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Forghieri (1993) defende a utilização da pesquisa qualitativa, alegando a amplitude e complexidade do psiquismo humano, que apresenta vários aspectos que não podem ser Investigados somente a partir da observação externa. Destaca a consciência do homem em relação à sua vida e a atribuição de significados que dá à sua existência, em que “as situações que alguém

vivencia não possuem, apenas, um significado em si mesmas, mas adquirem um sentido para quem as experiencia, que se encontra relacionado à sua própria maneira de existir” (Forghieri, 1993, p. 58).

Como nos fala Husserl (1992), em “Investigações Lógicas”, podemos expressar atos de toda espécie, atos estes que não são meras palavras, porque adquirem expressão ao nível do pensamento. Assim, da mesma forma que formulamos juízos a respeito de acontecimentos externos, também o fazemos com igual propriedade em relação a nós mesmos e às nossas vivências internas.

Como pesquisa, a Fenomenologia caracteriza-se por ser descritiva. Merleau-Ponty argumenta que “o real deve ser descrito, não construído ou

porque é uma pesquisa de natureza, que busca compreender o que é determinada coisa, num processo de construção da teoria a partir dos fatos, em que a palavra é mais importante que os números (Amatuzzi, 2001). A fenomenologia parte da experiência e vivência concreta; busca conhecer o que é determinada coisa, compreender o que se passa, descrever a idéia, a essência, e é, portanto, eidética.

Conforme Bello, o primeiro passo do método fenomenológico, segundo Husserl, “(...) é colocar em evidência o fato de que nós conseguimos

imediatamente captar o sentido essência (eidos) das coisas” (Bello, 2004, p.

82). Para alcançar a essência das coisas, propõe-se colocar entre parênteses, reduzir à essência, e assim, promover uma redução eidética (Bello, 2004). Para se fazer uma redução eidética, retira-se a existência factual, deixando a essência, “não se trata de negar a existência, mas apenas de colocá-la de

lado” (Bello, 2004, p. 85).

É importante destacar que, em se tratando de pesquisa fenomenológica, seu desenvolvimento metodológico encontra-se em estado inicial, não dispondo, portanto, de “(...) paradigmas prontos que dão origem a métodos a

serem usados, pronto-à-mão” (MartIns e Bicudo, 2003, p. 93). Para Amatuzzi, a

fenomenologia tem como um de seus principais aspectos a ausência de uma compreensão prévia do fenômeno; ela não parte de uma concepção já elaborada, mas das coisas mesmas, comprometendo-se com a busca da verdade, rejeitando a manipulação da realidade. Abre-se para interrogar o fenômeno e não categorizá-lo de antemão (Amatuzzi, 2001).

Por constituir-se como uma pesquisa do vivido, a metodologia fenomenológica considera os participantes como colaboradores e não como sujeitos investigados. Conforme Amatuzzi (2001), o que o pesquisador deve buscar no relato é justamente “(...) experiência intencional, vivida. Não os fatos

que possam ser inferidos, não a estrutura de pensamento subjacente revelada pelo uso de determinadas palavras, não o desejo oculto e camuflado pelo discurso” (Amatuzzi, 2001, p.18). Complementando, Martins e Bicudo (2003)

salientam que “o fenomenólogo respeita as dúvidas existentes sobre o

fenômeno pesquisado e procura mover-se lenta e cuidadosamente de forma que ele possa permitir aos seus sujeitos trazerem à luz o sentido por eles percebidos sobre o mesmo” (Martins e Bicudo, 2003, p. 92). Nesse sentido, os

autores destacam a ausência de referências a variáveis dependentes e independentes, como critérios científicos. Temos, portanto, que a fenomenologia inspira a postura do pesquisador e a sua sensibilidade aos fenômenos e às experiências dos colaboradores. A inspiração vem de uma abertura ao fenômeno tal como ele acontece, sem procurar, para isso, um enquadramento da experiência em teorias pré-concebidas. Podemos remeter- nos novamente a Merleau-Ponty (1999), quando critica a postura meramente científica, que ignora que o mundo é sabido a partir de uma visão e experiências particulares de mundo sem as quais

