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Perdendo a vez: as eleições de 1960

No documento 2006SandraMaraBenvengnu (páginas 169-175)

4. O ENFRAQUECIMENTO E A QUEDA DO PTB LOCAL, A SOCIEDADE PRÓ-

4.1. Perdendo a vez: as eleições de 1960

A posse de Benoni Rosado em janeiro de 1960 contou com a presença, entre outras autoridades, do governador Leonel Brizola que no discurso que proferiu, emprestou apoio ao prefeito recém eleito, com a promessa de “tudo fazer em prol de Passo Fundo”.604 Em Porto Alegre, seu rival político, Fernando Ferrari também prestigiou a posse de Loureiro da Silva, dissidente trabalhista, que derrotou o candidato brizolista, Wilson Vargas à prefeitura da capital gaúcha.

Antes mesmo das eleições municipais de Porto Alegre em 1958, num comício pró Loureiro, Fernando Ferrari, lançou o Movimento Trabalhista Renovador – MTR605 , “entidade cívico-apartidária” que se constituiu na “trincheira de resistência, num instrumento de luta política que abrigaria todos os trabalhistas revoltados contra a ditadura instalada no PTB”.606 Esse movimento viria transformar-se em partido em abril de 1962, após a expulsão de Ferrari do PTB em 1960. O MTR, pequeno partido de pouca expressão

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O Nacional, 2 jan. 1960.

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O Nacional, 5 nov. 1959.

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parlamentar, não representou uma alternativa partidária, não tendo também como característica, segundo Suely Bastos, o personalismo tão condenado por Ferrari em relação ao PTB.607 Diferente, porém, é o pensamento de Celina D’Araújo, para quem o MTR criado por Fernando Ferrari, foi “tão personalista e centralizador quanto o PTB”, o que fica demonstrado pelos Estatutos do partido que “em grande parte são cópia dos do PTB”, justamente no que se relaciona “à centralização e aos métodos excludentes”,608 aponta a autora.

Adepto do trabalhismo reformista de Ferrari, Daniel Dipp, lançou também o MTR em Passo Fundo sob sua direção. A formação local desse partido tinha como objetivo não só o apoio a Ferrari nas eleições presidências quando disputaria com Jango a vice- presidência, mas também o abrigo de uma legenda partidária afim, uma vez que após a expulsão do PTB aderiram ao PTN de Borghi somente para viabilizar uma candidatura própria nas eleições municipais de 1959. Esse esforço, porém, foi em vão já que a candidatura do ex-rebelde Mário Menegaz foi derrotada pelo trabalhista Benoni Rosado através de uma disputada e conflituosa campanha.

A situação do PTB no Rio Grande do Sul às portas da campanha presidencial que se realizaria em outubro de 1960, era preocupante. Havia, mais de cinqüenta focos de rebeldia em municípios do Estado, e o MTR recém criado, já recebia a adesão de mais de sessenta diretórios petebistas.609 Em Porto Alegre, Loureiro da Silva havia derrotado o candidato governista Wilson Vargas,610 perdendo Brizola o controle político no município para a dissidência trabalhista. Já existiam, assim, duas correntes distintas e formalizadas no PTB gaúcho “de ressonância nacional”: Brizola e Jango de um lado, Ferrari e Loureiro da Silva de outro.611 A corrente liderada por Ferrari apoiaria a candidatura presidencial de Jânio Quadros que praticamente já havia ganhado às ruas. O general Teixeira Lott, apontado pelo PSD, mais tarde receberia o apoio do PTB. João Goulart e Ferrari disputariam a vice-presidência, o primeiro compondo a chapa de Lott e o segundo a de Jânio registrado pela sigla do PDC. Em Passo Fundo, o pleito eleitoral de 1958, havia deixado o partido sem representação na Câmara Estadual com a derrota de Ney Menna Barreto, o mesmo acontecendo na Câmara Federal após a expulsão de Daniel Dipp do

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BASTOS, Suely. A cisão do MTR com o PTB. In: FLEISCHER, David Verge. Os partidos políticos no

Brasil. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981, p. 114.

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D’ARAÚJO, Maria Celina Soares. Sindicatos, Carisma & Poder: o PTB de 1945-65. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 129.

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O Nacional, 5 nov. 1959.

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O Nacional, 14 jan. 1959.

