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A PERSPECTIVA DE ANÁLISE

SUMÁRIO

A DANÇA NAS DISCUSSÕES SOBRE CULTURA 161 1 “A dança como manifestação artística que tem presença

2. A PERSPECTIVA DE ANÁLISE

Definidos os pares da pesquisa, trabalhei com os projetos pedagógicos como fonte, entendendo que o projeto pedagógico de um curso é um documento importante no processo de sua constituição.

Aqui, o projeto pedagógico é entendido como um documento legal, que toma como referência outros documentos legais que lhe dão sustentação; assim, este estará sempre balizado por uma lei que lhe dá normatização. Neste caso, a atual educação brasileira toma como base a LDB nº 9394/96, que prevê o ensino

em nível superior e os componentes curriculares do ensino básico, para os quais exige formação específica.

A formação de professores para a educação básica está normatizada pela Resolução CNE/CP nº 01/2002, a qual institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.

Os cursos de educação física têm na Resolução CNE/CES nº 07/2004 instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena; e os cursos de dança têm na Resolução CNE/CES nº 03/2004 estabelecidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Dança.

Desta forma, entendo que a legislação de ensino, seja da educação básica, seja da educação superior, caracteriza-se como um ordenamento jurídico específico, e essas legislações relacionam-se com outros ordenamentos anteriores ou posteriores a elas (FARIA FILHO, 1998). Neste caso, os projetos curriculares dos cursos de educação física e dança têm normatizações que lhes dão sustentação, assim como darão sustentação a outras, a exemplo dos programas das disciplinas.

Tomando as análises de Faria Filho40 sobre a legislação como fonte de pesquisa, entende-se a legislação como uma linguagem e uma prática social presente na sociedade. Para esse autor, a lei deve ser entendida como linguagem, na qual

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Luciano Mendes de Faria Filho escreve: “A legislação escolar como fonte para a história da educação: uma tentativa de interpretação”, no livro produzido a partir de um Seminário sobre Fontes para a história da educação no século XIX, na FaE/UFMG em 1997. Esse texto compõe o livro “Educação, Modernidade e Civilização: fontes e perspectivas de análises para a história da educação oitocentista”, organizado pelo autor, e publicado pela Editora Autêntica em 1998.

[...] a lei é a linguagem da tradução e dos costumes, do ordenamento jurídico e da prática social. Ou ainda, dizendo de outra forma, a lei somente é lei porque encontra sua expressão numa determinada linguagem legal. Nessa, perspectiva, a lei enquanto linguagem é constituinte desta linguagem e, por outro lado e, ao mesmo tempo, é constituída por ela (FARIA FILHO, 1998, p.102).

Para o autor (1998, p.92), faz-se necessário entender a legislação “como ‘espaço’, objeto e objetivo de lutas políticas”. Isso pode ser exemplificado com as normatizações citadas anteriormente, desde a LDB e as diretrizes das áreas, até os projetos curriculares dos cursos nas universidades.

Normalmente, a legislação e os documentos produzidos a partir dela são entendidos como expressão ideológica de uma classe dominante, ou da classe que detém o poder. Mesmo reconhecendo que isso realmente se explicita na constituição social de documentos públicos, é importante destacar, como faz o autor, que eles trazem mais que isso. Faria Filho (1998, p.98-99) está

[...] defendendo a tese de que produzir a legislação como corpus documental significa enfocá-la em suas varias dimensões. Isso permite um triplo movimento: inicialmente, uma crítica às concepções mecanicistas da legislação, que, grosso modo, a entendem como campo de expressão e imposição, única e exclusivamente, dos interesses das classes dominantes; em seguida, creio que permitiria surpreender a legislação naquilo que, me parece, ela tem de mais fascinante: a sua dinamicidade; e finalmente, abriria mais uma possibilidade de interrelacionar, no campo educativo, várias dimensões do fazer pedagógico, as quais, atravessadas pela legislação, vão desde a política educacional até as práticas da sala de aulas.

