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Vamos minha gente, que uma noite não é nada. Vamos minha gente, que uma noite não é nada, pois quem chegou foi Katokinn, no romper da madrugada (canto do Toré Katokinn).

A literatura indígena funciona como mecanismo de retorno ao passado, porém, esse mecanismo não aceita as imposições e os sofrimentos que os povos indígenas vivenciaram. A escrita literária indígena está embasada na memória e na ancestralidade de povos que, embora perseguidos, jamais perderam sua identidade.

Na verdade, realizar esta pesquisa fez com quem eu me encontrasse, me sentisse afetado e passasse por um processo de descolonização do pensamento. Pesquisar sobre literatura indígena, a escrita de povos que mantêm uma relação ancestral comigo foi, de fato, momento ímpar para mim.

O desenvolver desta pesquisa contribuiu também para a formação do meu eu enquanto sujeito pesquisador, estudante e indígena. Mesmo sendo a literatura um campo ficcional, ao entrar no texto canônico, eu não me via enquanto sujeito. Sendo assim, esta pesquisa colabora para que muitos, assim como eu, possam problematizar e questionar pressupostos, que por vezes, são considerados irreparáveis.

O cânone literário existe e entendo que ele seleciona obras e autores. Os escritores indígenas escrevem dentro dos gêneros canônicos, tanto na prosa, quanto na poesia, porém, suas obras, para o cânone, não possuem um valor estético assim como as obras de José de Alencar. Retorno às palavras de Reis (1992) quando diz que o que é problemático, em suma, é a existência de um cânone na sociedade, que compartimenta, separa e exclui. Sendo assim, entendo que o cânone continuará a existir em nossa sociedade, que determinados autores e determinadas obras continuarão a exercer importância mais que outras/os, entretanto, o que me deixa tranquilo é saber que as literaturas que não são canônicas não irão parar de produzir, de escrever, e aqui incluo a literatura indígena.

A voz poética nas poesias de Graça Graúna continuará a exclamar, a literatura da indígena Potiguara carregada de memória e ancestralidade levará o texto literário que fala do indígena a diversos outros lugares, à academia, às escolas, ao leitor conservador canônico, inclusive. Se o colonizador chegou aqui e viu Terra à vi$ta, a indígena Graça Graúna vê que é possível o indígena falar de si mesmo, sem um outro para representá-lo.

Em Eliane Potiguara a identidade é reforçada e continuará a ser, as coletividades herdadas dos ancestrais que, quando aparecem no texto literário, reverberam conhecimentos de diversas gerações, fazem/farão os brancos reconhecerem que os povos indígenas brasileiros existem e resistem e possuem uma identidade indígena bem formada.

Através da escrita potente de Daniel Munduruku, o sujeito indígena, quando representado no texto literário não cai em estereótipos, pois Munduruku aponta em suas narrativas heróis insurgentes, não heróis servis e submissos ao colonizador, pois usam da criatividade, da esperteza e assim como buscaram o fogo, buscam o respeito. Com isso, a escrita de Graúna, Potiguara, Munduruku e tantos outros escritores indígenas, cicatriza feridas, embora a mancha da chibata permaneça.

Assim, entendo que o texto literário sendo escrito pelo próprio indígena, descendendo da oralidade, é carregado de marcas próprias. O próprio indígena se autodenomina, fala de si, do seu povo, não pelas vozes de outrem, mas através da sua própria voz, das suas vozes, das coletividades indígenas.

Compreendendo as propostas do cânone literário brasileiro e seus processos de seleção e exclusão, podemos reforçar que a literatura dos povos indígenas continua e continuará viva em nosso meio, mesmo sendo negada pelo cânone. Cada vez mais, escritores e escritoras indígenas transmitem o conhecimento para as novas gerações, fazendo com que não se perca aquilo que os ancestrais, os pajés e caciques guardaram por tanto tempo. É literatura, conhecimento e tradição.

Assim, usamos da literatura para lutar também por nosso território, seja ele físico, literário ou social. Os povos indígenas merecem respeito. Graúna (2013) diz que a literatura indígena pulsa e que a sua força atravessa fronteiras! Essas fronteiras ainda são muitas em pleno século XXI, no entanto, nenhuma voz indígena se calará e nenhum sangue será derramado novamente. Nenhuma gota a mais!

O dessilenciamento de escritores indígenas como Graça Graúna, Eliane Potiguara e Daniel Munduruku me faz crer que não estou só. Que, além deles, há outros que andam comigo, que lutaram e lutam para que eu/nós possa(mos) resistir.

Sendo assim, perceber que o texto literário de voz indígena colabora com veemência para que imagens acerca do indígena produzidas também no texto literário, em outros séculos, possam ser problematizadas, faz-me compreender que muito ainda pode ser escrito, problematizado e debatido. Que assim como Graúna, Potiguara e Munduruku eu não me cale. Esta pesquisa é um bom começo, em silêncio eu não fico mais. Comecei a falar agora!

Identificação, fortalecimento, resistência, assim como a literatura indígena é o Toré, é também o povo indígena brasileiro. Estereótipo? Discurso colonial? Preconceito? Essas palavras não compactuam com a luta desse povo. Se em Alencar, à luz da estética romântica, se construiu um imaginário europeizado do índio brasileiro, o que vem adiante surge para repensar, problematizar e desmistificar tudo que foi posto anteriormente.

Sendo assim, vamos agora ao terreiro da vida dançar! A rodada começou. O Toré é resistência. Respeite o terreiro que é o coração da comunidade. Que as forças encantadas estejam conosco e que os indígenas possam viver dias melhores, cantando o canto da liberdade e da paz!