• Nenhum resultado encontrado

Os questionários das três colaboradoras deste estudo foram recebidos no momento das entrevistas. Buscamos inicialmente acolher as colaboradoras e sondar a experiência de cada uma ao responder o instrumento. Não houve nesse primeiro momento preocupação com a identificação das modalidades de crença, mas sim com a repercussão e envolvimento suscitados pelo questionário. Em relação ao momento individual de responder ao instrumento, as colaboradoras queixaram-se, em diferentes graus e questões, das várias dificuldades encontradas. Aline descreve-o como confuso. Bárbara diz ter ficado em dúvida quanto às Instruções. Questionadas sobre a localização das dificuldades em alguma questão, Aline localiza as questões sete e dez como as mais difíceis, e Bárbara encontrou maior dificuldade na questão dois. Clara cita a questão quatro, pergunta-se o que seria fazer uso de Deus, e discorda que pudesse de alguma forma simplesmente fazer uso Dele.

Aline respondeu ao questionário no mesmo dia em que o recebeu. Chegou em casa, após a faculdade, e aproveitou que o esposo e a filha estavam dormindo. Descreve que, apesar da confusão, sentiu-se bem ao respondê-lo, diz que as “idéias foram fluindo”. Acredita que se expressa melhor

escrevendo do que falando, pois tem facilidade para escrever e expressar seus sentimentos e pensamentos, principalmente em se tratando de um assunto que adora: Deus e religião. Gastou cerca de uma hora e meia para respondê-lo. Durante a entrevista, mostrou-se mais reservada, respondendo de forma direta ao que lhe era questionado; não se estendeu nos assuntos abordados, o que fez com que em alguns momentos a entrevista transcorresse de forma mecânica: pergunta-resposta. Demonstrou desconforto e constrangimento na situação de entrevistada; não deixou sua bolsa em nenhum momento, mantendo-se abraçada a ela. Quando avisada do término da entrevista, levantou-se rapidamente e não esperou que a pesquisadora abrisse a porta, antecipou sua atitude.

Bárbara recebeu o questionário e o guardou, esqueceu-se dele e chegou a pensar que o havia perdido. Respondeu apenas no dia da entrevista e precisou levantar-se mais cedo para respondê-lo. Após fazer suas orações matinais, sentou-se para respondê-lo e demorou aproximadamente duas horas para preenchê-lo. Durante a entrevistada mostrou-se à vontade e tranqüila para responder, mas embora mostrasse disponibilidade para participar, mostrou preocupação constante com a serventia das suas respostas. Tinha medo de não estar compreendendo realmente o que era perguntado e conseqüentemente responder errado. Foi tranqüilizada quanto à inexistência de resposta certa ou errada, e encorajada a relatar o que pensava e sentia em relação aos temas. Usou o momento como um desabafo e também como oportunidade de refletir.

Clara recebeu o questionário três dias antes da entrevista e respondeu-o prontamente. Aproveitou o intervalo entre o trabalho e a faculdade e respondeu-o. Mostrou-se extremamente à vontade na situação de entrevista; várias questões investigadas foram respondidas antes mesmo de serem questionadas. Estas foram, depois, apenas confirmadas pela entrevistada. Tanto a experiência religiosa quanto a vivência da sexualidade foram ricamente compartilhadas pela colaboradora.

Analisando o processo em que transcorreram as entrevistas, as duas primeiras com intervalo de 24 dias entre elas, e um intervalo de 3 meses da segunda para a última, percebe-se um amadurecimento da postura da pesquisadora. Pautada no referencial teórico, e principalmente no suporte oferecido pela fenomenologia, percebe-se uma mudança na postura investigativa, o que com certeza contribuiu para um melhor aproveitamento das entrevistas.

No item 1.3 do primeiro capítulo deste trabalho, abordamos a caracterização dada por Pratt a cada uma das quatro modalidades de crença religiosa: Perceptiva, Emocional, Intelectual e Ético-moral. As quatro modalidades de crença serão apontadas ao longo das respostas dadas às dez questões que compõem o questionário. De acordo com Freitas (2002), algumas questões apontam diretamente uma determinada modalidade de crença religiosa, outras apresentam de forma indireta, através, por exemplo, dos sub- itens presentes em algumas questões, outras mesclam as modalidades: na pergunta principal abordam uma crença e nos sub-itens outra ou outras. É importante salientar que, embora algumas questões busquem investigar uma

determinada crença, isso não quer dizer que somente essa crença será encontrada. O fato de ser um questionário aberto e de fornecer sub-itens, permite ao respondente maior liberdade em seu exercício. Vejamos agora os estudos de cada caso.