Sob essa ótica, os projetos pedagógicos dos cursos analisados são atravessados por essa discussão, são documentos-fontes desta pesquisa. Compreendo que o currículo materializa-se nas relações sociais de produção, se expressa muito além do que está escrito, registrado, dito, prescrito, nos documentos oficiais. Porém nesses últimos, e no caso em estudo, nos projetos curriculares dos cursos de licenciatura, estão expressas marcas fundamentais de uma perspectiva de conhecimento, neste caso sobre o conhecimento dança, que se pretende assegurar ao professor em formação, e, consequentemente, à escola.

Tais projetos explicitam campos de disputa, que se expressam nos debates e nos embates de referenciais que vão sendo produzidos, delimitando os sentidos e significados de cada área no processo de formação de professores. Eles expressam um campo de expressão e construção de relações e lutas sociais que vão se consolidando ao longo das discussões da área, desde seu documento de diretrizes até a sua efetivação em um curso específico. Esse campo de disputa reflete as tensões entre as legislações, as concepções de conhecimento e os projetos político-pedagógicos dos cursos.

De tal modo, os projetos trazem à tona sentidos e significados de cada sujeito, do corpo docente e do corpo discente, e também inúmeros outros sentidos e significados construídos no horizonte social e cultural que os envolve. Por sua vez, esse projeto vai receber inúmeras réplicas tanto daqueles que participaram direta e indiretamente de sua produção, como de outros que venham a entrar em diálogo com ele, como é o meu caso, no papel de pesquisadora.

Bakhtin41 ao falar do livro, um discurso científico, anuncia um entendimento que considero pertinente ao projeto pedagógico, um discurso oficial. Afirma que:

O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento da comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado no quadro do discurso interior, sem contar as reações impressas, institucionalizadas, que se encontram nas diferentes esferas da comunicação verbal (críticas, resenhas, que exercem influência sobre os trabalhos posteriores, etc.). Além disso, o ato de fala sob a forma de livro é sempre orientado em função das intervenções anteriores na mesma esfera de atividade, tanto as do próprio autor como as de outros autores: ele decorre portanto da situação particular de um problema científico ou de um estilo de produção literária. Assim, o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc. (BAKHTIN, 2006, p.127-128).

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BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud; Yara Frateschi Vieira. 8.ed. São Paulo: Hucitec, 1997. Obra publicada em 1929 na Rússia, tendo sido assinada por Volochínov, um de seus discípulos. Traduzida pela Editora Hucitec, em 1981, com base na versão francesa publicada em 1977.

Os projetos pedagógicos dos cursos constituem um discurso escrito que viveu e vive uma intensa discussão ideológica, na qual o tempo e o espaço para suas formulações foram construídos ao longo de todo o seu percurso de existência e consolidação.

Todos os cursos analisados apontam que o movimento de rediscussão curricular buscou a participação ampliada de alunos e professores, bem como de consultores externos, explicitando uma significação para a formação de professores da área.

A leitura dos projetos levou-me a produzir inúmeras questões; tantas que me colocaram em um lugar de grandes temas, de muitas possibilidades de objetos de pesquisa.

Tomando a pesquisa documental como referência, recorro a Lüdke e Andre42 que ao apresentar as vantagens do uso de documentos para pesquisa, adotam os argumentos de Guba e Lincoln (1981). Destaco que um desses argumentos é que os documentos são fontes estáveis e ricas, eles persistem “[...] ao longo do tempo, os documentos podem ser consultados várias vezes e inclusive servir de base a diferentes estudos, o que dá mais estabilidade aos resultados obtidos” (LÜDKE e ANDRE, 1986, p.39).

Esses autores destacam, com base em Holsti (1969) que uma das situações em que é apropriado o uso da pesquisa com base em documentos é

Quando o interesse do pesquisador é estudar o problema a partir da própria expressão dos indivíduos, ou seja, quando a linguagem dos sujeitos é crucial para a investigação. Nesta situação incluem-se todas as formas de produção do sujeito em forma escrita, como redações, dissertações, testes projetivos, diários pessoais, cartas etc. (LÜDKE e ANDRE, 1986, p.39).

