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Capítulo I – LEITURA: CONCEPÇÕES, REFLEXÕES E

1.2 Ativação do conhecimento prévio

1.2.3 Planos de texto e sequências textuais

Uma vez que entendemos a leitura como um processo estratégico de emissão e verificação de previsões implícitas e explícitas autorizadas pelo texto, é importante pensarmos nos planos de texto. “Os planos de texto desempenham um papel fundamental na composição macrotextual do sentido” (ADAM, 2011, p. 257). Eles estão disponíveis no sistema de conhecimento dos grupos sociais e permitem reconstruir (na leitura) a organização global de um texto.

A reconstrução do plano do texto pelo leitor, segundo o autor, não resulta de uma atitude previamente estabelecida pelo plano canônico da composição textual. Ela resulta da natureza diversificada e dinâmica dos gêneros e subgêneros do discurso que envolvem textura (proposições enunciadas e períodos), estrutura

composicional (sequências e planos do texto), semântica (representação discursiva), enunciação (responsabilidade enunciativa e coesão polifônica), atos de discurso (ilocucionário) e orientação argumentativa.

Ainda segundo Adam (2011), um plano de texto pode ser convencional, isto é, fixado pelo estado histórico de um gênero ou subgênero de discurso, ou ocasional, ou seja, inesperado, deslocado em relação a um gênero ou subgênero do discurso. Desse modo, o que determina, predominantemente, os planos de texto fixos e não fixos é a situação comunicativa.

Sequências textuais

Para compreendermos um texto precisamos entender como ele está estruturado. Ter a percepção dos agenciamentos da estruturação sequencial, ou seja, saber que tipo de sequência é dominante no texto e quais combinações de sequências existem é fundamental para construção de sentidos do texto. É por meio da predominância de sequências textuais que o leitor reconhece o projeto de dizer e a sua função discursiva.

De acordo com Adam (2011), as sequências textuais podem ser: narrativas, descritivas, argumentativas, explicativas e dialogais. Para Adam (2011), essas sequências correspondem a cinco tipos de relações macrossemânticas memorizadas por impregnação cultural (pela leitura, escuta e produção de texto) e transformadas em esquema de reconhecimento e de estruturação da informação textual. Nesse aspecto, compreender as relações de sentidos estabelecidas entre as sequências textuais é fundamental para a compreensão global do texto.

Em relação à sequência narrativa, Adam (2011) afirma que as diferentes formas de construção da narrativa dependem de seu grau de narrativização. Uma narrativa que é constituída apenas uma simples enumeração de uma série de ações e/ou eventos possui um baixo grau de narrativização. Uma narrativa que é constituída de cinco macroproposições narrativas de base (situação inicial - orientação, nó- desencadeador, re-ação ou avaliação, desenlace – resolução, situação final) corresponde ao mais alto grau de narrativização.

Diante disso, Adam (2011) assevera que a aplicação do esquema de enredo é um o processo interpretativo de construção de sentido. Esse processo, guiado pela segmentação e por marcas linguísticas muito diversas, é submetido a escolhas e

decisões de estruturações centradas na identificação de um núcleo e um desenlace. Assim, o reconhecimento da estrutura do enredo pelo leitor é um fator dinamizador do processo de construção de sentido do texto.

Em relação à sequência descritiva, Adam (2011) afirma que diferentemente dos outros quatro tipos de sequência, a descrição não comporta uma ordem de agrupamento das proposições ligadas entre si. Tem, por isso, uma frágil caracterização sequencial. “Quatro macrooperações agrupam nove operações descritivas que geram uma dezena de tipos de operações de descritivas de base” (Adam, 2011, p. 218). A diversidade de operações (de tematização, de aspectualização, de relação e de expansão por subtematização) torna a sequência descritiva expansiva e potencialmente infinita, na medida em que a descrição pode ocorrer em qualquer outro tipo de sequência textual.

A operação de análise das sequências descritivas em um todo, em partes e em subpartes de um texto pelo leitor é importante, posto que a forma como as sequências descritivas estão expostas nos segmentos do texto contribuem para a coerência global.

Em relação à sequência dialogal, Adam (2011) afirma que a imitação da conversação oral leva a formas dialogais escritas que não podem ser confundidas com a realidade autêntica. Um texto dialogal é enquadrado por sequências fáticas (sequência transacional: pergunta / resposta / avaliação) de abertura e de fechamento. Esse tipo de sequência é frequente em narrativas de estrutura canônica, em que os personagens, por meio do discurso direto, formam intercâmbio completo, ou seja, constituem pares de intervenções, que formam uma sequência de turnos.

Neste sentido, perceber a dinâmica transacional da sequência dialogal em qualquer tipo de texto, bem como a sua predominância na composição textual é fundamental para a compreensão do texto como um todo.

Conforme Adam (2011), três tipos de agenciamento de base permitem relacionar sequências entre si: 1) sequências coordenadas (sucessão); 2) sequências inseridas (encaixamento); 3) sequências alternadas (em paralelo). Essas sequências ocorrem mediante a intencionalidade do texto. O exame das combinações dessas sequências permite o reconhecimento do tipo de texto por parte do leitor. Em cada situação e para cada tipo de texto, em termos de sequências, o efeito dominante é determinado pelo maior número de certo tipo de

sequência que aparece no texto. Isso assegura o princípio cooperativo da leitura na medida em que o leitor percebe a intencionalidade do autor por meio do tipo de segmentação sequencial do texto.

