torna-se revelado à consciência do aluno. (RADFORD, 2017b, p. 248-249).

Porém, a partir de Hegel e de Marx, Radford (2014), em um vídeo, esclarece que “[...] trabalho é mais que um conjunto de ações para alcançar certo fim ou objetivo. [...] Trabalho é

uma atividade humana específica. Uma forma de vida. Não é algo meramente instrumental”. Na TO, não basta que conteúdos de aprendizagem se tornem revelados à consciência do sujeito; é necessário que formas de vida – consciência crítica, cuidado com o outro, compromisso ético, responsabilidade e solidariedade – também sejam reveladas à consciência do indivíduo em atividade (RADFORD, 2017b).

Antes de continuar, no intuito de esclarecer o que seria forma estética de vida, mencionada antes, vale ressaltar, a partir de uma entrevista e pergunta sobre o currículo de Matemática brasileiro, o fragmento da resposta dada por Radford (2015a) em que ele critica práticas matemáticas utilitaristas ou guiadas só por cálculos, em detrimento de outras práticas matemáticas, guiadas por formas de comunicação diversas ou por subjetividades.

[...] temos nos deixado levar pela ideia de uma matemática que, desgraçadamente, tornou-se utilitarista e simplesmente um cálculo. Não há espaço para o prazer estético e o crescimento subjetivo. Já não há espaço para a comunicação das ideias através de certos símbolos, de certos procedimentos (RADFORD, 2015a, p. 258).

Voltando à tomada de consciência além de aspectos conceituais e cognitivos, para Radford (2017a), a Atividade, no contexto da TO, não consiste basicamente na interação entre sujeitos; ela incide na busca, em comum/com os outros, de respostas não só de natureza cognitiva, mas também de cunho emocional e ético:

O conceito de atividade que queremos privilegiar abrange muito mais que pessoas interagindo entre elas. É mais que um milieu de interação com pessoas e artefatos. É uma forma de vida, algo orgânico e sistêmico, um evento criado por uma busca comum – quer dizer uma busca com outros – da solução de um problema proposto, busca que é ao mesmo tempo cognitiva, emocional e ética (RADFORD, 2017a, p. 125, grifos do autor).

Acerca de sua metodologia de análise, ele questiona: “[...] estamos relatando aprender de um coletivo ou de um indivíduo?” (RADFORD, 2015b, p. 563). E ele próprio responde: “[...] não é o aluno A ou B ou C que olhamos, mas o aluno A, aluno B, aluno C, etc. através das lentes de sua atividade conjunta (à qual devemos adicionar o professor e toda a classe)” (RADFORD, 2015b, p. 563), como se vê na Figura 9, abaixo:

Figura 9: Atividade em sala de aula como trabalho conjunto

Nesta teoria, em que o conceito de consciência é subjacente ao de aprendizagem (RADFORD, 2017a), a cogniçãoB é investigada “[...] através das ações sensoriais dos estudantes, na atividade perceptual, auditiva, cinestésica, gestual, linguística e simbólica em geral” (RADFORD, 2015b, p.560). No tocante à análise da atividade, “[...] tentamos adicionar o que torna a atividade um fenômeno vivo (pausas, hesitações, entonações, gestos, etc.)” (RADFORD, 2015b, p. 563).

Assim, Radford (2017b) reformulou o conceito de Atividade como trabalho conjunto. Para ele, “o conceito de trabalho conjunto recorre a: (a) formas coletivas específicas de produção de saber em sala de aula, e (b) modos definidos de colaboração humana que repousam sobre a ética comunitária crítica” (RADFORD, 2017b., p. 253), desencadeando na reformulação do papel do professor e estudante e do conceito de ensino-aprendizagem em sala de aula.

Para Radford (2017b), a TO não toma os estudantes basicamente como sujeitos cognitivos, ou sujeitos autônomos que constroem saberes por si próprios, ou passivos. Também não toma os professores como meros executores de currículo ou transmissores de saberes, mas concebe professores e estudantes como indivíduos que trabalham juntos:

[...] estudantes não são conduzidos a um papel de simples sujeitos cognitivos. Eles não aparecem como sujeitos passivos recebendo saber ou como sujeitos autônomos que constroem seu próprio saber. [...] os professores não são reduzidos a um papel de agentes tecnológicos e burocráticos - guardiões e executores do currículo. Eles não aparecem como possuidores de saber que entregam ou transmitem saber para os estudantes diretamente ou através de estratégias facilitadoras. O conceito de trabalho conjunto torna a ideia operacional de professores e estudantes [...] como indivíduos que trabalham juntos (RADFORD, 2017b, p.251-252).