(...) os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da qual ela é expressão segunda. (Merleau-Ponty, 1999, p. 3)

Ao falar da pesquisa do vivido, é preciso considerar que esse vivido emerge através da fala, sendo, portanto, acessado por meio de suas versões, o que exige do pesquisador uma redução fenomenológica, para que o vivido apareça na forma mais pura possível. A redução consiste em uma suspensão das convenções, teorias, idéias e estruturas de pensamento para chegar aos atos mesmos, permitindo, assim, o acesso ao fenômeno tal como ele se dá. Holanda destaca “(...) a questão da redução eidética, ou a capacidade de intuir

imediatamente o que é essencial” como “(...) um conceito fundamental à Fenomenologia e crucial à sua aplicação ao estudo da experiência religiosa”

(Holanda, 2004, p. 50).

Uma postura fenomenológica no estudo das questões relativas à religião, à sexualidade e sua à vivência vem dizer de um respeito e de uma atitude de permitir que o fenômeno apareça da forma como acontece e não da forma como pensamos que deveria acontecer. É o “colocar entre parênteses

todos os ‘a priori’”, permitir a aparição do fenômeno, sem para isso precisar

qualificá-lo previamente (Freitas, 2003). Como conclui Maciel (2001), a fenomenologia tem se mostrado uma “abordagem adequada para se entender

o que seja o humano – o que implica em afirmar que uma ‘atitude fenomenológica’ é de grande auxílio para implementar o trabalho daqueles que labutam em campo psi” (Maciel, 2001, p. 7). Encontramos, portanto, na

Fenomenologia, a base que sustenta a postura do pesquisador que se abre para a compreensão do fenômeno e não apenas para a sua verificação.

Amatuzzi (1999) destaca que “a pesquisa fenomenológica da

de suas sistematizações. É um esforço de dizer sempre de novo a pureza original dessa experiência e seus desdobramentos” (Amatuzzi, 1999, p.125).

Para o autor, a idéia de experiência implica que se tenha sobre ela uma determinada consciência. É essa consciência que torna possível a experiência vivida e não apenas a existência de fatos. Sobre a experiência, a autor se refere ainda ao seu grau de elaboração, que é justamente o dar-se conta do que acontece, sem tecer sobre ele nenhum julgamento. É o entrar em contato direto com a realidade e não com conceitos. A importância de atentar para o grau de elaboração da experiência deve-se ao fato de que as interpretações podem distorcê-la, ou distanciá-la de nós. Para Amatuzzi, “(...) certas ou

erradas (as interpretações), podem se tornar rígidas e passam a determinar nossos comportamentos posteriores, até impedindo de nos darmos conta de certos fatos, isto é, impedindo-nos de experienciar verdadeiramente”

(Amatuzzi, 1999, p.126).

Na pesquisa fenomenológica, os relatos são considerados pelo que são; a busca é saber o que o sujeito pretende realmente dizer. “O que ele (pesquisador) busca no relato é a experiência intencional, vivida. Não os fatos

que possam ser inferidos, não a estrutura do pensamento subjacente revelada pelo uso de determinadas palavras, não o desejo oculto e camuflado pelo discurso” (Amatuzzi, 2001, p.18). Esta pesquisa, embora utilize pressupostos

teóricos que embasem a sua investigação, busca Inspiração na fenomenologia na forma de conduzir as entrevistas, bem como em todo o processo investigativo, no sentido de deixar surgir a experiência do vivido (Amatuzzi). E também, na análise dos dados a partir da proposta de Gomes (1997).