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D’ARAÚJO, Maria Celina Soares. Sindicatos, Carisma & Poder: o PTB de 1945-65.Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996, p.123.

partido. O resultado dessas eleições seria, portanto, o termômetro através do qual se mostraria a realidade trabalhista nacional, a gaúcha e a municipal em particular.

Assim é que, nesse contexto um tanto desfavorável para o trabalhismo regional, a campanha presidencial iniciou timidamente pela visita de Edna Lott Costa, que empenhada na campanha de seu pai, Teixeira Lott, veio a Passo Fundo, sendo recepcionada por César Santos e demais componentes da direção trabalhista local.612Essa candidatura apoiada pelo PTB suscitou por parte da oposição em geral, e da local em particular, comentários desabonadores devido a contribuição do marechal no acontecimento que enlutou a família trabalhista nacional, ou seja, o suicídio de Getúlio Vargas.613 É que entre os “vinte e sete generais do Exército” que assinaram o Manifesto exigindo a renúncia de Vargas, constava o nome de Henrique Lott.614

A chegada de Leonel Brizola, mais ruidosa, motivou cenas contrastantes. De um lado, saudado na entrada da cidade com “espocar de foguetes”, por outro, recebido com “acenar de vassouras” pelo povo que se concentrava na via pública. No comício em frente ao Diretório do PTB, com forte policiamento, num tom mais “ardoroso” do que os demais oradores como César Prieto e Odalgiro Corrêa que direcionavam suas falas em prol das candidaturas Lott-Jango, o governador atacou violentamente Fernando Ferrari “um rapaz sem qualquer valor, senão para vender livros” e no qual somente “elementos degenerados” poderiam votar.615

Jânio Quadros, Fernando Ferrari e Loureiro da Silva e também Adhemar de Barros em campanha,616 vieram a Passo Fundo. Jânio veio de trem especial e foi recepcionado com um comício no largo fronteiriço a Estação da Viação Férrea. O ambiente de grande vibração ficou também por conta da singularidade que simbolizava aquela candidatura, uma vez que “vassouras de verdade” ornamentavam a área pública onde foi recebido o candidato do PDC. Saudado inicialmente pelo vereador do PTN, Augusto Trein seguido pelos demais oradores, ao dirigir a palavra aos presentes, Jânio foi muito aplaudido pela grande concentração de populares que em sua homenagem, erguiam, faixas, flâmulas, assim como cartazes com suas fotografias.617Ferrari e Loureiro foram recepcionados pela

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O Nacional, 25 jan. 1960.

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O Nacional, 16 set. 1960.

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SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 179.

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O Nacional, 1 out. 1960. Em suas declarações, Brizola se referiu a obra Mensagem Renovadora de autoria

de Ferrari, que era vendida em todo o Brasil com a finalidade de conseguir subsídios para a sua campanha à vice-presidência.

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O Nacional, 3 mai.1960.

dissidência trabalhista local, através de concorrido comício realizado no Altar da Pátria. Loureiro da Silva, prefeito de Porto Alegre, em campanha pró-Ferrrari, justificou a rebeldia do trabalhismo local como “culto de sua própria história e da história da gente gaúcha”.618

O PTB local já mostrava sinais de esgotamento. Com uma recepção mais modesta, Jango foi recebido na sede do PTB juntamente com sua comitiva que contava entre outros com deputados, militantes trabalhistas e também pessedistas. Reverenciaram o candidato à vice-presidência, diversos oradores entre eles, Menna Barreto, Celso Busato, vereador trabalhista e João Caruso. Finalizando a ágape, Jango dirigiu-se aos presentes mencionando a força invencível da aliança PTB-PSD, através da qual havia sido eleito Juscelino e nesse pleito consagraria o candidato Teixeira Lott. Declarou também “que com exceção do Rio Grande do Sul, onde ainda existiam incompreensões entre trabalhistas e pessedistas”, nos demais estados havia uma “perfeita unidade de vistas” entre aqueles partidos fundados por Getúlio Vargas. Solicitou também a votação em massa no marechal, embora sabendo que muitos trabalhistas possuíam restrições em relação a sua pessoa.619

