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CAMINHOS DA INTERVENÇÃO PRECOCE

1.3. Perspectiva Histórica da Educação para a Infância

Para Comenius (1592 - 1670) a "Escola da Mãe" seria o veículo mais apropriado para a educação nos primeiros seis anos de vida. Defendia, também, que a criança aprendia espontaneamente... brincando com o que quer que seja que pudesse ser aprendido, em casa. John Locke (1632 - 1709) popularizou a ideia de "tábua rasa". Jean-Jacques Rousseau (1712 - 1778), um defensor, ainda mais convicto, da natureza, defendeu a teoria do "laissez-faire", nos primeiros anos da infância, para permitir o desenvolvimento, natural, dos talentos do indivíduo. Estas visões influenciaram as experiências educacionais de Tolstoi

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(1867), no século XIX, na Europa (Greven, 1973; Wishy, 1968, cit. por Shonkoff & Meisels, 2000).

Os primeiros Jardins de Infância assentavam numa base filosófica de valores religiosos, tradicionais, e na crença da importância da aprendizagem através de brincadeiras supervisionadas. Surgiram na Alemanha, através de Friedrich Froebel, no início de 1800. Este espírito dominou também os Estados Unidos onde surgiu a primeira escola pública infantil em St. Louis, no ano de 1872. Por recomendação da Associação da Educação Nacional, a Escola Infantil tornou-se parte integrante do sistema público escolar (Peterson, 1987, cit. por Shonkoff & Meisels, 2000).

O contexto, para o desenvolvimento da escola infantil, no século XIX, é criado pela industrialização, urbanização e escolarização. Os apoios a este movimento vêm de grupos filantrópicos e os benefícios vão sobretudo para crianças pobres, da classe dos emigrantes, a viverem em bairros pobres, urbanos.

O movimento da escola infantil sofreu uma evolução nas décadas seguintes; Os tradicionalistas permaneceram leais à filosofia de Froebel, enquanto os reformistas foram no sentido de liberalizar a experiência da escola infantil e perspectivá-la para além da sua função moralista, fazendo emergir a disciplina da psicologia da criança para princípios empíricos baseados em observações sistemáticas, informação e análise da investigação sobre o desenvolvimento da criança. Em 1900 a teoria pragmática de John Dewey, assim como, a abordagem desenvolvimental de G. Stanley, exercem particular influência na Educação da Infância.

Com a evolução da investigação sobre o processo desenvolvimental e dos modelos políticos e sociais, também o debate sobre os objectivos da escola infantil evoluiu até aos dias de hoje. Os objectivos principais alternam entre uma ênfase no campo académico e uma ênfase no desenvolvimento emocional e social que incluiu a exploração e descoberta do mundo.

À semelhança do sistema pré-escolar também os infantários têm origem na Europa.

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Em 1910, surge o primeiro infantário em Londres que começou por ser uma clínica de saúde, dando origem, mais tarde, a uma escola ao ar livre, concebida para prestar serviços de prevenção, para responder às necessidades sociais, físicas, emocionais e intelectuais das crianças.

Entretanto, em Itália, Maria Montessori abre o primeiro infantário, nos bairros pobres de Roma. Montessori, médica e directora de uma instituição para crianças com atrasos mentais, aplicou os métodos que desenvolveu, para treinar crianças com incapacidades intelectuais e para a educação pré-escolar de crianças pobres, de áreas urbanas.

O interesse pelo método Montessori verifica-se apenas no final do século XX, no seio das classes médias, mais do que entre aqueles que trabalham com crianças pobres ou com incapacidades, populações para as quais o método foi originalmente concebido (Peterson, 1987, cit. por Shonkoff & Meisels, 2000). Inicialmente, o modelo de Montessori conheceu, nos Estados Unidos, uma resistência por parte dos conservadores Frobelianos, e pelos liberais da filosofia de Dewey e movimento positivista emergente.

No início dos anos trinta existiam, aproximadamente, duzentos infantários, nos Estados Unidos, encontrando-se, metade destes, associados a universidades, incluindo alguns dos mais produtivos laboratórios de desenvolvimento da criança, deste país.

Com o emprego de um grande número de mulheres da classe média para apoiar o esforço da II Guerra Mundial, aumenta o número de infantários. Terminada a guerra, muitas mulheres deixaram o seu trabalho para criar os filhos e muitos programas encerraram.

Sem recursos públicos, os infantários, contrariando a sua missão, inicial, de servir crianças pobres, tornaram-se, crescentemente, disponíveis somente para aqueles que tinham recursos para uma instrução privada.

Hoje, as mulheres combinam o trabalho fora de casa com o cuidado dos seus filhos, o que torna difícil a distinção entre os programas, de cuidados à criança, e infantários. Recomeça, neste contexto social, o debate entre "cuidado" e educação nos primeiros anos. (Bamette Frede, 1993; Hauser-Cram, Pierson, Walker & Tiwan, 1991; Kahn, 1995; Provence, Naylor & Patterson, 1997, cit. por Shonkoff & Meisels, 2000).

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1.3.1. Da Educação Pré-Primária à Intervenção Precoce

Os serviços de I.P. têm sido influenciados, significativamente, pela história da educação das crianças antes da entrada na escola primária.

Um currículo centrado na criança; uma ênfase no início da socialização da criança fora da família; um aumento da compreensão do desenvolvimento e uma crença na importância dos primeiros anos para o desenvolvimento de competências como a social, emocional e intelectual, constituem os aspectos centrais dos primeiros programas de intervenção. Este modelo conceptual combinado com a diversidade de materiais, recursos e técnicas, aperfeiçoados ao longo dos anos está na base das actuais actividades dos programas contemporâneos da I.P..

