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Usando a reação do participante para promover os meus objetivos

O professor Hoskin foi selecionado pelo seu condado, a partir de votos de professores e alunos, como o professor do ano (TOBIN et al., 1988). Nós estávamos interessados em apren- der com ele e foi permitido que duas equipes de pesquisadores começassem a fazer a pesquisa nas suas aulas. Nosso interes- se em empreender o estudo conjunto era ver o que poderiam revelar perspectivas quantitativas e qualitativas sobre o mesmo conjunto de aulas. De forma coerente com as metodologias a serem adotadas, ambas as equipes negociaram a sua entrada na escola e esse professor sabia o que esperar de cada uma delas. A equipe qualitativa fornecia-lhe as cópias de todas as notas escritas sobre como ele conduzia as aulas. Ele anotava seus comentários nessas notas de campo e as devolvia no dia seguin- te. Nós concordamos, igualmente, em permitir ao professor a oportunidade de ler e responder a qualquer relato escrito que fosse preparado sobre a pesquisa em suas aulas.

O relato em coautoria de suas aulas era difícil de escrever, pois havia um grande número de pesquisadores nessa equipe. Entretanto, em uma série de reuniões do grupo nós identifica- mos um foco comum e preparamos um relato de 30 páginas, em duplo espaço. Entreguei esse documento ao professor, indican- do-lhe que ele deveria revê-lo junto com a equipe, assim que ele o tivesse lido e quisesse discutir o seu conteúdo. Passadas duas semanas e sem ter recebido dele nenhum sinal, chamei-o para perguntar-lhe se não era hora de nos reunirmos. “Não!”, ele replicou, “Eu ainda não estou pronto para me reunir com vocês”. Sua enfática resposta me provocou calafrios na espinha.

Percebi nesse momento que ele estava desgostoso e fiquei inse- guro sobre o que poderia acontecer em seguida.

Uma semana mais tarde, o professor me chamou para soli- citar uma reunião. Assim que nós entramos na reunião, ele me entregou um escrito de resposta que tinha a mesma extensão que o nosso texto original. Durante a discussão que se seguiu, nós percebemos que estávamos em desacordo. Ele se sentia acusado no nosso escrito e se defendia com a sua resposta, no entanto, ele concordou que incluíssemos trechos de sua argumentação no nosso trabalho, que seria apresentado em um encontro nacional e que seria submetido à publicação. Quando revisei o texto, inclui sua resposta para cada uma das asserções que nós tínhamos feito. Eu estava convencido que estava sendo justo. Mas, passada mais de uma década, parece que as suas respostas simplesmente refor- çaram nossa posição, contra a qual ele se manifestou. Mesmo quando ele destacou no manuscrito “retirar” (da forma como estava), isso era manifestamente injusto. Escrevendo o artigo com uma perspectiva alternativa, eu reconhecia sua visão, mas o escrevi de uma posição que meu próprio ponto de vista saísse fortalecido e correto e o dele fosse o errado e que suas ações eram mostradas como potencialmente prejudiciais aos seus alunos. Eu não respeitei a posição do professor e o artigo implicitamente refletia a minha falta de respeito.

O professor nunca esperou para receber os nossos rela- tórios escritos e a equipe quantitativa tampouco lhe deu um retorno ou uma cópia do seu relatório, que era ainda mais críti- co do que aquele escrito pela equipe qualitativa. Minha análi- se sobre a ética da minha abordagem em relação ao professor Hoskin é que eu usei minha posição de poder de maneira não cuidadosa. Eu não procurei saber a partir da perspectiva dele o que ele estava tentando fazer ou porque ele agia daquele modo.

Questões éticas associadas à pesquisa em ensino e aprendizagem

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Ao invés disso, eu tomei os meus próprios valores e posições teóricas para o estabelecimento da pesquisa e assim descrevi as ações dos participantes e suas razões para que eles interagissem daquela maneira. Meus interesses na equidade e no aprendizado significante da ciência canônica sobrepujaram a preocupação em saber como ele era bem sucedido e porque ele era altamente respeitado pela comunidade na qual lecionava. Não que eu não estivesse consciente para examinar essas coisas, todavia, nas decisões sobre o que relatar do que aprendemos do estudo, meu próprio senso do que era importante e válido acabou determi- nando a estrutura dos escritos sobre a pesquisa.

Foi honesto e corajoso dar a versão inicial da nossa futu- ra publicação ao professor. Ademais, a maneira como o fize- mos resguardava que ele tivesse a privacidade e o tempo para determinar como e quando ele quisesse responder. Contudo, no contexto da escrita e da publicação as relações de poder entre eu e o professor eram desiguais, o que me deu uma posição decisiva no nosso diálogo sobre o seu modo de ensino. A forma como a pesquisa tinha sido negociada era tal que nenhuma reação que ele pudesse elaborar iria mudar as metas por mim colocadas, no sentido de escrever um texto mais robusto. A resposta dele não poderia ser usada para a defesa da sua posição, já que ele não tinha as habilidades para escrever algo que pudesse resistir a uma revisão dos meus pares. Consequentemente, apesar de que eu estivesse certo que as minhas práticas eram éticas na época, hoje, eu concluiria que a posição em que o professor foi colocado não lhe era justa. A falta de justiça começou em escrever o texto e com a decisão a priori de mostrar-lhe o escrito.

O texto deveria ter sido escrito? Eu penso que sim. Nós aprendemos muito com as razões usadas pelo professor para sustentar práticas tradicionais em classes de ciência. As crenças

subjacentes as suas práticas destacavam questões críticas sobre a equidade no que se referia à educação para mulheres e estu- dantes nas áreas rurais pobres. Era o primeiro estudo desse tipo em educação e a nossa equipe aprendeu muito sobre porque professores como ele ministravam aulas daquele jeito. O ponto de vista dos autores era que o artigo poderia trazer uma consi- derável ajuda para ensinar educadores e também ser prospecti- vo e prático para o conhecimento de professores. Se o professor pesquisado pudesse ter a garantia do anonimato, então nós não víamos problema em escrever e publicar o artigo. Uma vez escrito, o texto lhe deveria ser mostrado? Eu penso que não. Nenhuma resposta que ele pudesse nos dar poderia ter bene- ficiado o artigo. Mesmo que ele só ficasse irritado e tivesse se recusado a comentar, nós tínhamos respeitado as nossas obri- gações contratuais em permitir-lhe uma oportunidade para ler e responder ao escrito. Nada do que ele pudesse dizer ou escre- ver aumentaria a credibilidade da pesquisa, porque a mesma já fornecia uma profunda descrição para os argumentos que nós havíamos desenvolvido no papel. Eu sabia disso no momento em que estávamos negociando o texto com o professor. Também sabia que ele poderia ver a minha oferta de incluir os seus argu- mentos como um modo aceitável de levar seus pontos de vista aos leitores. Dessa forma, usei o contexto para levar mais longe minhas metas de produzir uma pesquisa de alta qualidade e não considerei seriamente o desafio de apresentar a perspectiva do professor como robusta e viável. Não há dúvida de que a pesqui- sa ficou fortalecida por causa da perspectiva do professor, ainda que tenha sido usada da maneira polêmica como foi. Porém, nesse caso, os fins não justificam os meios.

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