Insistimos na afirmação de uma postura e inspiração fenomenológica, pelo fato de ser impossível fazer fenomenologia pura quando se trata de pesquisa em Psicologia. Bruns (2001) nos lembra que

a fenomenologia possibilitou à Psicologia uma nova postura para inquirir os fenômenos psicológicos: a de não se ater somente ao estudo de comportamentos observáveis e controláveis, mas procurar Interrogar as experiências vividas e os significados que o sujeito lhes atribui, ou seja, o de não priorizar o objeto e/ou sujeito, mas centrar-se na relação sujeito-objeto-mundo. (Bruns, 2001, p. 60-61)

3.3- COLABORADORAS

As colaboradoras deste estudo são três mulheres católicas, residentes em Paracatu/MG, que participam ativamente de movimentos da igreja: Encontros de casais; Renovação Carismática; Grupos de Jovens (EAC – Encontro de Adolescentes com Cristo; MAC – Movimento de Amizade em Cristo; EJC – Encontro de Jovens)3 e Catequese. As três são casadas, estudantes universitárias no período noturno e trabalham no período diurno. Serão apresentadas ao longo do trabalho como Aline (23 anos), Bárbara (44 anos) e Clara (43 anos), todos nomes fictícios, visando preservar suas identidades.

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São movimentos que visam despertar e fortalecer o compromisso com a Igreja: EAC – até 15 anos, MAC – 15 a 19 anos, EJC – a partir de 19 anos. Esses grupos são responsáveis pela evangelização, têm como coordenadores casais e participantes da Igreja, que são chamados de “tios”, são como orientadores dos grupos.

Todas elas nasceram e cresceram em cidades do interior dos estados de Goiás e Minas Gerais. A renda familiar mensal das participantes varia entre 2 e 6 salários mínimos. Na casa de Aline, moram ela, o marido e a filha. Não é casa própria, mas não pagam aluguel, por ser uma casa da família. Bárbara vive com o marido e três filhos, sendo dois deles também estudantes universitários. Pagam aluguel desde que se mudaram para a cidade e, segundo ela, o marido nunca se preocupou em comprar um imóvel. Clara mora com dois dos seus três filhos, a nora e dois netos, e seu marido fica a maior parte do tempo fora da cidade. Tem casa própria, mas mantém a casa alugada, como forma de Investimento. Para isso, mora em uma casa mais simples e de aluguel mais barato.

A pesquisa aconteceu na cidade de Paracatu/MG, local de residência da pesquisadora. Os questionários foram preenchidos individualmente por cada participante e as entrevistas foram realizadas no consultório particular da pesquisadora.

Os dados de identificação das colaboradoras foram reunidos em um quadro informativo para facilitar sua visualização.

ALINE BÁRBARA CLARA

Idade 23 anos 44 anos 43 anos

Naturalidade/ Infância

DF

Criada no Interior de Minas Gerais

Interior de Goiás Interior de MInas Gerais Escolaridade Superior Incompleto Superior Incompleto Superior Incompleto

Estado civil Casada Casada Casada

Movimento religioso do qual participa - EEC – Encontro de Casais com Cristo (3 anos) - MAC – - MAC – Movimento de Amizade com Cristo (2 anos) – É - Renovação Carismática

Movimento de Amizade com Cristo (5 anos) – É tia no movimento - Liturgia (8 anos) tia no movimento - Renovação Carismática - Catequese Renda familiar 3 SM 6 SM 2 SM 3.4- INSTRUMENTOS DE PESQUISA

A pesquisa organizou-se em duas etapas: a) Para a investigação da crença religiosa, foi empregado o Questionário Pratt sobre crença religiosa, material traduzido por Norberto Abreu e Silva Neto, em 1998, e adaptado por Freitas, em 2002. b) Para investigar a sexualidade, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, organizadas através de temas eixo.

3.4.1 – Questionário Pratt sobre crença religiosa

O questionário utilizado nesta pesquisa, apresentado no Anexo B, é uma versão adaptada por Freitas (2002), em sua tese de doutoramento, a partir da tradução realizada por Norberto Abreu e Silva Neto em 1998. Em sua tese, a autora adotou dois modelos de questionário, um dirigido a crentes e outro a não crentes. Como as participantes da presente pesquisa são todas crentes, a versão utilizada foi justamente aquela destinada a este público. Uma alteração foi feita na questão nove. Na versão apresentada por Freitas (2002), como seu

público alvo era de denominações religiosas diversas, ela acrescentou um sub- item:

9.2- Se você não aceita a Bíblia como autoridade religiosa, mas aceita outro texto, como por exemplo, Alcorão ou Torá, por favor, declare este fato. Neste caso, responda às mesmas questões anteriores em relação a este texto que você aceita como autoridade. (Freitas, 2002, p. I-4)

Como o público da presente pesquisa é todo católico, este sub-item tornou-se desnecessário, pois poderia acarretar confusão de entendimento por parte das participantes.

