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Ao relacionar sexualidade e religiões, Pacheco (2003) elenca alguns pressupostos que interferem na leitura dessa relação. Primeiramente, apresenta a íntima relação da religião com o contexto sócio-cultural, abordando diferentes tratamentos, por exemplo, dados ao adultério na Bíblia, nos Antigo e Novo Testamentos. Explica que a religião produz normas, tentando responder aos problemas para os quais ainda não tinham sido apontadas soluções. Complementando o aspecto sócio-cultural, o autor acrescenta o momento histórico, que, independentemente do quadro normativo vigente, revela-se como importante para Integrar ou produzir uma determinada norma. Pauta esse argumento ao refletir sobre o controle da natalidade, que não é citado na Bíblia, por não ser um problema característico da época. Segundo o autor, o Corão incentiva a poligamia como meio para solucionar a discrepância quantitativa entre homens e mulheres, e a associação desse costume à classe social.

Outro ponto discutido pelo autor é o processo de mudança pelo qual a religião passa. Embora preze o conservadorismo, ela, mesmo que de forma

lenta, “(...) acaba por se adaptar às novas realidades culturais” (Pacheco, 2003, p. 47). E, mesmo adaptando-se a essas novas realidades, percebe-se a não uniformidade das práticas religiosas, ao destacar mais uma vez a influência sócio-cultural na diversidade de leituras dos textos sagrados, que podem interferir, por sua vez, na adesão às normas prescritas pela igreja.

Duarte (2005) destaca a crescente preocupação com a relação entre religião e sexualidade na cultura ocidental moderna. O autor aponta que a religiosidade deve ser compreendida num sentido amplo de “visão de mundo”, e principalmente deve-se reconhecer “(...) que o espaço da “religiosidade”

abarca hoje muitos valores e comportamentos “laicos” ou, pelo menos, “não confessionais” (Duarte, 2005, p. 139). O autor distingue, no que chama

denominação religiosa, três dimensões estruturantes: “(1) “religião” como

identidade ou pertencimento”; “(2) “religiosidade”, como adesão, experiência ou crença”; “(3) “ethos religioso”, como disposição ética ou comportamental associada a um universo religioso” (Duarte, 2005, p. 141). Nesse sentido,

Giumbelli (2005) ressalta a necessidade de se pensar a religião e suas diferentes dimensões, que não necessariamente estão coordenadas, pois cada religião se organiza a partir de suas teologias, doutrinas, instituições e práticas.

Giumbelli evidencia ainda a “(...) importância da religião – como fonte de

convicções e alvo de responsabilidades – no campo da sexualidade”

(Giumbelli, 2005, p. 7). Essa importância é percebida pelo autor através da “(...)

presença das religiões em vários planos, desde o intelectual até o cultural, passando pelo campo das instituições com suas atividades confessionais e assistenciais” (Giumbelli, 2005, p. 7). Nesse estudo, Giumbelli expressa uma

preocupação recente de investigar a forma como as diversas religiões se posicionam em relação a temas referentes à sexualidade, quais são os fundamentos teológicos e as implicações éticas dos posicionamentos religiosos.

Ao apresentar um seminário sobre religião e sexualidade, Carrara (2005) considera as expectativas em relação a tal evento e alerta para a importância do diálogo entre religião e sexualidade, em que os participantes são os representantes do sagrado e do saber, cada qual com sua importância e influência “(...) quando se trata de estabelecer as regras sociais segundo as

quais vivemos” (Carrara, 2005, p. 18). Entretanto, embora exista essa

disposição para o diálogo, as dificuldades encontradas são inúmeras e vêm dizer da divergência ao operar conceitos e avaliar as ações humanas. O autor destaca o direito, a ciência e as religiões que trabalham com diferentes conceitos. Enquanto o direito trabalha com a noção de crime, a ciência trabalha com a noção de doença ou anormalidade, e a religião com a noção de pecado. Essas áreas podem divergir entre si e também internamente, pois “(...) nem

sempre os religiosos, os operadores da justiça e os cientistas – apesar de respeitarem as tomadas de posição coletivas cristalizadas nas leis, nas encíclicas, nas resoluções – concordam com elas ou as interpretam da mesma maneira” (Carrara, 2005, p. 19).

Percebe-se, no meio acadêmico, crescente interesse em estabelecer um diálogo entre sexualidade e religião, entretanto tais estudos têm se restringido às investigações relacionadas à homossexualidade, direito reprodutivo, aborto, e os posicionamentos da religião a respeito. São, portanto, ainda tímidos os

estudos que relacionam a vivência da sexualidade feminina à crença religiosa. Este estudo visa ampliar essa discussão, bem como fomentar esse campo de pesquisa.