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LÜDKE, Menga e ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: E.P.U, 1986.

A partir da pesquisa documental, tomando os projetos pedagógicos como fonte, recorri à análise dos documentos privilegiando uma discussão mais pontual dos textos. Essa análise iniciou com diversas leituras dos projetos pedagógicos buscando situá-los no processo de formação de suas respectivas universidades, bem como de suas escolas, faculdades ou institutos de inserção. Em seguida, produzi uma síntese de seu corpo teórico de forma a apresentar ao leitor sua constituição. Ao longo dessa leitura, fui identificando inúmeros fragmentos do texto que me permitiram refletir sobre a compreensão apresentada a respeito da dança nos projetos curriculares.

Diante das leituras, saltavam aos meus olhos vários trechos dos documentos, que me deixavam por vezes paralisada; por outras, inquieta. Eles me chamavam ao diálogo, indagavam-me, colocavam-me em um tempo e espaço para entender seus sentidos e significados produzidos na construção do texto. Eram como indícios, sinais, que apareciam no texto diante da minha leitura.

Acompanhando a reflexão de Ginzburg43, que ao escrever sobre as raízes de um paradigma indiciário, procura fazê-lo no sentido de compreender como se constitui esse modelo desde o homem caçador, que buscava os indícios dos animais para caça, até o historiador. O autor inicia com o método do italiano Giovanni Morelli, do final do século XIX, que para identificar obras de arte, buscava seus detalhes nos olhos, sorrisos, mãos, orelhas, detalhes estes negligenciados quando executadas as cópias. Morelli será comparado a um detetive criminal que busca, baseado em indícios, o crime dos quadros, sendo, através de uma analogia, comparado aos métodos de Sherlock Holmes na literatura, e a Freud na psicanálise.

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GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p.143-179.

O paradigma indiciário, por sua vez, foi usado com maestria para o controle social, a exemplo do uso das impressões digitais. Porém ressalta o autor:

Mas o mesmo paradigma indiciário usado para elaborar formas de controle social sempre mais sutis e minuciosas pode se converter num instrumento para dissolver as névoas da ideologia que, cada vez mais, obscurecem uma estrutura social como a do capitalismo maduro. Se as pretensões de conhecimento sistemático mostram-se cada vez mais como veleidades, nem por isso a idéia de totalidade deve ser abandonada. Pelo contrário: a existência de uma profunda conexão que explica os fenômenos superficiais é reforçada no próprio momento em que se afirma que um conhecimento direto de tal conexão não é possível. Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-la (GINZBURG, 1989, p.177).

Desse modo, dentre inúmeras possibilidades, segui os sinais, indícios, que se apresentavam nos projetos, que me convidavam ao diálogo. Destaquei seis fragmentos extraídos dos documentos, que são temas que perpassavam o foco da pesquisa, qual seja, a compreensão sobre dança presente nos projetos dos cursos de formação de professores de dança e de educação física.

Os fragmentos destacados são apresentados abaixo:

1. “A dança como área de conhecimento” e “A dança como conhecimento clássico da Educação Física”;

2. “Na dança tanto seu objeto quanto seu instrumento profissional é o próprio corpo”;

3. “Linguagem da dança” – “Linguagens corporais” – “Linguagens do movimento” – “Linguagens artísticas”;

4. “A dança é uma manifestação artística que tem presença marcante na cultura popular brasileira”;

5. “No momento damos, a essa área de conhecimento que se constrói a partir dessas atividades, a denominação de Cultura Corporal”;

Apresento, a seguir, uma síntese dos projetos pedagógicos dos cursos em análise, de forma a situá-los no cenário da formação universitária brasileira,

destacando-os no tempo e espaço de sua consolidação. Pode-se consultar os projetos dos cursos analisados nos anexos 02, 03, 04 e 05.

3. AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PESQUISADAS E SEUS