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No dia 9 de outubro de 2017, ocorreu em Brasília um evento da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho em que estavam presentes mais de 600 inscritos, sendo 10 ministros do Tribunal Superior do Trabalho, 344 juízes trabalhistas, 70 auditores fiscais do trabalho, 30 procuradores e 120 advogados. A conclusão majoritária do plenário do referido evento foi de que vários pontos da reforma trabalhista não se tornarão realidade pelo fato de que desrespeitam a Constituição Federal e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. (TEIXEIRA, 2017).

Verifica-se que, a maior parte dos presentes no supracitado evento chegou a conclusão de que a terceirização não deve ser admitida na atividade-fim da iniciativa privada e em hipótese alguma pode ser aplicada na administração pública direta ou indireta. (TEIXEIRA, 2017).

Segundo Miziara e Pinheiro (2017, p. 71) é possível afirmar que a proposta de modernização da legislação no que se refere à terceirização, terá como consequências “[...] a precarização das condições de trabalho; a fragilização da organização coletiva dos empregados em razão da pulverização/atomização dos mesmos; a dispersão da atuação sindical; a discriminação entre efetivos e terceirizados; a fissura da relação de trabalho[...]”, bem como várias outras consequências negativas.

Entende Miziara e Pinheiro (2017, p. 71)

Sabe-se que a ordem econômica também deve ser valorizada. Mas, ao contrário do que a reforma propõe, esta deve ser fundada não só na livre iniciativa, mas, também, na valorização do trabalho humano (art. 170, CRFB/88). Ademais, essa mesma ordem econômica tem, por fim, assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, dentre outros, o princípio da função social da propriedade (inciso III), redução das desigualdades regionais e social (inciso VII), e, busca do pleno emprego (inciso VIII).

Mesmo com as garantias constitucionais, a reforma trabalhista não promove a adequada acomodação dos interesses do capital e trabalho ao liberar a terceirização irrestrita,

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pelo contrário, ela aumenta a desvalorização do trabalho e ajuda nas desigualdades. (MIZIARA; PINHEIRO, 2017, p. 71).

Segundo o entendimento de Miziara e Pinheiro (2017, p. 71) é necessário “que a classe de trabalhadores se dê conta de que está sendo vendido um sonho que jamais poderá realizar, qual seja, a de viver um futuro melhor, baseado no pleno emprego e com o respeito ao valor social do trabalho, preconizado na promessa constitucional de 1988.”

Para excluir esta modalidade irrestrita de terceirização ou pelo menos diminuir suas consequências, a doutrina afirma que o caminho para a adequação e possível democratização das relações de terceirização trilateral é iniciar o controle civilizatório da terceirização. (MIZIARA; PINHEIRO, 2017, p. 71 apud DELGADO, 2003, p. 143).

No mesmo sentido, entende o doutrinador Garcia (2017, p. 155), ao concluir a sua obra, que a terceirização de forma ampla, irrestrita e de qualquer atividade, inclusive as atividades-fim, poderá afetar a harmonia e a coerência do sistema jurídico, alterando os alicerces do Direito do Trabalho, que teve várias conquistas históricas memoráveis e fundamentais da civilização, pois é necessário à preservação da dignidade humana e a concretização dos objetivos do Estado Democrático de Direito.

Desse modo, entende Garcia (2017, p. 155) que “seria adequada, assim a delimitação da terceirização apenas às atividades de suporte, ou seja, periféricas do tomador dos serviços.”

Também entendem os doutrinadores Bezerra e Capuzzi (2017, p. 82-84) que a Lei nº 13.429/2017 traz de forma inegável muitos retrocessos no que se refere aos direitos sociais já conquistados pelos trabalhadores, de modo que a terceirização irrestrita e perene será considerada a regra, ou seja, os empresários terão mão de obra adquirida de outras empresas por prazo indefinido e para as atividades genericamente denominadas pela lei como determinadas e especificas, e se assim acontecer, esse empresário ou sociedade empresária perderá sua própria natureza, sendo apenas um investidor da pessoa jurídica que lhe cede a mão de obra.

