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O quê os professores-formadores aprenderam com o currículo e o quê pensam que seja importante?

O objetivo é compreender como se constituem as concep- ções sobre o currículo durante a construção da profissionalidade dos professores-formadores e que consequências trazem para

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A experiência de um programa integrado para a formação de professor na educação infantil

as práticas pedagógicas cotidianas para a formação de novos professores. Esta questão corrobora a ideia de Imbernón (2005) quando diz que é importante perceber como os professores elaboram a informação pedagógica de que dispõem e os dados que observam nas situações da docência e como essa elaboração ou processamento de informação se projeta sobre os planos de ação da docência e em seu desenvolvimento prático.

Aqui temos percepções diferentes sobre as concepções curriculares trabalhadas durante a formação inicial desses professores-formadores: sujeitos que tiveram a oportunida- de de discutir e vivenciar concepções mais atuais sobre currí- culo; sujeitos que percebiam a necessidade de uma formação mais crítica, porém o momento não proporcionou, a conten- to, embora tentassem uma participação mais atualizada com discussões no interior da disciplina; sujeitos que não tiveram, à época, consciência da formação conservadora que estavam recebendo; sujeitos que não lembravam a formação que recebe- ram e, ainda, sujeitos que tinham consciência de receberem uma formação conservadora. Alguns desses professores, durante o período de sua formação, tiveram discussões teóricas aplica- das em suas práticas nas escolas. Podemos dizer que ocorreu uma aprendizagem real como fruto da experiência. Não apenas aprendiam como fazer, aprendiam fazer e faziam, vivenciavam a aplicação teórica nas escolas em que atuavam. Aqui se explicita traços de uma formação pedagógica crítica que segundo Peres Gómez (apud GARCIA, 1999, p. 46), “a prática é concebida como o espaço curricular especialmente desenhado para se aprender a construir o pensamento prático dos professores em todas as suas dimensões”.

Também pudemos perceber que havia uma formação dife- renciada, dependendo do local de formação e das concepções

argumentam que já percebiam na época a necessidade de uma formação mais crítica, chegando a contribuir nas aulas com discussões mais atualizadas, como podemos ver, a seguir:

Exatamente, nós tínhamos na nossa matriz do curso essa disci- plina, se chamava Currículos e Programas, [...], nós tivemos uma professora recém formada, [...] e como eu tinha já uma certa bagagem pelas experiências na educação pelo que eu vivenciava eu [...] contribuía muito com ela [...]. Eu já entendia como que esse currículo rico acontecia no nosso cotidiano, na nossa prática lá na escola [...]. Eu imagino que para os outros colegas principalmente para os que não tinham essa expe- riência que eu tinha, eu acho que foi um desastre total. (P.F.2) Naquela época [...] a concepção que se tinha de currículo, eu me lembro muito bem que nós tivemos assim a questão histó- rica de currículo, as diferentes concepções de currículo até então, mas era ainda uma visão bem tecnicista de currículo porque estávamos na década de 80 [...]. A minha graduação foi assim bem tecnicista, mas a gente tinha um grupo de estudos em paralelo de Paulo Freire, de Freinet, Piaget, a gente estu- dava bem, fora que aquele contexto histórico do movimento das Diretas Já. Foi a minha introdução no campo da política, foi quando eu entendi o que era um partido de esquerda e aí mili- tava no DCE, então a gente acabava já fazendo algumas críticas em relação ao tecnicismo, mas não com uma compreensão muito séria. (P.F. 4)

Há aqui a presença de uma racionalidade técnica na formação desse professores-formadores pela fala: “tivemos

Concepções e práticas dos professores-formadores no curso de pedagogia

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assim a questão histórica de currículo, as diferentes concep- ções de currículo até então”, porque essa concepção técnica tem um foco conteudista, mecanicista e acrítico, sem a presença de ações práticas, de contato com a realidade estudada e com ausência de reflexões sobre essa realidade. É o mesmo que dizer que forma um técnico para dominar as aplicações de um conteú- do científico produzido por outrem. Informações como: “tinha um grupo de estudos em paralelo” e “acabava já fazendo algu- mas críticas em relação ao tecnicismo”, nos mostram que havia a vontade de ir além da formação oferecida, além do permitido. Acredito que essas concepções críticas e as concepções não tão críticas dos professores-formadores influenciam na formação de futuros profissionais.