2.3.1- Sexualidade e Igreja Católica

É importante esclarecer, inicialmente, que a visão aqui apresentada é apenas um recorte, pois, como ressalta Moser (2005),

falar em nome de uma religião ou falar em nome de uma igreja é uma pretensão um pouco grande demais. Porque todas as religiões e todas as igrejas têm uma longa história; elas se desenvolvem dentro de certos contextos; elas têm períodos os quais acentuam certos aspectos e períodos nos quais vão acentuar outros aspectos. (Moser, 2005, p. 21)

Ao falarmos da Igreja Católica, correremos esse risco de acentuar ou atenuar alguns aspectos em detrimento de outros. Não é possível enquadrar todo o pensamento católico em uma única linha de pensamento, mas é possível encontrar “(...) uma linha de fundo que continua em termos de

sexualidade e de matrimônio” (Moser, 2005, p. 21).

A história do Cristianismo, representado na Igreja Católica, mostra-nos, desde os seus primórdios, uma concepção negativa com relação à sexualidade e sua vivência. Considerando a sexualidade feminina, encontramos uma associação “(...) entre a feminilidade, o sexo e o mal – as mulheres como seres

traiçoeiros que atiçavam a luxúria e o ciúme, lançando os homens uns contra os outros” (Nunes, 2000, p. 22).

Orozco questiona de que forma e em que medida o pensamento católico pode dificultar o exercício da sexualidade para as mulheres, “(...) e também em

que medida desse pensamento se podem tirar argumentos, ou se podem tirar recursos (...) para o livre exercício da sexualidade e dos direitos reprodutivos”

(Orozco, 2005, p. 73). O autor corrobora a idéia de Moser (2005), ao afirmar a inexistência de linearidade de pensamentos dentro da Igreja Católica.

O modelo negativista em relação à sexualidade está ainda presente na Igreja Católica por meio de regulamentações das práticas sexuais. Os dois últimos papas, João Paulo II e Paulo VI, e o atual principal representante da Igreja, papa Bento XVI, perpetuam as condenações dos métodos contraceptivos não naturais, considerados maus de natureza por Incitarem a prática sexual como mera busca pelo prazer. Entretanto, essa postura não está restrita aos tempos atuais, pois no início da igreja cristã encontra-se a raiz que proíbe e coage a vivência da sexualidade. Um exemplo dessa “coação” está na prática da confissão, instituída na América a partir do terceiro concílio de Lima, entre 1582-1583, como um instrumento de controle do comportamento e do pensamento. Hoornaert (1993) cita a confissão como o grande instrumento de evangelização da América, a partir do qual os índios podiam se redimir dos seus pecados.

Em relação à prática da confissão, temos uma importante contribuição de Michel Foucault (1988). O filósofo retrata, em sua construção da história da sexualidade, o “encarceramento” da sexualidade a partir da burguesia,

pairando sobre o sexo um imenso silêncio, vigorando apenas sua função reprodutora. O autor aponta esse silêncio como uma necessidade de dominar o discurso sobre o sexo. Discurso fomentado a partir do século XVIII, principalmente no campo institucional. O autor chama a atenção para o período decorrido após o Concílio de Trento, que objetiva solidificar a hegemonia na fé católica, instituindo sacramentos, como o casamento celebrado na presença de um sacerdote. Outra prática crescente é a confissão, exigida após a Contra- Reforma, e recomendada ao menos uma vez por ano, atendo-se principalmente às “(...) insinuações da carne: pensamentos, desejos,

imaginações voluptuosas, deleites, movimentos simultâneos da alma e do corpo, tudo isso deve entrar, agora, e em detalhe, no jogo da confissão e da direção espiritual” (Foucault, 1988, p. 23). O sexo e sua expressão passam a

ser perseguidos de todas as formas, sendo o corpo, carne, local por excelência de manifestação de todo desejo.

Voltando à concepção negativa da sexualidade e da mulher, encontramos em Santo Agostinho um importante propagador. Ao considerarmos o seu posicionamento teórico, que embasou o cristianismo, precisamos também considerar o contexto histórico, assim como a sua própria vida, para compreendê-lo.

