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Uma noite, Sherry Nichols, Deborah Tippins e eu, nos sentamos para escrevermos em coautoria um artigo sobre construtivismo e ensino de ciências. Ainda que fosse um artigo em coautoria, nós estávamos inseguros sobre que tipo de dados poderíamos empregar. Eu tinha uma imagem na minha cabeça sobre os estudantes em uma classe do 3º ano da escola média (equivalente a 8ª série). O assunto era espinhoso. A professora era uma pessoa que eu tinha estudado por algum tempo e eu tinha algumas notas de campo das observações na sua sala de aula. Eu tinha também uma transcrição de uma entrevista com uma professora da escola média que tinha relatado sobre o constru- tivismo em seu ensino e a sua contribuição para o aprendizado. Nós conhecíamos os temas que queríamos desenvolver no artigo e desejávamos que o artigo fosse enriquecido com uma descrição profunda, que permitisse que os leitores fizessem a ligação com suas próprias experiências profissionais. Em parte por causa da

nossa relutância em usar qualquer conjunto de professores como base para o escrito, decidimos escrever uma narrativa fictícia consistindo de alguns enxertos das notas de campo e das trans- crições de entrevistas, assim como de eventos e cenários cons- truídos de nossa longa experiência como professores em ensino de ciências, professores educadores e pesquisadores.

“Quem é a professora?”, minhas colegas perguntaram. “Isso não importa”, comentei, ansioso para começar a cons- truir um retrato da vida nesta sala de aula. Mas, isso importava. A professora precisava ser alguém que nós conhecêssemos porque o que a classe seria dependeria muito dela. Ela teria que ser uma mulher para contar a história que eu queria contar. Deborah era de origem indígena e ela poderia nos ajudar a cons- truir um retrato da vida nesta sala de aula pelos olhos de uma professora indígena. Nós estávamos fazendo progressos. O que poderia ser diferente sobre essa classe? O que nos escolheríamos para descrever e o que nós escolheríamos ignorar? Seria uma classe onde o professor usou pastas (portfolios) para avaliar o que os alunos sabem e na qual o discurso científico poderia ser construído como interação dos alunos em uma variedade de atividades que fossem interessantes e envolvessem manipula- ção e discussão. A interação aluno-aluno deveria ser valorizada.

Gradualmente, nós nos encontramos imaginando a mesma sala de aula, construindo junto estudantes e conversações envol- vendo o professor e os alunos. Nós tínhamos acesso direto aos pensamentos tanto dos alunos quanto da professora. Qual é o seu nome? “Halfaday”, disse Deborah sem um momento de vacilação. “Aqui”, eu disse, lhe empurrando rapidamente algu- mas folhas de papel escritas. “Justo no outro dia, eu perguntei a professora Halfaday para descrever o seu passado histórico”. Deborah aceitou as transcrições de uma entrevista que continha

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uma autobiografia e uma descrição de como uma professora havia mudado, assim como os vários períodos em sua carreira. Nós construímos um personagem compósito, usando a nossa imaginação e os dados de duas professoras, para fazer com que a professora parecesse alguém autêntica e credível. Ela começou a viver em nossas mentes enquanto o texto rapidamente tomava forma. Os papéis dos alunos e da professora eram consistentes com o construtivismo, mas nós não estávamos fazendo nenhu- ma referência direta a ele. “Deixem-me entrevistar a professora Halfaday”, solicitei as minhas colegas. Fui para o computador e elaborei uma hora de entrevista com ela. Durante a entrevista, eu desempenhei o seu papel e não tive dificuldades em cons- truir respostas coerentes e credíveis para as questões que eu me colocava no papel de pesquisador.

Dessa maneira, o artigo foi terminado e editado. Quase tudo que nós tínhamos escrito estava baseado no nosso enten- dimento comum de construtivismo e o exercício era análogo, de várias formas, a escrever uma revisão. Era um texto escri- to como uma narrativa que poderia interessar a professores e educadores. Nós tínhamos completado o escrito, mas havia uma importante questão final para ser resolvida. A metodologia não havia sido incluída no texto. “O que nós escrevemos sobre o nosso método?”, me perguntaram minhas colegas. Eu não sabia, mas eu pensei que o escrito estava completo como ele estava. “Nós deveríamos dizer que a professora Halfaday não existia?”, “O que importa se ela existe ou não?”, perguntei. Eu me via ficando agressivo sobre esse ponto. O escrito era credível e nós usamos dados “atuais” em muitas partes e através da nossa imaginação. Nossa imaginação está constituída pela experiên- cia. Nós estivemos em muitas classes e a professora refletia essas experiências. Uma seção metodológica não combinava com o

método narrativo de descrever o que nós tínhamos aprendido de nossas pesquisas em sala de aula, e a questão de saber ou não se ela era real ou imaginada me parecia irrelevante, naquele momento. Deveria ser colocado para o leitor decidir se havia alguma coisa no escrito que pudesse ser aplicado na sua prática profissional. Essa decisão não estava no fato dela ser ou não uma pessoa no mundo real, mas no sentido de que aquele papel tivesse credibilidade. O que era mais importante deveria ser o alcance com o qual os leitores pudessem projetar a si mesmos naquele retrato que nós havíamos criado e se eles, como resul- tado de suas reflexões, decidissem ou não tentar fazer algo dife- rente em sua sala de aula.

Um ano mais tarde, ocorreram alguns eventos que muda- ram a minha opinião sobre o artigo. Um editor de uma revista aceitou o artigo para a publicação e solicitou duas mudanças. Primeiro, a senhora Halfaday se tornaria a senhorita Halfaday (em detrimento da sua vontade, nesse sentido!). Segundo, uma seção que mostrasse a natureza do construtivismo do nosso ponto de vista, deveria ser incluída. “Lá se vai a nossa narrativa e o estilo não-didático”, eu pensei. Finalmente, nós acrescentamos uma nota de rodapé no texto destacando que a professora era parcialmente um personagem compósito e parcialmente fictício e que o artigo não era baseado em nenhuma pessoa ou estudo.

A narrativa ficcional é um híbrido em termos de meto- dologia porque nós usamos algumas fontes de dados de anti- gos estudos. Entretanto, muitos dados foram criados através das nossas reconstruções imaginativas da vida na classe que se aproximava daquilo que nós consideramos como um ideal. Eu tinha obtido permissão de duas professoras para usar as notas de campo e os enxertos de entrevistas nesse artigo. Nenhuma delas insistiu em ler o escrito, mesmo assim ambas

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receberam uma cópia e responderam antes que ele fosse subme- tido à publicação. Em termos de metodologia, nós precisávamos estar certas que nós não desapontaríamos os leitores, apresen- tando o artigo como um relato realista baseado em procedimen- tos interpretativos padronizados (p.ex., ERICKSON, 1986; 1988).