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2. REPRESENTAÇÃO DO ÍNDIO NO DISCURSO CANÔNICO

2.4 Ubirajara: transformações e mito

Da famosa tríade indianista de Alencar, a última obra a ser publica foi Ubirajara (2015). Diferente de O Guarani, em que Alencar apresenta a junção do Velho mundo ao Novo mundo através dos personagens Peri e Ceci, e diferente também de Iracema em que a figura do homem branco (Portugal) chega ao Brasil (América) e provoca o nascimento de uma raça, em Ubirajara não há a presença do colonizador.

O romance se passa antes da chegada dos colonizadores, mais precisamente em 1478, no século XV, período conhecido como pré-cabralino. A narrativa, como o próprio Alencar fala na advertência de abertura é irmã da obra Iracema.

Em Ubirajara não há a presença do colonizador, o romance se passa nas terras virgens e inexploradas do Brasil, em que Alencar propôs a imagem de um herói mítico, a narrativa não é um romance de fundação, assim como O Guarani e Ubirajara, ao contrário, apresenta o índio como sujeito que ainda não foi corrompido. Seria então necessário pensar; Alencar fecha a tríade indianista apresentando o lado bom dos índios brasileiros, sem estereotipá-los?

A partir disso, este subtópico tem por objetivo debater acerca do romance Ubirajara, para entendermos a proposta de Alencar ao apresentar uma narrativa indianista sem a presença do colonizador, porém, que vê um índio que precisa se transformar constantemente para ser aceito em meio aos seus próprios parentes.

O romance Ubirajara está organizado em nove capítulos e conta a história de Jaguarê, um índio caçador que almeja ser guerreiro. Na narrativa, o personagem tido como herói terá que se adequar às determinadas situações para ser posto em local de destaque. Se nas narrativas indianistas anteriores o índio servia ao homem branco, em Ubirajara o índio possui uma vontade enorme de conseguir notoriedade.

Porém, Alencar era muito próximo à coroa portuguesa, então, porque ele não apresenta a coroa na imagem do português nesse romance final? Vejamos quais os motivos para tal proposta de Alencar:

Dois fatos são de destaque para a compreensão do que se processou nesse outro momento da vida do autor: primeiro, em 1870, abandona a carreira política como reação ao sentimento de mágoa que cultivou ao longo dos anos pelo imperador D. Pedro II e, posteriormente, vítima de tuberculose, sofre os abalos intensos da doença, na época incurável, que o faria leiloar todos os seus bens para ir a Europa no ano de 1876, em busca de tratamento médico (OLIVEIRA, 2010, s/p).

Em Ubirajara o índio não está em relação com o homem branco; se nos primeiros romances indianistas, o colonizador foi exaltado, como sujeito que é bom, no último romance ele não ganha destaque, mas vale mencionar que também não é criticado.

Percebo então que a construção da narrativa alencariana sem a presença do colonizador traz um índio menos imaturo, mas ainda com pouco caráter e continua selvagem assim como nos romances de fundação.

Para Alencar, no romance em tela, há o uso constante de diversas notas de rodapé, pois é através delas que ele explica melhor algumas ações das personagens e a significação de termos específicos. Nesta narrativa indianista em que não há a presença do colonizador, há a presença de índios que querem sobressair sobre os demais índios, demonstrando que este sujeito não vive na coletividade, busca reconhecimento apenas para si. O indianismo de Alencar parte um lugar idealizado e estereotipado. O mítico, o selvagem, as paixões propostas nas narrativas exprimem um índio não muito maduro e ainda refém de seus desejos. O índio aparece como ser forte em coragem, mas frágil em caráter.

No desenvolver da narrativa, Jandira, índia da tribo que Ubirajara vivia, esperava que ele a escolhesse como sua esposa, porém, ele estava encantado em Araci, a virgem da tribo tocantim. Assim como Iracema estava prometida a Irapuã, Jandira estava a Ubirajara (Jaguarê), mas ambos preferem se apaixonar pelo desconhecido. Iracema pelo colonizador e Ubirajara pela índia da tribo inimiga. Jaguarê lutará para se tornar guerreiro, no entanto, percebe-se apaixonado por Araci, mesmo possuindo Jandira:

- Não, filha do sol; Jaguarê não deixou a taba de seus pais onde Jandira lhe guarda o seio de esposa, para ser escravo da virgem. Ele vem combater e ganhar um nome de guerra que encha de orgulho a sua nação. Torna à taba dos tocantins e dize aos cem guerreiros cativos de teu amor, que Jaguarê, o mais destemido dos caçadores araguaias, os desafia ao combate (ALENCAR, 2015, p. 15, grifos meus).

Sendo assim, é notável que em Ubirajara (2015) o personagem principal passa por diversas transformações durante a narrativa, ele vai adaptando-se às situações em que percorre, desde quando se tornaogrande guerreiro, na luta por Araci, até o desfecho da história.

Como índio herói estereotipado, Ubirajara passa por mortes durante a construção do seu personagem. Não mortes físicas, mas mortes de caráter e adequação. Quando muda de Jaguarê para Ubirajara, depois para Jurandir e depois volta a ser Ubirajara.

Para poder combater com os guerreiros pela índia Araci, Ubirajara passa a se chamar Jurandir. De tal modo, as mortes simbólicas de Ubirajara representam o processo de estereótipo

proposto na narrativa, que apresenta um índio que nunca busca se satisfazer com o que é seu, o índio em Alencar sempre busca algo de fora, o proibido. O personagem Ubirajara possui características de cavaleiro medieval, não de índio brasileiro.

O índio Ubirajara é tomado por um sentimento de dominação e poder. E como se dispôs a lutar pela moça da tribo inimiga, quando no combate nupcial revela sua verdadeira origem cria um conflito, pois seu prisioneiro, aquele com quem lutou para tornar-se guerreiro, é seu cunhado, filho de Itaquê e irmão de Araci, a índia que ele quer por esposa.

Em Ubirajara, há também a presença do discurso colonial, pois o indígena na tríade indianista de Alencar é criado por meio de perspectivas negativas, de separação, de abandono. Ao final da narrativa, quando os tocantins estavam para lutar contra os araguaias, surge na narrativa a tribo tapuia com quem as duas tribos antes inimigas lutam e vencem, sendo assim, Ubirajara e Araci selam o arco das duas nações e tornam-se uma nação só, os Ubirajaras.

Embora no final da narrativa as duas nações selem a paz, o personagem Ubirajara precisou inicialmente mentir, lutar, desfazer-se de seu povo para ficar com Araci, mesmo já possuindo a mão de Jandira. O personagem passa por mortes simbólicas para ir se construindo como guerreiro. A tríade de Alencar fecha-se com essa narrativa, levando-nos a perceber que, embora não possua colonizador, o índio ainda é servil, não faz decisões certas e, se preciso, abandona seu povo.

Assim, o abandono ao povo não condiz com a identidade dos povos indígenas, ao contrário, são povos que procuram manter viva a união ancestral, como será debatido no próximo capítulo.