Sua mãe seguia os preceitos cristãos e criou-o dentro da mesma filosofia, num ambiente de fé. Seu sonho era a conversão de Agostinho, que ele abandonasse a vida sexual e se tornasse um militante cristão. Sua conversão ao cristianismo se deu aos trinta e dois anos de idade. Segundo Sousa (2005), o que influenciou sua conversão foi a decisão de ingressar no

cristianismo, dedicando-se exclusivamente à sua fé. Em seu livro Confissões, Agostinho (2005) relata sua luta interna em busca da conversão. Descreve a luta entre duas vontades, a do corpo e a da alma. Pedia a Deus que o convertesse, mas ao mesmo tempo pedia um prazo. Temia que Deus o atendesse prontamente, curando-o da doença de sua concupiscência, que, na verdade, ele não queria extinguir, mas saciar. Em Últimas Resistências, Agostinho relata:

Mantinha-me preso umas tantas bagatelas, umas vaidades de vaidades, antigas amigas minhas, que me puxavam por minhas vestes carnais, murmurando: “Então, nos abandonas? De agora em diante nunca mais estaremos contigo? Desde este momento nunca mais te será lícito isto ou aquilo?” (Santo Agostinho, 2005, p. 183)

A mulher, nesse contexto, é apresentada como tentadora, sedutora:

E que coisas, meu Deus, que torpezas me sugeriam com o que chamei de isto e aquilo! Por tua misericórdia, afasta-as da alma de teu servo! Oh! Que imundícies me sugeriam, que indecências! Já se reduzira a menos da metade o número de vezes que eu lhes dava ouvidos: não era mais um assalto aberto, frontal, mas segredado por cima dos ombros, e como que puxando-me furtivamente, se me afastava, para que me voltasse para trás.

Contudo, faziam com que eu, vacilante, tardasse em me separar delas para correr para onde me chamavam, enquanto o hábito violento me dizia: “Julgas que poderás viver sem elas?” (Santo Agostinho, 2005, p. 183)

Esse conflito se deu como resolvido por completo após um momento de reflexão intensa e coincidente leitura de um trecho do livro de Paulo (apóstolo),

no qual encontrou o passo final para sua conversão, “uma espécie de luz de

certeza se insinuou em meu coração, dissipando todas as trevas da dúvida”

(Santo Agostinho, 2005, p. 186). Santo Agostinho viveu 76 anos e dedicou boa parte de sua vida à construção de uma moral cristã para o mundo ocidental, tornando-se seu maior expoente, grande colaborador da expansão da Igreja de Constantino (Cabral, 1995, p. 22). Para ele, o desejo sexual simbolizava o infortúnio, e o pecado era transmitido sexualmente de geração para geração, inscrevendo uma natureza humana de pecado. Agostinho dava ênfase à salvação da alma, mas, para isso, era preciso reprimir o corpo. Alertava aos homens sobre os “perigos” do convívio com as mulheres, pois longe delas estariam também longe das tentações e de todos os males (Nunes 2000).

No Brasil, desde o seu “descobrimento”, em 1500, registram-se relatos de controle do corpo por parte da igreja. Hoornaert (1993) descreve o grande incômodo dos jesuítas com o comportamento dos índios, o andar nu e a prática sexual pelo prazer, quando desistem de evangelizar para catequizar1. As cartas dos primeiros jesuítas relatam que “(...) a maior dificuldade da evangelização

do Brasil não é de ordem doutrinária, mas sim de ordem moral” (Hoornaert,

1993, p. 11). Os jesuítas mostram-se indignados com o fato de o “vício da carne” não ser considerado pecado pelos índios.

Em seus estudos, Hoornaert (1993) destaca que essa postura catequizadora, que tenta arrancar o que é relacionado a comportamentos não

1

Evangelizar, segundo o dicionário Houaiss (2001) significa converter alguém a uma religião a partir da pregação do Evangelho. Já catequizar, para o mesmo dicionário, vem dizer de uma instrução nos princípios da matéria religiosa, sob Instrução ou conversão a uma doutrina, Iniciar alguém em alguma atividade. O catecismo cristão é uma prática preparatória para o recebimento dos sacramentos, visa instruir sobre os preceitos da igreja. Como os índios não tinham nem essa Instrução básica, foi preciso primeiro catequizar para depois trazer os escritos do Evangelho.

aceitos moralmente, permanece de 1549, quando os jesuítas desembarcaram no Brasil, e perdura pelos quinhentos anos de processo de evangelização. Cita com admiração que o conteúdo do

“(...) texto preparatório para a quarta conferência geral do episcopado

latIno-americano, celebrada em Santo DomIngo, em 1992, apresenta basicamente os mesmos parâmetros de reflexão dos jesuítas do século XVI, ao dar sInal verde ao amor-ágape e sInal vermelho ao amor-eros” 2