4.1.2 – Análise Descritiva

4.1.2.1- Caso Aline

Aline é uma mulher de 23 anos, nascida em Goiás. Mudou-se para Paracatu aos dois anos de idade, por conta da separação de seus pais. Veio com a mãe, então grávida do seu irmão, morar com a avó. Foi criada em um ambiente religioso, em uma família bastante comprometida com a Igreja Católica.

A crença familiar fez com que Aline participasse dos movimentos da Igreja. Inicialmente era levada por alguém mais velho, mas com o passar do tempo, buscou a religião por conta própria. Na adolescência já se responsabilizava pela Liturgia das missas e desempenhava papel de liderança entre os jovens do Encontro de Adolescentes com Cristo (EAC) e posteriormente do Movimento de Amizade com Cristo (MAC).

Como vimos, a tradição desempenha um papel importante quando categorizamos as modalidades de crença religiosa. A crença perceptiva está intimamente relacionada à influência exercida pela família, bem como à crença em uma autoridade, como a Bíblia. Essa crença tem suas raízes fincadas

principalmente na infância, época em que a autoridade praticamente não é questionada. Embora não seja restrita a essa fase do desenvolvimento, o fato de ter sua base na infância a fortalece, pois tudo que é percebido é creditado de realidade.

Encontramos em Aline, a partir das respostas dadas ao questionário, bem como aos dados da entrevista, vários indícios da credulidade perceptiva. Para ela o significado da religião (questão 1) está relacionado à crença de que algo existe, e o elemento mais importante que sustenta a sua crença na religião é a sua fé, o que caracteriza a crença perceptiva.

Quando se refere a Deus (questão 2 – sub-item 2a), considera-o como uma pessoa capaz de compreendê-la e amá-la como ela é. Acredita em Deus (questão 3) porque experimentou a sua presença. Experimentar sua presença diz de uma experiência emocional. Entretanto, sua crença em Deus é justificada pelos ensinamentos recebidos em casa desde a sua infância, e também pelo fato de sentir-se amada e amparada por ele, o que embasa a crença perceptiva. Complementa essa idéia dizendo que sua vida não tem sentido sem a presença de Deus, pois a felicidade e o amor estão vinculados à sua existência (questão 4).

A crença perceptiva é percebida em Aline também ao conceituar espiritualidade e uma pessoa espiritual (questão 7). A espiritualidade é definida como uma forma de conhecer e vivenciar a fé, o que se dá através da pregação do evangelho. Evidencia assim, a importância e a autoridade da Bíblia.

Quando questionada acerca da imortalidade pessoal (questão 8), descarta essa possibilidade, afirmando que somos todos mortais, mas que é possível ganhar a vida eterna a partir de Deus.

A última referência à crença perceptiva é encontrada na questão 9, que tem a Bíblia e sua autoridade como foco de investigação. Aline crê que todo cristão deve embasar-se na Bíblia, vista como a sagrada escritura. Julga que se não acreditar na sua palavra não será uma verdadeira cristã, mas ressalta que esse não é o único motivo que a faz crer, pois Deus está presente nos milagres do dia-a-dia.

A crença perceptiva ocorre com maior incidência, entretanto, podemos encontrar no relato de Aline dados que nos remetem à crença emocional e à ético-moral. Durante a entrevista, ao relatar o fato de ter engravidado antes de casar-se, ela mostra preocupação com o julgamento dos seus atos. Acredita que o fato de fazer parte da comunidade religiosa de forma ativa a expôs a julgamentos, “quando a gente tá dentro da comunidade, as pessoas gostam

muito de apedrejar”. Assim, demonstra a importância conferida à manutenção

da sua imagem, preocupação com a atitude correta, com o ser um modelo social – concernente à crença ético-moral.