O pleito eleitoral de outubro, sem incidentes de maiores repercussões no que tange aos conflitos políticos locais que marcaram os últimos anos da década de 1950, foi de uma certa forma, marcado por uma campanha “mais contida”, e o resultado das urnas trouxe com surpresa a derrota trabalhista local. Jânio Quadros foi vencedor não só em Passo Fundo, mas em nível nacional, chegando a presidência da República. João Goulart eleito vice-presidente, foi derrotado em Passo Fundo pelo líder rebelde Fernando Ferrari. A votação local recebida pelas chapas Lott-Jango foi de 7.031 e 8.022 votos respectivamente, Jânio-Ferrari, 8.693 e 9.609 votos. A diferença pró Jânio foi de 1.662 votos, já entre Ferrari e Jango situou-se na casa dos 1.587 votos.620

No Rio Grande, o PSD não acatou a “aliança com o PTB, conforme decidida em nível nacional”,621apoiando assim a candidatura de Jânio Quadros que venceu também no Estado com a quantia de 541.331 votos, atingindo o percentual de 42,84%, e o marechal Teixeira Lott a soma de 431.497, totalizando 34,15%.622 A diferença entre ambos foi de 109.834 votos. Ferrari derrotou Jango pela quantia de 557.425 com 44,11% dos votos

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O Nacional, 30 jun. 1960.

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Diário da Manhã, 23 ago. 1960; O Nacional, 22 ago. 1960.

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O Nacional, 27 out. 1960.

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CÁNEPA, Mercedes Maria Loguércio. Partidos e representação política: as articulações dos níveis estadual e nacional no Rio Grande do Sul (1945-1965). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005, p. 295.

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contra 472.902 conferidos a João Goulart atingindo 37,42 %,623numa diferença pró-Ferrari de 84.523 votos.

No Rio Grande, o PSD A vitória de Jânio e Ferrari em Passo Fundo representou para as forças situacionistas locais, uma grande derrota equiparando-se segundo a oposição, a “Queda da Bastilha”.624 Com o resultado dessas eleições, os protestos lançados pelos rebeldes liderados por Daniel Dipp - segundo afirmavam -, já se estendia não só pelo Rio Grande, mas também por todo o Brasil.625

Essa conquista mesmo que parcial, trouxe regozijo por parte da ala rebelde de Passo Fundo, sendo festejada como sua - e talvez fosse -, a vitória da candidatura presidencial fora dos quadros petebistas. Comemorada com “comício monstro” e banda de música no Altar da Pátria, vários foram os oradores a pronunciarem-se no evento comemorativo, entre eles os vereadores Canfield, Martinelli, Trein, o jornalista Cafruni entre outros. A oposição como forma de esfriar um pouco os entusiasmos lançou “ovos podres sobre o povo, manchando os trajes dos manifestantes”. Mesmo revoltados com tal ação, as lideranças rebeldes e o povo ali concentrado prosseguiu de forma pacifica sua manifestação, sem policiamento que garantisse ou assegurasse proteção ao evento, situação contrária ao comício de Brizola e Jango na cidade, “fortemente policiado”.626 Mas apesar de toda a euforia que trouxe esse resultado, não houve por parte do grupo rebelde nenhuma demonstração isolada que ficasse evidenciada. As manifestações individuais ficaram por conta da intelectualidade de Cafruni pelas páginas de O Nacional.627 O resultado final, porém, contemplou a todos: a presença de Jânio na presidência se constituiu num trunfo do grupo rebelde, e por sua vez, não ficou completamente desprestigiada a Executiva liderada por César Santos com a vitória de Jango. Mas apesar disso, a derrota dos candidatos trabalhistas num reduto de supremacia petebista como Passo Fundo e no Rio Grande do Sul de um modo geral, vinha demonstrar também que espaços estavam sendo tomados por isso o abatimento628de Brizola com mais uma derrota sofrida.

A derrota de Jango para Ferrari em Passo Fundo deve levar em consideração que o PTB local já não apresentava o mesmo vigor que o alçou a maior força política do pós- 1945. Estava enfraquecido pela cisão que o desfalcou de consistentes lideranças que se agruparam na ala rebelde do partido. César Santos também não mostrava o mesmo

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AS ELEIÇÕES no Rio Grande. Porto Alegre: Edições Síntese, [s.d.], p. 312.