Além disso, a TO não concebe o ensino e a aprendizagem como duas atividades isoladas ou como duas atividades complementares, mas como uma só atividade, em que professores e estudantes, em conjunto, produzem saberes e subjetividades coletivamente:

[...] sugere uma perspectiva educacional que visualiza o ensino e a aprendizagem não como duas atividades separadas, mas como uma única e mesma atividade: uma na qual os professores e estudantes, embora sem fazer as mesmas coisas, empenham-se em conjunto, intelectual e emocionalmente, para a produção do que chamamos um trabalho comum (RADFORD, 2017b, p. 251-252).

Radford (2014), em vídeo, destaca: “a pergunta do professor é muito mais que uma pergunta cognitiva, é uma solicitação existencial ontológica que é fundamental para o processo de subjetivação do estudante e do professor”, enfatizando, no mesmo vídeo, que professores e estudantes, ao longo de anos de trabalho conjunto, não produzem só saberes.

É com base nesses princípios teórico-metodológicos que Radford (2017b) analisa a interação, em sala de aula, entre sujeitos, a exemplo da interação entre uma professora e um grupo de três estudantes, de nove e dez anos, do 4º ano - Figura 10 abaixo (Imagem 4), diante do problema algébrico, a saber:

Para seu aniversário, Marc recebe um cofrinho com um dólar. Ele economiza dois dólares por semana. No final da primeira semana ele tem três dólares; no final da segunda semana ele tem cinco dólares, e assim por diante. A professora forneceu aos estudantes fichas de bingo de duas cores (azul e vermelho) e taças de plástico numeradas destinadas a representar a semana 1, semana 2, etc., e convidou-os a modelar o processo de poupança até a semana 5. Baseado nesse modelo, a professora convidou os estudantes a encontrar a quantidade de dinheiro economizada no final das semanas 10, 15 e 25 (RADFORD, 2017b. p. 233-234).

Figura 10 - Os estudantes e a professora discutem a estratégia para encontrar o número de fichas de bingo na semana 10

Fonte: RADFORD (2017b, p. 237).

Neste episódio, quando a professora (Sra. Giroux) percebe que os estudantes (Albert, Krysta e Manuel) estão recorrendo a uma estratégia trabalhosa para determinar quantidades maiores ou a quantidade poupada em semanas distantes, ela intervém, considerando a tomada de consciência do pensamento algébrico covariacional (Linha 29). Os estudantes respondem ao convite da professora, trabalham com ela e esforçam-se para dar sentido à interpretação desta outra estratégia (Linhas 30 a 40):

[...]

29. Sra. Giroux: (Tentando tornar perceptível para os estudantes a estrutura covariacional) O que você observa sobre a semana 5 (ela mostra o copo correspondente à semana 5) e (ela aponta para as fichas de bingo vermelhas, veja a Figura 10, Imagem 4) o número de fichas de bingo? (Ela fez as mesmas opções) A quarta semana e o número de fichas de bingo?

30. Albert: É sempre duas vezes...

31. Sra. Giroux: (Repetindo) É sempre duas vezes.

32. Krysta: É o dobro do que você... Não! (Ela observa os artefatos intensamente por um tempo). Estou confusa!

33. Albert: Sim! É duas vezes, olhe! (Ele conta as fichas vermelhas) 1 + 1, 2; 2 + 2, 4; 3 + 3, 6; 4 + 4.

1 2

34. Krysta: (Interrompendo) 8. 35. Albert: (Ao mesmo tempo) 8. 36. Krysta: 5 + 5, 10.

37. Albert: (Ele aponta para as fichas de bingo na semana 5) 5 + 5, 10. 38. Krysta: Legal. É duas vezes a mesma...

39. Sra. Giroux: Então, se os vermelhos são duas vezes [o número da semana], o que acontece com a ficha de bingo [azul]... (Ela aponta para a ficha de bingo azul na semana 5)?

40. Krysta: Mais 1.

(RADFORD, 2017b, p. 236-237, grifos meu).

Neste episódio, é evidente a produção coletiva – abrangendo humanos, gestos, artefatos, signos e linguagem. Por um lado, envolve uma forma algébrica culturalmente codificada de pensar, visto que os estudantes começaram a notar uma relação covariacional entre o número da semana e as fichas vermelhas e azuis (RADFORD, 2017a; 2017b). Por outro lado, tem-se a produção de subjetividades: compromisso ético, quando os estudantes se esforçam para dar sentido à interpretação da estratégia proposta pela professora:

Este compromisso ético é o que vemos [...] quando, por exemplo, na linha 29 a professora interage com os estudantes e os convida a ver a estratégia de resolução de problemas sob uma nova luz. Os estudantes respondem ao chamado da professora [Linhas 30 a 40] e, trabalhando com a professora, se esforçam para dar sentido à interpretação dessa nova estratégia (RADFORD, 2017b, p. 254).

Acerca das formas de pensar (de saber), o saber tornar-se objeto de consciência e pensamento a partir de sua atualização – que é pura possibilidade: algo que pode suceder. O conhecimento é a atualização do saber. O trabalho conjunto é que medeia o saber e o conhecimento (RADFORD, 2015a; 2017a)..