A crença emocional é encontrada quando a investigação se relaciona à experiência de Deus (questão 4). AIine relata sua experiência da presença de Deus na Eucaristia e, principalmente, nas experiências de oração, nas quais recebe os dons do Espírito Santo. Essa experiência é percebida também através da oração diária. Considera Deus como o seu melhor amigo, diz que e uma amizade precisa ser cultivada (questão 5). A forma de cultivar essa

amizade é a oração. Acredita que Deus ouve suas preces e que através da oração está em comunhão com Ele. Ao definir experiência religiosa, caracteriza-a como um momento de encontro com Deus, o que possibilita a confirmação de sua existência (questão 10).

Aline mostra grande fé em Deus e na religião católica; tem na Bíblia uma importante fonte que sustenta a sua fé. Deus aparece em seu discurso como um amigo íntimo, que a compreende e ama como ela é. Aponta-o como seu melhor amigo, assim, precisa de especial atenção, pois uma amizade precisa ser alimentada todos os dias. Faz relatos de sua experiência da presença de Deus principalmente nas experiências de orações, em que recebe os dons do Espírito Santo. Relata que, nesses momentos, sente-se como se tivesse passado por uma cirurgia, necessita de repouso para recuperar as forças, tamanha a leveza e a tranqüilidade que sente. Enxerga o poder da oração, encontrando nesta uma forma de dialogar com Deus. Esse diálogo traz proteção contra os males do mundo e funciona como uma comunhão real com Deus. Através da oração julga que pode se unir a Deus.

Embora seja possível perceber, em Aline, alguns momentos característicos da atitude religiosa emocional, bem como da ético-moral, predomina a maior parte do tempo a crença em uma autoridade, seja Deus, a Bíblia ou os ensinamentos recebidos por pessoas importantes e significativas em sua vida. Não é possível perceber em seu discurso um questionamento da autoridade de seus conhecimentos. O aprendizado da infância perdura na vida adulta.

4.1.2.2- Caso Bárbara

Bárbara nasceu no interior do estado de Goiás, em uma cidade pequena. Está casada há 22 anos e tem três filhos. Mudou-se para Paracatu em 1999, quando da transferência do marido.

Foi criada dentro do catolicismo, considera que sua família é católica, mas não tem compromisso com sua fé, pois é a única que participa de algum movimento. Julga que todos na sua família dependem de sua oração, porque ninguém participa oficialmente de atividades da Igreja. Relata que sempre gostou de participar dos movimentos da Igreja. Seu primeiro trabalho assumido com a Igreja foi a catequese, em 1988. Começou em 1988/89, quando, em Goiânia, segunda cidade de residência do casal, passou a participar da Renovação Carismática, e até então não parou. Junto com seu marido, fez parte do grupo de Encontro de Casais com Cristo (ECC). Porém, a partir de um furto realizado por um membro do grupo, o marido abandonou a Igreja Católica. Ficou descrente em relação à Igreja e a fé dos fiéis, “como pode alguém de

dentro da Igreja não seguir os mandamentos de Deus?”

Em Paracatu, atualmente, desenvolve o trabalho de catequista, participa da Renovação Carismática e é tia do MAC. Essa última atividade tem provocado um conflito intrasubjetivo. Ela diz viver um dilema por não sentir-se com autoridade suficiente para trabalhar e conduzir os jovens. Seus dois filhos estão namorando evangélicas e deixaram de participar do MAC. Então, não se sente à vontade para cuidar de jovens, se ela mesma não tem controle sobre os próprios filhos. Percebe nessa situação uma incoerência, e está aguardando uma oportunidade para conversar com um padre e resolver a situação. Relata

que não se incomoda com o fato de eles namorarem pessoas evangélicas; seu incômodo é relativo à ausência dos filhos em uma igreja/religião.