A lembrança é que a formação, a respeito da disciplina de currículo, foi frágil e que só depois no exercício da profissão é que foi adquirindo concepções mais arrojadas. Os sujeitos, a seguir, parecem não ter tido essa disciplina em seus currículos, como podem ter recebido uma visão “conteudista” sem maiores significados para a sua formação. O fato de não lembrarem que tipo de mentalidade sobre a disciplina de currículo foi traba- lhada durante a sua formação inicial, se revela uma lacuna no mínimo curiosa:

Quando eu me formei eu fiz História em 83 [...] e depois eu fiz música em 88. O meu histórico escolar é um pouco antigo e eu acredito que essas discussões sobre currículo escolar no Brasil e em cursos de licenciatura sejam bem mais contemporâneas, porque sinceramente eu não lembro. Se a gente chegou a discu- tir currículo deve ter sido como uma matéria ou algum conteú- do dentro de outra disciplina porque eu não lembro de ter tido uma disciplina específica que tenha discutido currículo. (P.F.10)

O sujeito abaixo me mostra ter claro que à época e o regi- me estabelecido naquele momento, os conteúdos e a forma em que eram trabalhados não podiam ser diferentes:

Quando eu fiz a minha graduação, foi durante o período mili- tar, então nós tivemos assim um problema sério, perdemos muito tempo, o regime militar estava aí eu estudei nesse período forte do regime e os currículos não se estudavam muito porque eles eram impostos, isso era no tempo da Moral e Cívica, dos Estudos Sociais, aquelas disciplinas que se colocavam eram estudadas. Não tinha muito que estudar em currículo porque ao estudar currículo a proposta é saber como estão os currículos, fazer uma análise e compreender que eles podem ser modificados, então não tinha porque estu- dar o currículo naquele período se era imposto e não existia possibilidade alguma de mudar. (P.F. 7)

Em outros momentos, os sujeitos apresentam uma defini- ção distinta do currículo entendendo-o, hoje, como um proces- so amplo, um conjunto de ações, de valores, de propostas que envolvem todos os atores dentro de uma instituição escolar e que vai além dela.

O currículo escolar hoje pra mim é o conjunto de todas as ações, todos os comportamentos, todas as atitudes, todos os projetos políticos pedagógicos, todas as experiências que se possa vivenciar dentro de uma instituição escolar [...]. É óbvio que tudo isso ele vai desaguar lá na sala de aula porque eu considero que é no momento do processo ensino/aprendiza- gem que o currículo se efetiva [...]. (P.F. 2)

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As concepções sobre currículo escolar e currículo de formação docente, presentes nas falas dos sujeitos, nos dizem de conhecimentos psicopedagógicos, quando citam a necessidade de envolvimento: “psicológico e emocional”; de conhecimentos do conteúdo como na fala: “é aquele conjunto de disciplinas que a gente desenvolve ali na sala de aula”; de conhecimentos didáticos, quando falam que é “no momento do processo ensi- no/aprendizagem que o currículo se efetiva, de conhecimentos de contexto sociais, culturais, religiosos, políticos, econômi- cos”. Os tipos e níveis de conhecimentos são considerados por Grossman (GARCIA, 1999, p. 85), como componentes essenciais para a formação profissional.

Os professores definem o currículo escolar com um olhar crítico lá na escola. Descrevem que esse currículo sofre influên- cias da sociedade e também a influencia. Têm consciência de que o currículo que vem sendo gestado nas escolas, hoje, é muito mais uma imposição de interesses externos à própria institui- ção, que, por vezes, pouco participa de sua estruturação, ficando como uma cumpridora de determinações externas. Vejamos as concepções de alguns sujeitos:

Quando eu penso em currículo, eu penso na vida da escola, qual a função da escola, tanto na formação dos que estão ali e da sociedade onde esta escola está presente. Eu vejo que esse currículo que está acontecendo na escola hoje contribui para a obediência, para a aceitação de que realmente eu sou um fracasso. O próprio Bourdieu com suas teses reprodutivistas já colocou isso com muita propriedade que são os mais pobres que não conseguem. (P.F.1)

[...] Então existe uma relação de poder muito grande quando a gente fala em currículo. Alguém sempre acaba escolhendo