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A última grande batalha de Monteiro Lobato pelo progresso, dessa vez material, do Brasil, foi também a mais inglória. Prefaciando O escândalo do petróleo e do ferro, obra em que Lobato reúne os artigos que escreveu durante sua árdua e, até certo ponto,

20 Como aponta Enio Passiani (2003), Lobato editou, é verdade, alguns literatos já consagrados, mas sua

infrutífera luta por esses dois elementos que considerava fundamentais para o desenvolvimento do país, Caio Prado Junior, argutamente, observa:

Monteiro Lobato apresenta em alto grau [...] um traço psicológico que não é freqüente no Brasil: o idealismo do progresso material (Prado Junior apud LOBATO, 1955, p. IX).

Impressionado com a riqueza e prosperidade dos Estados Unidos, país onde, de 1927 a 1930, esteve como adido comercial do governo Washington Luis, convence-se de que os problemas brasileiros se resolveriam assim que resolvêssemos a questão do ferro e, posteriormente, a do petróleo. Lobato partia do princípio de que o ferro era a matéria prima da máquina, e esta era a multiplicadora da eficiência do homem. O homem brasileiro estava ainda muito próximo do “homem músculo”, que só podia o que podiam seus braços. A máquina o faria subjugar com facilidade a natureza circundante, o que geraria, sem sombra de dúvida, riqueza. O escritor chega a reconhecer que se equivocara ao pensar que, resolvido o problema sanitário do país, tudo se transfiguraria para melhor. O grande problema do Brasil, pensava agora Lobato, era de natureza econômica. E a única maneira de resolvê-lo era multiplicando a eficiência do homem através da “maquinização” do país, que, para ser levada a efeito, dependia da urgente solução da questão metalúrgica.

Indispensável nos compenetrarmos de uma vez para sempre, da grande verdade: –

nosso problema não é político, nem racial, nem climatérico, mas pura e simplesmente econômico (LOBATO, 1955, p. 246).

Raça? Clima? Instituições? Nada disso. Pobreza apenas. Fraqueza econômica, conseqüente à fraca eficiência do homem, muito perto ainda do homem-músculo (LOBATO, 1955, p. 262).

Em Detroit, Lobato travara conhecimento com William H. Smith, criador de um novo processo metalúrgico que dispensava os altos fornos e a utilização de carvão de qualidade, inexistente no Brasil. Como vemos em um trecho de carta de Lobato a Alarico Silveira, chefe da Casa Civil do Presidente Washington Luis, datada de três de maio de 1928, a que tivemos acesso através da biografia sobre Lobato escrita por Edgard Cavalheiro, o novo sistema “não exige coque agente redutor, e sim carvão de madeira, ou palha de café, ou bagaço de cana, ou linhito, ou turfa, ou xisto – qualquer fonte de carbono” (Lobato apud CAVALHEIRO, 1955, v. 1, p. 384). O problema da metalurgia brasileira, à época, era justamente este. Tínhamos minério em abundância, mas faltava-nos com que abastecer os altos fornos, faltava-nos carvão que desse bom coque, que tínhamos de importar, o que encarecia demais o processo. Assim, a descoberta de Smith, como demonstrava pormenorizadamente Lobato nos seguidos relatórios que enviou a diversos membros do governo brasileiro, seria a solução ideal para o Brasil, já que, segundo afirmava Lobato, porta-voz voluntário do novo processo desenvolvido pelo americano, possibilitaria a produção de um aço de melhor qualidade e a custos menores.21 Apesar da grande

loquacidade, entusiasmo e clareza no deslindamento dos detalhes técnicos com que Lobato redigiu as cartas e relatórios – ele acreditava sinceramente ter descoberto a solução para a questão metalúrgica brasileira e, conseqüentemente, para nossa grave e crônica crise econômica –, o novo processo metalúrgico não empolgou as autoridades, tendo sido, ao

21 Como vemos na biografia de Edgard Cavalheiro sobre Monteiro Lobato, o processo Smith se revelaria

contrário, recebido com muita desconfiança. Com a ascensão de Getúlio em 1930, no começo de 1931 Lobato retorna ao Brasil. Os últimos três anos passara-os desgastando-se com o envio de cartas e relatórios a integrantes do governo e a amigos, tendo como resposta apenas um frio e eloqüente silêncio. Resolve então vir a público, expondo de maneira clara e vibrante o assunto, em uma série de artigos dados à estampa pelo Estado e, posteriormente, aglutinados no volume Ferro. Por essa época, afasta-se quase que completamente do meio literário, a não ser pela publicação, em 1931, de Reinações de