( Hoornaert, 1993, p. 15)

Ao descrever o Brasil colônia, Araújo (2001) mostra o objetivo das instituições civis e eclesiásticas em abafarem a sexualidade feminina, repressão esta justificada pela superioridade masculina. A inferioridade da mulher é caracterizada pelo fato de ser a filha e a herdeira de Eva, considerada "(...) a fonte do Pecado Original e um Instrumento do diabo. Era a um só tempo

Inferior (uma vez que fora criada da costela de Adão) e diabólica (por ter sucumbido à serpente)” (Nunes, 2000, p. 23). Se a mulher é inferior ao homem,

deve-lhe obediência e respeito, num primeiro momento ao pai (ou irmão) e depois ao marido. Marcada pelo pecado, deve ter seus atos, sentimentos, gestos, desejos, pensamentos e sonhos vigiados pela sociedade e pela igreja. Mesmo casada, o controle permanece; a finalidade do ato sexual é a procriação e não o prazer (Araújo, 2001). Orozco (2005) relata o quanto a cultura latino-americna sofre a influência dos valores católicos e reconhece a

2

O amor-eros representa o prazer carnal, a eroticidade. O amor-ágape é altruísta, é um amor puro, remete ao amor de Deus. Segundo Pedreira (2005) “(...) no cristianismo em geral, houve sempre uma dificuldade de pôr em diálogo ágape e Eros (...) na história da tradição cristã (...) esse romance entre ágape e Eros não foi resolvido ainda” (Pedreira, 2005, p. 34).

interferência desse pensamento “(...) na vida e no comportamento das

mulheres, especialmente no relacionado com a sexualidade e a reprodução”

(Orozco, 2005, p. 75). Nessa interferência, o autor destaca a visão “anticorpo”, “antimulher” e “anti-sexo”.

Nunes (2000) relata o poder do clero na Idade Média, que detinha o monopólio do saber e tinha por obrigação

(...) pensar a humanidade, a sociedade e a Igreja, de as orientar no plano da salvação e de atribuir, também às mulheres, seu lugar nessa divina economia. No entanto, e sobretudo antes do século XIII, tudo os distancia das mulheres, entrincheirados como estão no universo masculino dos claustros, das escolas, das faculdades, onde desde o século XI os clérigos se preparam para a vida imaculada. Separados das mulheres por um celibato solidamente constituído, os padres nada sabem delas. Representam a mulher à distância, na estranheza e no medo. A mulher é para eles portadora do mal e da morte, não possuindo nem bondade nem amizade, sendo incapaz de fortalecer os laços afetivos. Por ser um sexo mais frágil, ela pode ser facilmente possuída pelo Mal, tornando-se nociva, vil e predadora da humanidade. (Nunes, 2000, p. 23)

Somente a partir do século XVIII valoriza-se a participação da mulher nos cuidados e atenção aos filhos, e ela é transformada em mãe. Nesse momento, aconteceu uma mudança do olhar sobre a mulher, até então vista "(...) como um ser mais carnal, dotada de sentimentos maléficos e de um

desregramento sexual ameaçador" (Nunes, 2000, p. 22). Preocupado com a

propagação da doutrina religiosa, Lutero vem defender a educação feminina, pois enxerga na mulher uma educadora potencial. Defende a educação da mulher que, ao saber ler, é capaz de interpretar os ensinamentos bíblicos,

tornando-se responsável por sua salvação. Embora abra espaço para a educação da mulher, Lutero fecha as portas para outros campos, ao valorizar o modelo patriarcal de organização da família. Lutero e sua Reforma Protestante foram de fundamental importância na definição dos papéis dos homens e das mulheres, visão esta que refletiu também na doutrina cristã católica, que se aproveitou da mesma leitura para catequizar (Nunes, 2000).

No controle da sexualidade, até as posições do ato sexual mereciam vigília e ponderação. Nada de relações em pé, sentados ou com o homem por baixo da mulher, sob a justificativa de não desperdiçar o “esperma procriador” (Araújo, 2001). Em relação ao ato sexual e às posições assumidas para o coito, Bozon relata os costumes em diferentes culturas, destacando os baruias da Nova Guiné, estudados pelo antropólogo Maurice Godelier. Os baruias consideram o contato sexual com a mulher perigoso, pois este “(...) polui e

enfraquece o homem, que perde ali uma parte de sua substância” (Bozon,

2004, p. 25). Para eles, o esperma procriador tem uma quantidade limitada; é fonte de vida e força, não podendo ser desperdiçado. Para evitar o desperdício, a posição da mulher deve ser embaixo do homem, para receber todo o alimento. Ao inserir a metáfora da alimentação, o autor lembra o contexto brasileiro, onde quem “come” é o ativo e quem “dá” é o passivo, sugerindo a superioridade masculina em relação à mulher ou a um sujeito simbolicamente feminilizado (Bozon, 2004).