1.3.2. Da Educação Especial à Intervenção Precoce

A evolução dos serviços de I.P. na infância está associada à história dos serviços da educação especial para crianças com incapacidades.

Vai longe o tempo em que crianças, com anomalias físicas ou incapacidades visíveis, eram, muitas vezes, vítimas de eutanásia activa ou passiva.

Durante a Idade Média e nos séculos seguintes, os indivíduos com atraso mental eram tolerados como pedintes da rua (Aries, 1962, cit. por Shonkoff & Meisels, 2000), ou aprisionados, ou, de outra forma, institucionalizados (Chase, 1980, cit. por Shonkoff & Meisels, 2000).

A primeira tentativa de educação especial começou com Itard, no final do século XVIII, para ensinar o "rapaz selvagem" de Aveyron. Itard concebeu uma "modificação do comportamento" - "avant la lettre" - ao utilizar um conjunto de técnicas, de treino sensorial, muito estruturadas.

Edouard Seguin, da escola de Itard, tornou-se o mais importante pioneiro deste campo. Seguin desenvolveu, como director do Hospício dos Incuráveis, em Paris, um "método psicológico de educação", para crianças com incapacidades, que tinha como base uma avaliação detalhada das forças e fraquezas do

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indivíduo e um plano específico de actividades sensório-motoras, concebido para corrigir dificuldades ligeiras. Seguin realçou a importância da educação precoce, descrevendo os sinais precoces do atraso, a nível do desenvolvimento. O trabalho de Seguin serviu de inspiração a Montessori que adoptou os seus métodos para a educação pré-escolar de crianças pobres, em Roma.

1.3.3. Assistência Institucional

No início do século XIX, com a ida de Seguin para os Estados Unidos, assiste-se à construção de Instituições do tipo internato que adoptam as suas técnicas de ensino. Em 1876, foi constituída, sob a presidência de Seguin, a "Associação de Médicos das Instituições Americanas para Pessoas com Atraso de Desenvolvimento e Mentalmente Anormais", para permitir a comunicação entre os interessados na educação dos indivíduos com atraso mental. Em 1906 esta organização tomou o nome de "Associação Americana para o Estudo dos Mentalmente Anormais"; em 1933, foi alterada, novamente, a designação para "Associação Americana dos Deficientes Mentais" e, em 1987, o nome mudou, para "Associação Americana dos Atrasados Mentais". No final do século XIX, as instituições asilares, nos Estados Unidos, iniciaram a integração das pessoas que atendiam, na vida da comunidade, realizando grandes esforços no desenvolvimento de estratégias de ensino (Crissey, 1975, cit. por Shonkoff &

Meisels, 2000).

No início do século XX, contudo, as instituições residenciais, alteraram a sua missão de integração social para uma custódia supervisionada e isolada. Henry Goddard e Louis Terman contribuíram para esta viragem. Pertenciam ao movimento científico que pretendia a formação de crianças intelectualmente saudáveis, com o objectivo de "melhorar o património genético humano" e empregaram a novíssima tecnologia desenvolvida para testes de inteligência, identificando grupos específicos, com o sentido da discriminação e exclusão social. Foram divulgadas informações que forneciam "validação científica" da relação entre atrasos mentais e comportamento delinquente e os resultados dos testes de inteligência eram usados para justificar a legislação racista que

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restringia, por exemplo, a emigração. A dureza da retórica das comunidades de psicologia desafiou o optimismo, prematuro, da educação especial e as instituições assistenciais foram, então, transformadas em armazéns deprimentes para pessoas esquecidas e negligenciadas (Shonkoff & Meisels, 2000).

1.3.4. A Importância das Primeiras Relações

Muitos investigadores começam a estudar as consequências adversas da privação das primeiras relações humanas, à medida que a comunidade científica, que estuda o desenvolvimento da criança começa a explorar os processos através dos quais os resultados do desenvolvimento podem ser afectados pelo ambiente educativo da criança.

A atenção dos investigadores centrou-se, inicialmente, nos efeitos da institucionalização, no desenvolvimento cognitivo e sócio-emocional das crianças (Provence & Lipton, 1962; R. A. Spitz, 1945, cit. por Shonkoff & Meisels, 2000). Estes estudos demonstram o impacto destrutivo do isolamento que caracteriza orfanatos, hospitais e outras instituições.

Spitz caracteriza este síndrome como "hospitalismo", que inclui atrasos de crescimento, relações sociais não adaptadas e problemas relacionados com a saúde.

A numerosa literatura que tais estudos gerou, refere a maleabilidade do início do desenvolvimento humano e, consequentemente, a justificação para a intervenção nos primeiros anos de vida (Kirk, 1958; Richardson & Koller, 1996; H. Spitz, 1986, in Shonkoff & Meisels, 2000).

Nos anos 50, com o apoio da Organização Mundial de Saúde, John Bowlby apresenta um modelo teórico, resultante de estudos empíricos sobre privação. Bowlby investigou as consequências da privação materna, na saúde mental, das crianças.

A fundamentação teórica de Bowlby serviu, como base, para alguns estudos longitudinais (Ainsworth, 1969; Bretherton & Waters, 1985; Werner & Smith, 1977, 1982, 1992, in Shonkoff & Meisels, 2000). A informação gerada por estes diversos estudos contribuiu com importantes "insights" para o crescente

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interesse nos serviços de intervenção para crianças vulneráveis. O processo de desenvolvimento foi dado como algo complexo e transaccional, tomando-se claro que os resultados são mediados pelos efeitos da "natureza" e "educação" (Shonkoff & Meisels, 2000).

O envolvimento directo dos pais e da comunidade na educação das crianças é, portanto, considerado como primordial ao seu bom desenvolvimento.

1.4. Conceptualização, Contextos e Modalidades da Educação