O instrumento é composto por dez perguntas, apresentadas por um breve cabeçalho, que foi modificado minimante, visando facilitar o entendimento das participantes. Freitas (2002) chama a atenção para a elaboração das questões, em que se percebe certa ambigüidade em relação às mesmas. Isso acontece especificamente com as questões um, dois e três, para as quais o leitor não recebe instruções sobre suas respostas, ou seja, deve-se responder a apenas uma ou a mais questões. A autora ressalta, entretanto, que essa ambigüidade “(...) do ponto de vista fenomenológico, acentua a

riqueza do Instrumento que não se pretende fechado” (Freitas, 2002, p. 20).

Destaca ainda o fato de ter sido elaborado na segunda pessoa do singular, o que favorece o afloramento da subjetividade, e confere ao relato mais pessoalidade. Além disso, a autora refere-se também a uma observação feita pelo próprio Pratt (1907), ao falar sobre a estruturação do questionário. Segundo ela, “(...) o simples fato de se deparar com uma questão formulada já

tende a colocar a mente num estado teórico e não usual; Influenciando consideravelmente as respostas dos sujeitos” (Freitas, 2002, p. 20).

A escolha do Questionário Pratt sobre crença religiosa deve-se ao fato de ser um instrumento que atende aos objetivos investigativos dessa pesquisa ao pretender uma análise qualitativa da crença religiosa. Outro fator relaciona- se a um crescente interesse por sua aplicação em pesquisas, como já foi descrito no item 1.3.

3.4.2- Entrevista semi-estruturada

A escolha da realização de entrevistas semi-estruturadas deu-se por estas permitirem uma maior flexibilidade na obtenção de informações (Carvalho, 1999). Tal escolha torna-se oportuna, caso seja necessário algum esclarecimento, ou melhor entendimento ao longo do relato, tanto por parte do entrevistado quanto do entrevistador, além de possibilitar uma observação ampla do sujeito em relação ao que diz e também a como diz. O roteiro de entrevista (Anexo C) foi elaborado a partir de roteiro já utilizado por Carvalho (1999) em pesquisa sobre sexualidade e religiosidade realizada com adolescentes e adaptado por nós.

Moraes e Ribeiro (2004) destacam a entrevista como o instrumento que permite um maior acesso, e por conseqüência, compreensão do vivido. Segundo Amatuzzi (2001), surpreender o vivido é justamente o objetivo principal de uma entrevista. Mas, de acordo com o autor, essa aproximação do

vivido não se dá sem um duplo esforço daqueles que participam da entrevista. Entrevistador e entrevistado precisam “(...) ir além das estruturas já dadas, (...)

além dos modos habituais de pensar, e buscar uma conexão mais fluente com a experiência” (Amatuzzi, 2001, p. 21). Para que isso aconteça, o autor

descreve duas condições. Uma depende do pesquisador, que precisa deixar suas estruturas de pensamento à parte, para que assim consiga acessar o fenômeno. A essa condição dependente do pesquisador, Amatuzzi (2001) chama de redução fenomenológica. A segunda condição, também dependente do pesquisador, precisa contar com a disponibilidade do entrevistado, pois ele será afetado pela entrevista. O autor escreve que uma boa entrevista fenomenológica muitas vezes promove mudanças no entrevistado, não o deixa como era antes. O colaborador é levado a pensar junto o assunto, permitindo que o vivido seja acessado e comunicado no ato da relação, facilitado pelo entrevistador.

Conforme discutido anteriormente, a inspiração fenomenológica propõe uma abertura por parte do pesquisador frente ao fenômeno. No processo investigativo a entrevista semi-estruturada permite essa abertura. Considerando o presente estudo, realizado em seus dois momentos (questionário e entrevista), foi possível perceber a grande contribuição oferecida pela entrevista, pois a fala das colaboradoras permitiu acessar o que era por elas vivenciado.