Ainda sobre o estudo das sequências textuais e sua importância no processo de compreensão do texto, Marquesi (2004, p. 116) apresenta quatro etapas de leitura para os textos descritivos, a saber:

1) levantamento das microestruturas textuais: desmontagem do texto, por meio de recortes de suas unidades textuais sequenciadas; 2) levantamento das macroestrutura textual: criação de macroproposições, pela aplicação de regras da redução da informação às microestruturas;

3) verificação dos blocos textuais: denominação dos blocos componentes do texto pelo agrupamento das microestruturas em

pontos de ancoragem, considerando-se as macroproposições, a

partir da superestrutura proposta para o descritivo;

4) exames de blocos textuais: análise global do texto por meio de imbricamento.

A realização dessas etapas de leitura contribui para o desenvolvimento da competência leitora do educando, uma vez que o leitor faz um movimento interativo de leitura e garante a compreensão das ideias principais e da macroestrutura do texto durante o processo da leitura.

Outro aspecto importante é a dimensão leitor/texto, ou seja, o conhecimento de mundo do leitor em interação com o conhecimento de mundo do autor materializado no texto, por meio da referenciação. De acordo com Marquesi (2007), de um lado, o autor constrói seu objeto de discurso, de outro, o leitor orienta-se no exercício da construção de sentidos. O domínio das formas de referenciação, de categorização e recategorização escolhidas pelo autor conduz a interação entre autor/texto/leitor na reconstrução dos sentidos, uma vez que “as entidades designadas são vistas como objeto-do-discurso e não como objetos-do-mundo” (KOCH, 2009, p. 51).

Organizadores textuais

Um aspecto imprescindível ao desenvolvimento da compreensão leitora, refere-se à necessidade de se conhecer a função dos organizadores textuais, tanto os que ordenam as partes da representação discursiva quanto os que estruturam a

progressão do texto. “A combinação de organizadores textuais e temporais tem o objetivo de orientar o leitor a construir um todo coerente” (ADAM, 2011, p.182). O emprego e as funções desses organizadores textuais situam o leitor no plano da discursividade, na medida em que eles têm propriedades de ordenar e de segmentar a informatividade do texto.

De acordo com Adam (2011), os organizadores podem ser espaciais (à esquerda/à direita, antes/depois, em cima/embaixo, mais longe, de um lado/de outro etc.), temporais (então, antes, em seguida, [e] então, depois, após, na véspera, no dia seguinte, três dias depois etc.), enumerativos aditivos (e, ou, assim, também, como, igualmente, ainda, além disso etc.) e marcadores de integração linear que abrem uma série (de um lado, inicialmente, primeiramente, em primeiro lugar, etc.), indicam sua continuidade (em seguida, depois, em segundo lugar etc.) e seu fechamento (por outro lado, enfim, em último lugar, é tudo, para terminar, em conclusão etc.). A seleção desses organizadores textuais exercem um papel importante na composição textual e orienta o leitor na construção do sentido do texto.

Macroestrutura e microestrutura do texto

O estabelecimento da coerência global do texto pelo leitor resulta, em grande parte, da sistematização de diversas etapas de leitura ligadas ao plano linguístico nos níveis da macro e da microestrutura textual. “Uma macroestrutura, bem como o resumo que a exprime, não tem de, necessariamente, ser constituída de proposições que aparecem no texto, já que ela pode resumir uma sequência inteira de proposições” (VAN DIJK & KINTSCH 1975, apud MARQUESI, 2004, p. 36 ). Em relação a isso, podemos dizer que o leitor, ao construir as macroestruturas do texto, o faz não somente com base na superfície textual ordenada em microestruturas, mas também com base em inferências e focalização autorizadas pelo texto.

Ao ler um texto, o leitor constrói as macroestruturas considerando o que ele focaliza. Essa focalização origina-se tanto de pistas linguísticas presentes no texto e reconhecidas pelo leitor, quanto de pistas extralinguísticas que fazem parte da história dos indivíduos, de contextos vivenciados pelo leitor, e que são inferidas durante a leitura.

Nesse particular, a focalização dada ao texto influencia na construção de suas macroproposições. Conforme destacam Koch & Travaglia (2011), o fenômeno da focalização apresenta dois fatores: o conhecimento de mundo e o conhecimento partilhado. De acordo com essa perspectiva, a focalização do leitor pode ser tanto eficiente, na medida em que promove conhecimento compartilhado em contexto comunicativo e materializado em macroproposições, quanto ineficiente, ao gerar problemas na construção da coerência global do texto, uma vez que nem sempre há conhecimentos compartilhados entre leitor, texto e autor.

Outro aspecto que pode gerar problemas na construção da macroestrutura pelo leitor é o desconhecimento em relação ao vocabulário selecionado pelo autor, em particular, o uso de palavras homônimas, cujo emprego está vinculado diretamente ao contexto de produção, ao campo semântico, à história de vida dos indivíduos. Se o leitor não reconhecer o contexto em que está sendo usada a palavra no texto, por meio do conhecimento de mundo proveniente de sua bagagem cultural, social e linguística, a construção de macroestruturas, certamente, não será efetivada de forma coerente.

Normalmente, quando levantamos questões de compreensão do texto no âmbito da leitura, é útil considerar o emprego das macrorregras de redução da informação semântica do texto, a saber:

macrorregra 1 - de generalização – permite a substituição de duas ou mais proposições por uma proposição que as englobe; macrorregra 2 - da supressão – permite suprimir as informações de detalhes; macrorregra 3 - da integração ou da construção – permite a integração ou a construção da informação de ordem inferior, no seio de uma unidade geral de nível mais geral ou superior (VAN DIJK & KINTSCH apud MARQUESI, 2004, p. 38).

O uso dessas metarregras no processo de compreensão da leitura permite ao leitor construir macroproposições do texto, o esquema textual e sua manifestação discursiva.