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Perdão e poder

No documento CAMINHO VERDADE VIDA (páginas 117-120)

A jornada da graça é a transformação da pessoa como um todo. A justiça é transmitida; a santidade é dada. Não é “se esforçar mais” ou “se recompor”, mas uma verdadeira mudança que resulta em uma vida de poder. Em outras palavras, a graça de Deus é necessária para o perdão e para o poder. Precisamos do perdão de nossos pecados (absolvição) e precisamos de força (poder) para viver uma vida que honre a Deus. Um sem o outro leva a extremos perigosos. Se disser- mos: “Deus nos perdoará, mas Ele realmente não Se importa com a maneira como vivemos nossas vidas imperfeitas, porque, afinal, tudo está coberto pela graça”, corremos o risco de antinomianismo. Por outro lado, se presumirmos que a graça é necessária apenas para per- doar nossos pecados, mas depois cabe a nós seguir em frente sozinhos, corremos o risco de legalismo. Ambos são extremos perigosos que im- pedem a jornada da graça. O apóstolo Paulo fala desses dois extremos quando diz: “desenvolvam a sua salvação com temor e tremor, porque Deus é quem efetua em vocês tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Filipenses 2.12b-13). Quem é o responsável pelo nosso crescimento espiritual? É trabalho nosso ou de Deus? A respos- ta de Paulo é sim para ambas as perguntas e isso não é contraditório. Considere o extremo do legalismo. O legalismo em sua defini- ção teológica mais estrita é a noção exagerada de que a obediência a regras, regulamentos e códigos específicos de conduta é necessária para a salvação. Na prática, diz o legalismo, sabemos que Deus provi- denciou nossa salvação através da cruz de Jesus, mas a sua realização

6. “Como Wesley diria, negar este otimismo tornaria o poder do pecado maior que o poder da graça — uma opção que deveria ser impensável para uma teologia wesleyana de santidade”. LeClerc, Discovering Christian Holiness, 27.

em nossa vida depende se orarmos muito, lermos a Bíblia todos os dias e tomarmos o cuidado de evitar certas pessoas e lugares. No fun- do, o legalismo está tentando fazer por nós mesmos o que somente Deus pode fazer. O resultado de uma pessoa empenhada em manter as regras é uma enorme quantidade de culpa, medo, frustração e in- segurança com muito pouco de graça, paz ou segurança. É um disci- pulado sem a graça e, levado ao extremo, torna-se uma forma ilusória de humanismo hipócrita e um ar de superioridade. Os legalistas têm grandes expectativas em relação a si mesmos, mas têm padrões ainda mais altos para todos os outros, o que é pouco atrativo e repele os que estão afastados da igreja.

Em contraste com o legalismo, está o extremo oposto, o antino- mianismo. Antinomianismo é uma palavra técnica que deriva de duas palavras gregas: anti, que significa ‘contra’ e nomos, que significa ‘lei’. Combinadas, expressam a ideia de ilegalidade. Embora seja ver- dade — e passamos muito tempo discutindo esta questão — que um cristão é salvo apenas pela graça e não por boas obras ou nossas pró- prias ações, essa verdade não nos isenta das obrigações morais e espi- rituais. Na prática, o antinomiano diz: “Como a graça é abundante, porque não pecar ainda mais para receber ainda mais graça? Por estar coberto pela graça, não tenho obrigação de obedecer a nenhum pa- drão ético ou moral. Fui liberto do peso da responsabilidade. O amor cobre tudo.” Por mais ilógico (e impraticável) que possa parecer, é a mentalidade de alguns cristãos. “Não me peça nenhum compromisso ou sacrifício sério. Estou farto de colocar pesados fardos espirituais nos ombros das pessoas, porque isso só leva à culpa e ao legalismo an- tiquados. Estou na graça”.7 Note que, embora John Wesley não fosse

7. Numa conversa com o estudioso de Wesley, Cliff Sanders, sobre o legalismo e o antinomianismo, Sanders fez uma observação interessante: “Há cinquenta anos atrás, o legalismo era o maior desafio para as igrejas evangélicas. Hoje é mais provável que seja o antinomianismo, como a luta particular de muitos jovens adultos que foram criados na igreja e que querem retirar do amor a sua dimensão santa”.

legalista, ele acreditava que a maneira antinomiana de pensar era um perigo ainda maior do que o legalismo e considerava o antinomianis- mo a pior de todas as heresias, porque desvalorizava o amor perfeito. O amor sem santidade é permissivo; a santidade sem amor é dura.

Em 1751, John Wesley escreveu uma carta a um amigo, muitos acreditam, em resposta às acusações de que sua pregação era muito legalista ou muito permissiva (antinomiana). Sua resposta foi instru- tiva: “Eu não aconselharia pregar a lei sem o Evangelho mais do que o Evangelho sem a lei. Sem dúvida, ambos devem ser pregados por sua vez; sim, ambos ao mesmo tempo, ou ambos em um”. Wesley resume o que ele quer dizer com “ambos em um” mantidos em tensão: “Deus te ama; portanto ame-O e obedeça-O. Cristo morreu por você; por isso, morra para o pecado. Cristo ressuscitou; por isso, erga-se à imagem de Deus. Cristo vive para sempre; por isso, viva para Deus até que você viva com Ele na glória. (...) Este é o caminho bíblico, o caminho metodista, o caminho verdadeiro. Queira Deus que nunca venhamos a sair deste caminho, nem para a esquerda nem para a direita.8

Sendo assim, qual das duas opções escolhemos? Nossa salvação e crescimento espiritual são trabalho de Deus ou nosso? Paulo deixa claro: não é um ou outro, mas ambos. A salvação completa é obra de Deus do início ao fim. Somos procurados, salvos, santificados e sus- tentados pela graça de Deus. No entanto, também somos exortados repetidamente a fazer todos os esforços para cooperar com a obra do Espírito Santo em nossas vidas (Lucas 13.24; Filipenses 2.12-13; 2 Timóteo 2.15; Hebreus 12.14; 2 Pedro 1.5-7; 3.13-34).9

Graça é tanto para o perdão como para o poder. É assim que a graça sustentadora contribui para nosso discipulado na parceria divino-humana. Deus inicia, nós respondemos. Deus chama, nós

8. John Wesley, “Letter on Preaching Christ”, The Works of the Rev. John Wesley, Volume 6.

9. Ver a ênfase do capítulo 2 em “desenvolver no mundo o que Deus está fazendo em nós”.

escutamos. Deus guia, nós obedecemos. Deus capacita, nós traba- lhamos. “Primeiro, Deus trabalha; portanto, você pode trabalhar”, disse Wesley. “Em segundo lugar, Deus trabalha; portanto, você deve trabalhar”.10

No documento CAMINHO VERDADE VIDA (páginas 117-120)