Não acompanha todos os eventos da Renovação Carismática; faz isso quando pode, mas faz questão de estar presente nos Congressos, Seminários religiosos e Experiências de Oração. Participa da Renovação desde 1989. Compara a Renovação Carismática à Igreja Evangélica no modo de louvar, pois na Renovação, assim como para os evangélicos, “não existe a vergonha

de louvar... é muito idêntico”. Admira o movimento da Renovação porque ele

faz com que o fiel “corra atrás”, busque compreender a Bíblia e conhecer a palavra de Deus. Não é apenas ir à missa, que por si só não ensina nada. São realizados encontros de estudos, e cada encontro de estudos exige que o fiel participe, ao final tem um questionário que deve ser respondido a partir do estudo da Bíblia. Em relação à sua postura, sente-se “em cima do muro” por não assumir nenhuma responsabilidade, nenhum compromisso com a renovação, “lá não é apenas ir, você tem que se comprometer”. Relata que Inicialmente não assumia por temer não poder cumprir, temia algum imprevisto com os filhos, que eram pequenos. Hoje são grandes, mas ainda não conseguiu assumir nenhum compromisso.

Ao longo da entrevista e também no questionário foi possível perceber o envolvimento de Bárbara na construção da sua religiosidade. Independente da participação da família ou do marido, ela não deixou de seguir a sua fé. Fé que é a base da crença de que Jesus pode estar em todos os lugares. Foi possível observar esse envolvimento a partir da análise das respostas ao questionário,

bem como no relato da entrevista. Em todas as duas dimensões predominou a crença emocional.

Ao falar do significado da religião (questão 1), Bárbara fala da presença de Jesus, que se torna concreta na Eucaristia. Valoriza a Eucaristia como o meio que proporciona a comunhão com Deus, mas acredita que é possível comprovar sua existência, também, através das suas criações (questão 3). Vê Jesus e Deus como uma única pessoa, que tem sua vida em suas mãos, pois Deus é o seu guia (questão 2); uma forma de experimentar sua presença é nos momentos de experiência de oração, momentos de verdadeira comunhão com Deus (questão 5). As respostas de Bárbara fazem menção a uma conexão com Deus, sentimento comum à crença emocional.

Afirma rezar por acreditar ser ouvida por Deus, o que é comprovado pela sensação de paz após suas orações (questão 6). Na entrevista, relata que reza o tempo inteiro, da hora que acorda até a hora de ir dormir, faz orações de forma contínua. Embora reze o tempo todo, julga que precisa ser mais fervorosa, dedicar mais tempo à oração, reservar uma parte do dia para isso.

Percebemos a crença emocional em outros momentos, quando diz acreditar na imortalidade do Espírito, que vai para junto de Deus após a morte do corpo (questão 8), e também ao descrever a experiência religiosa como experiência de oração, momento em que sente a presença de Deus (questão 10).

Em seus relatos, predomina a crença emocional, entretanto, encontramos ainda, mesmo que em escala mínima, aspectos relacionados às outras três modalidades de crença.

A ético-moral é encontrada quando Bárbara diz fazer uso de Deus através de suas atitudes, que devem ser exemplares, uma vez que Ele está presente em sua vida (questão 4). Como vimos, essa preocupação em ser modelo atormenta-a atualmente por não sentir-se capaz de lidar com os jovens maquianos (membros do MAC), transparecendo a crença ético-moral. E encontramos, no seu questionamento da Bíblia como palavra de Deus, elementos que apontam para a emergência da crença intelectual, a despontar a partir da desconfiança na crença perceptiva. Acredita que, pelo fato de ter sido escrita pelos apóstolos, e mesmo sendo inspirada na palavra de Deus, não quer dizer que deva ser seguida à risca.

Durante a entrevista, questiona-se o tempo inteiro quanto à correção dos seus pensamentos; avalia se o que sente e pensa é certo, se tem o direito de pensar como pensa, demonstra medo de ser injusta com o marido, quando emite julgamentos. O que faz parte da crença ético-moral.

A oração é uma constante em sua vida. Se estiver costurando, está rezando. Se estiver comendo, está rezando. Dorme rezando. Acorda durante a noite rezando. Faz esse relato quando chega para a entrevista. Diz que busca viver em oração, mas acredita que precisa dedicar-se mais, pois não existe um momento específico no seu dia reservado apenas para a oração. Na oração, encontra paz para suas aflições. Pode estar triste, desesperada, preocupada, doente, com qualquer tipo de tormento, que após um momento de oração, conquista a paz interior e a tranqüilidade. Acrescenta ainda a experiência de oração como uma experiência incomparável, quando pode sentir a presença de Deus.