624 O Nacional, 4 out. 1960. 625 O Nacional, 4 out. 1960. 626 O Nacional, 1 out. 1960. 627 O Nacional, 4/5/6/7 out. 1960. 628 O Nacional, 8 out. 1960.

envolvimento com o partido, prova disso foi a tímida recepção de Jango na cidade em comparação ao ruidoso comício de Ferrari. Somado a esses fatores, também a restrição trabalhista a candidatura de Teixeira Lott, companheiro de chapa de Jango, contribuiu para esse resultado desfavorável não somente em âmbito local, mas também estadual.

Para César Santos, a vitória a Jânio Quadros foi um acontecimento comum em países democráticos, onde os resultados de pleitos eleitorais deviam ser recebidos com naturalidade por homens normais. A vitória de Jânio no município constituiu-se, conforme suas palavras, num reflexo dos acontecimentos de âmbito nacional principalmente no que se referia a “simpatias pessoais para com o candidato vitorioso”. Utilizando-se de “discursos bonitos e aproveitamento de motivos de interesse do povo, com a promessa de soluciona-los, exercia elevada fascinação sobre o eleitorado”. A atuação do PTB nessa disputa eleitoral - segundo suas palavras -, “foi sempre das mais corretas e superiores – completamente alheia ao espírito de ódios e de vinganças”.629

De fato, o início da década de 1960 prenunciava, pelo desenrolar dos acontecimentos, ventos mais amenos no que tange a exposição das divergências políticas entre os trabalhistas, tão acirradas desde os últimos anos. Vez por outra, porém, algumas fagulhas reacendiam os embates. Assim aconteceu na Câmara Municipal, entre o vice- prefeito Sinval Bernardon, e o vereador do PTN Romeu Martinelli que protagonizaram, segundo o Diário da Manhã, uma autêntica “Noite das Garrafadas”,630 naquela Casa Legislativa. Ao solicitar apoio dos vereadores para um novo traçado da rodovia Passo Fundo-Porto Alegre, passou a ser aparteado com certa insistência por Martinelli que usando palavras de baixo calão, passou a desmoralizá-lo pessoalmente.631Como os apartes insistentes continuaram, perdendo a compostura Bernardom passou a atingir Martinelli com garrafas, copos, cinzeiros, tudo enfim que encontrava pela frente, atingindo o vereador do PTN com uma garrafada, jorrando o seu sangue pelo chão do Legislativo. Bem lembrado o articulista quando disse que Martinelli tinha “qualquer diferença com a garrafa”632uma vez que já foi alvo do mesmo objeto na tumultuada sessão da ala moça do PTB em 1958, quando a garrafa arremessada por Menna Barreto em sua direção, desviada do alvo, atingiu o acadêmico Paulo Totti. Para Martinelli, porém, o que houve, foram

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Diário da Manhã, 9 out. 1960.

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Diário da Manhã, 10 dez.1960.

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Diário da Manhã, 11 dez. 1960.

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ofensas gratuitas: “o vice-prefeito não foi ofendido, mas ofendeu. Não foi desrespeitado, mas desrespeitou. Não foi agredido, mas agrediu”.633

Mas embora as tensões estivessem em permanente latência, mais controlados estavam os rigores da disputa. Nem mesmo a renúncia634 de Jânio Quadros, o Movimento da Legalidade635 liderado por Brizola no Estado e a posse de João Goulart num sistema parlamentarista acordado às pressas, que proporcionaram dias tensos no cenário político nacional, provocaram ou motivaram pronunciamentos individuais ou coletivos das partes em disputa. É bom lembrar, porém, que Daniel Dipp que mais acirradamente se posicionava contra a Executiva local do partido, especificamente contra César Santos, andava nesses tempos, um tanto afastado das pelejas políticas mais diretas, em decorrência, infere-se, do fracasso sofrido nas eleições municipais de 1959.

Os jornais locais, O Nacional e Diário da Manhã, foram pródigos em publicações de notícias a respeito do assunto. Deixando questiúnculas políticas de lado, ambos foram favoráveis a posse de Jango, ao Movimento deflagrado por Brizola no Rio Grande do Sul e contrários a forma arbitrária de implantação do sistema parlamentarista no Brasil, muito embora ambos favoráveis a esse tipo de regime político.636

A situação do PTB de um modo geral estava enfrentando tempos difíceis. Afora os acontecimentos conturbados oriundos da renúncia de Jânio Quadros, também no Rio Grande do Sul e em Passo Fundo o partido vinha pouco a pouco perdendo sua hegemonia.

No documento 2006SandraMaraBenvengnu (páginas 169-175)