Buscamos também, nas publicações em geral, sejam elas oficialmente católicas – editoras religiosas – ou impressões avulsas, encontrar material que ofereça algum tipo de orientação sobre a sexualidade por parte da Igreja

Católica. E encontramos que, genericamente, as publicações católicas associam a sexualidade ao amor, pois consideram-no como o único realmente capaz de significá-la e torná-la humana. Esse amor, por sua vez, é associado ao matrimônio. Entretanto, é difícil encontrar publicações que consigam fazer uma associação direta com as escrituras da Bíblia. No livro de Azpitarte (1991), por exemplo, temos um capítulo inteiro que contempla as relações pré- matrimoniais, sem, entretanto, conseguir citar uma passagem bíblica sobre a castidade antes do casamento. A prática sexual fora do casamento é condenada, sob a justificativa de que tem finalidade apenas reprodutiva. Assim, ao destacar a prática reprodutiva, condena a vivência da sexualidade com finalidade de prazer. Considera infantil e egoísta a prática sexual que busca meramente a satisfação de apetites e caprichos. Se o homem quer alcançar maturidade e equilíbrio, deve esforçar-se para renunciar aos seus caprichos. O texto continua orientando o homem a não sair desse caminho. Para isso, deve colocar-se no centro, como ponto de partida, para que sua sexualidade seja vivida como uma relação amorosa, dentro do matrimônio, orientada para a procriação, “(...) como doação e entrega corporal” (Azpitarte, 1991, p. 18). Dentre essas publicações, vejamos alguns documentos divulgados pelo vaticano e que apontam orientações quanto à vivência da sexualidade.

Na Carta Encíclica: Sagrada Virgindade, de março de 1954 (www.vatican.va), o Papa Pio XII destaca a virgindade e a castidade como os tesouros mais preciosos deixados à Igreja pelo seu Fundador. A virgindade, exigida como um dos votos constitutivos aos clérigos, é também praticada por leigos, e considerada uma forma de facilitar a união com Deus. Ressalta,

entretanto, que a virgindade, para ser considerada uma virtude cristã, deve ser praticada por amor às coisas divinas, para promover a palavra de Deus e alcançar a bem-aventurança. A virgindade por egoísmo ou como orgulho da integridade corporal não tem sua santidade considerada. Isso porque a finalidade da virgindade cristã é orientar espírito e coração para as coisas de Deus, concentrando nele o pensamento e consagrando-lhe o corpo e a alma.

Pio XII lembra a afirmação de Santo Agostinho de que a virgindade não é honrada em si mesma, mas por estar consagrada a Deus. A esposa ou marido não podem se dedicar exclusivamente a Deus, por terem que dividir sua atenção com os filhos e o companheiro, provendo suas necessidades corporais e espirituais. No caso do sacerdócio é diferente. Um homem, quando se faz sacerdote, ao invés de perder a paternidade, aumenta-a, pois gera família para a vida celeste e não para a vida terrena e caduca. A virgindade tem, nesse contexto, um valor excepcional superior ao matrimônio porque está relacionada ao domínio do sagrado.

Na mesma linha de pensamento, na Audiência Geral, de maio de 1980, o Papa João Paulo II escreve: O corpo não submetido ao espírito ameaça a

unidade do homem-pessoa (www.vatican.va). Nessa audiência, faz uma

releitura do Livro Gênesis, no intuito de melhor compreender como o homem da inocência original dá lugar ao homem da concupiscência, através do pecado original. A partir da experiência do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o homem revela uma vergonha manifestada na ordem sexual, vergonha não experimentada no estado de inocência original. Assim, o papa relata a “(...) ruptura da original unidade espiritual e somática do homem” e usa

as palavras de São Paulo para ilustrar a luta entre carne e espírito. O espírito não mais governa o corpo como no estado de inocência original, isso porque o

“(...) o homem da concupiscência não domina o próprio corpo do mesmo modo, com igual simplicidade e naturalidade”.

No mesmo documento, o João Paulo II menciona ainda o desejo usado pela psicologia e o desejo (concupiscência) em seu significado bíblico e teológico. No primeiro momento, o desejo refere-se à falta ou à necessidade, “(...) que o valor desejado deve satisfazer”. Já a concupiscência vem dizer do