4.1.2.3- Caso Clara

Clara tem 43 anos, nasceu e foi criada em uma cidade do interior de Minas Gerais. Sua família não professava nenhuma fé especificamente, mas desde pequena Clara diz perceber a presença de Deus.

Quando nasceu, sua mãe já tinha duas outras filhas, era mãe solteira. A primeira filha foi acolhida pela avó, ela e a irmã moravam com a mãe. Quando a mãe engravidou pela quarta vez, nasceu um menino e o pai quis assumir a mãe e o bebê, mas não aceitava levar as duas meninas. Na época, ele não explicou porque não queria levá-las, já tinha quatro filhos rapazes e temia a responsabilidade de criá-las junto deles. A mãe foi pressionada pela família para ir embora, porém ninguém queria ficar com suas filhas. A mãe decidiu ir embora com o pai do seu filho e abandonou as filhas, que foram encontradas sozinhas e levadas para a fazenda da avó, que as rejeitou. O avô foi quem pressionou para que a avó aceitasse as netas, ameaçando sair de casa. Clara conta que passaram a morar com a avó, mas eram tratadas como escravas; eram obrigadas a fazer todo o trabalho braçal. A avó não gostava da idéia de criar meninas, vivia chamando-as de vagabundas, sem-vergonha e que seriam perdidas como a mãe.

Sonhava com sua liberdade, que para ela, viria com sua saída da fazenda. Enquanto morava com os avós estudou até a quarta série, seu avô acreditava que mulher não podia estudar muito, senão perdia o juízo. Foi na escola, na figura da professora, que conheceu a religião católica; fez catecismo e a primeira eucaristia. Relata o descaso da família com sua primeira comunhão, por não providenciarem uma roupa branca e também por não

comparecerem: “o dia mais feliz da minha vida e eu estava sozinha”. Descreve esse dia com entusiasmo, mesmo indo com o uniforme escolar, estava excitada para saber o que era receber o Corpo de Cristo.

Diz que a família não tinha uma identidade religiosa, foi a única batizada de uma família de 14 irmãos. Relata, que aos 22 dias de nascida, encontrava- se muito doente, desenganada pela família, foi levada pela avó ao padre da cidade para ser batizada, para que pudesse ser enterrada. O padre percebendo a gravidade do seu estado de saúde, batizou, crismou e consagrou ao mesmo tempo. Diz-se salva pelo batismo, pois curou-se de sua doença.

Conta os vários assédios que sofreu. Como trabalhava na fazenda, alimentando e pastoreando animais, ficava muito tempo sozinha e sempre encontrava homens no caminho, que ofereciam “coisas” (refrigerante, bala, salgadinho) em troca de carinhos (beijo ou abraço). Diz que já tomou muito refrigerante em troca de um abraço, mas nunca foi além disso: “tinha muita fé

em Deus e não podia aceitar me prostituir”.

Quando tinha 13 anos, sua mãe recebeu uma proposta de um fazendeiro da região, que queria sua filha como amante. O fazendeiro prometeu-lhe casa, retorno aos estudos e boas condições financeiras, que ela poderia inclusive escolher outra cidade da região para morar. Clara ficou entusiasmada com a proposta, viu nela a realização do seu sonho de liberdade. Disse ao fazendeiro que aceitava a proposta, desde que ele lhe desse um documento comprovando que a casa seria dela, mas a proposta não foi aceita por ele. Ela relata que se sentiu muito tentada a aceitar, mas pensou na esposa

e nos filhos do fazendeiro e também que não teria 13 anos para sempre, com o vigor e beleza da juventude daquela idade.

Na mesma época, uma prima, que era irmã de caridade, foi passear na fazenda e despertou seu interesse. Mesmo sem saber do que se tratava, Clara quis seguir o mesmo caminho. Buscou na mãe apoio para a sua intenção. Sabia que a prima morava em outra cidade, assim sairia da fazenda e conquistaria sua liberdade. Percebe-se no seu relato, quando fala da atitude da mãe, nas inúmeras tentativas, a torcida para que ficasse com o fazendeiro – burlando inclusive a atenção da avó – bem como, no apoio oferecido quando