Narizinho e das traduções de Alice no país das maravilhas e Robinson Crusoe, como nos

informa Edgard Cavalheiro. Vencido, o escritor das sobrancelhas taturânicas resolve dedicar-se a outra campanha, ainda mais árdua e espinhosa que a do ferro, com a qual despendeu anos preciosos do final de sua vida e que, como recompensa, acabou por levá-lo à prisão. Sobre sua luta pelo ferro a partir do processo Smith, conquanto os equívocos provocados pelo excessivo entusiasmo com que absorveu uma técnica que ainda se desenvolvia, o que parece ter magoado Lobato foi o descaso, o desinteresse, a má-fé daqueles que, responsáveis diretos pela questão, não se deram ao trabalho ao menos de averiguar a viabilidade do projeto ao qual o escritor tanto se empenhou em pesquisar e divulgar, e que parecia ser uma solução formidável para a questão metalúrgica brasileira. Ainda sobre a malograda campanha pelo ferro, observa Cavalheiro:

Mais do que determinado processo de “fazer ferro”, o que Monteiro Lobato tem em vista – e os documentos íntimos, que são as cartas, não deixam lugar para dúvidas – é debelar a pobreza do seu país, torná-lo grande, forte, poderoso, à altura de tratar de “caros colegas” as maiores potências do mundo (CAVALHEIRO, 1955, v. 1, p. 406).

Como referimos há pouco, Lobato abandonava temporariamente a campanha que empreendia havia seis longos anos pelo ferro para entrar em um embate que se revelaria bem mais difícil e ingrato: a luta pelo petróleo. E afirmamos que é temporariamente que relega as questões metalúrgicas a um segundo plano porque sua luta pelo petróleo era, em parte, para conseguir fundos e voltar à carga, para, como dizia, “ferrar”, no bom e metálico sentido, o Brasil. Como não tinha mais o apoio do governo para as questões do ferro – se é que em algum momento o teve, mesmo quando o presidente era seu amigo Washington Luis –, Lobato tenta, sem sucesso, captar os recursos necessários à consecução de sua aventura metalúrgica entre a iniciativa privada. Parte, então, dessa vez com uma bem sucedida captação de recursos feita principalmente entre pequenos investidores, gente do povo, para a prospecção do combustível da máquina em estado bruto, o petróleo, que nos daria dinheiro para investirmos em metalurgia, mãe da máquina, multiplicadora da eficiência do homem.

“Por isso atirei-me ao óleo, que é mais imediato e pode nos trazer recursos para o ferro” (Lobato apud CAVALHEIRO, 1955, v. 1, p. 401).

Se Lobato já havia sentido, de alguma maneira, as pressões exercidas por grupos internacionais adeptos dos altos fornos, infiltrados no governo, onde semeavam desconfiança, intrigas e ceticismo, e que desejavam que o Brasil continuasse dependendo de ferro ou coque estrangeiro, com o petróleo essa pressão atingirá proporções homéricas. A voz geral, por conta dos relatórios emitidos pelos departamentos de geologia e geofísica do governo, era unânime em afirmar que no Brasil não havia petróleo, apesar de, em várias

regiões do país, os indícios apontarem o contrário. Em sua obra O escândalo do petróleo (1936) Lobato descreve a luta desigual que travou contra os trustes internacionais que de tudo fizeram para que o petróleo não jorrasse. É angustiante ver a narração desses dez anos da vida do escritor em que ele se entrega de corpo e alma a uma batalha perdida, por conta do poderio econômico de seus oponentes. Abandona a literatura, não tem tempo para mais nada, “oil or hell” é o seu lema então. Para encurtar esta conturbada e triste página da história brasileira, Lobato, após várias sabotagens que sofre em sua infausta campanha, envia algumas cartas destemperadas a Getúlio Vargas, denunciando a velhacaria dos defensores do “não-petróleo”. Vargas, apesar de tudo, se entusiasma com o talento persuasivo do escritor e o convida para chefiar o recém criado Ministério da Propaganda. A negativa de Lobato se dá através de outra carta, onde, de maneira ácida mas realista, aponta os verdadeiros problemas do país, afirmando que não seria com propaganda enganosa no exterior que eles se resolveriam. A vinte de março de 1941, após mais uma recusa de Lobato, dessa vez a um banquete em Campinas onde teria lugar ao lado de Getúlio, vem a resposta do ditador: Lobato, derrotado, exausto, pobre – a campanha pelo petróleo arruinara sua vida financeira – é conduzido à prisão, onde ficaria por noventa dias, encerrando, assim, de maneira trágica, sua luta por um Brasil menos miserável.