Assim, a única função do tomador seria injetar dinheiro na empresa que lhe cederá toda a mão de obra, de modo que seria muito fácil ocorrer um desvirtuamento e uma fraude a lei através do não pagamento dos encargos trabalhistas. (CAPUZZI; BEZERRA, 2017, p. 84).

Assim, fica visível que a Lei nº 13.429/2017 suprime os direitos fundamentais ao trabalho decente e a isonomia, e também os altera, culminando na descaracterização dos direitos fundamentais da busca do pleno emprego e dos direitos sociais, de modo que essas medidas inseridas na lei ferem de uma forma muito grave o dispositivo constitucional da

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ordem econômica que garante a iniciativa privada que está consagrada na Constituição de 1988. (CAPUZZI; BEZERRA, 2017, p. 87-88).

Ainda, entende Capuzzi e Bezerra (2017, p. 92) que:

Ao desprezar todo o arcabouço normativo acima exposto, o legislador brasileiro institucionaliza aquilo que a doutrina denomina de “regime paralelo de emprego rarefeito”, pois desmantela o pilar principal que rege e norteia o Direito do Trabalho, que é a vinculação bilateral entre empregado e empregador, transformando aquilo que sempre foi a exceção no ordenamento jurídico brasileiro em regra.

Segundo Feliciano, Treviso e Fontes (2017, p. 206) a Reforma trabalhista “trata-se de um documento feito às pressas, sem qualquer discussão mais profunda, séria e honestamente democrática”, de modo que representa ao setor econômico uma demonstração explícita de poder e para o governo a possibilidade de “sobrevida”.

A lei nº 13.429/2017 e a posterior lei nº 13.467/2017, que possibilitaram a terceirização da atividade-fim, não obstante a sua ilegitimidade, tendo em vista, que o regular processo democrático para sua aprovação possui muitas incongruências técnicas, atraem muitos posicionamentos contrários de que a terceirização irrestrita não é regular. (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 206).

Entendem os doutrinadores Feliciano, Treviso e Fontes (2017, p. 206-207) que:

De todo modo, a autorização para a terceirização da atividade-fim, se assim puder ser extraído das leis em questão, representa em si uma superação da terceirização como um todo, inclusive da denominada terceirização da atividade-meio (tratada como um modelo mitigado de intermediação de mão de obra, com o eufemismo de especialização de serviços), uma vez que sem o disfarce jurídico - e mais ainda com a revelação da intenção de se instituir a quarteirização - a terceirização assume claramente o seu verdadeiro caráter de mera intermediação de mão de obra, e isso fere o projeto constitucional de Estado Social baseado na necessidade de se estabelecer uma responsabilização jurídica ao capital que é gerado pela exploração do trabalho humano, para a implementação organizada de uma mínima distribuição de renda e o desenvolvimento de políticas públicas de índole social.

Assim, fica visível que uma lei que estabelece um obstáculo para a vinculação entre o capital e o trabalho, fragmentando a classe trabalhadora e quebrando as poucas possibilidades de atuação política que essa classe possui, uma lei que afronta a Constituição Federal e os Pactos de reconstrução do modelo de sociedade capitalista, firmados nos períodos que sucedem às duas guerras mundiais. (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 207).

As leis em questão trazem um enorme retrocesso ao patrimônio jurídico da classe trabalhadora, conquistado ao longo de décadas, direitos estes garantidos na Constituição Federal, ressaltando principalmente o direito de garantir a melhoria para a condição social do trabalhador. (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 207).

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A grande questão é que uma regulação jurídica não pode ser e, ao mesmo tempo, não ser. Não existe a possibilidade de um ato ser inserido na órbita da ilicitude e ao mesmo tempo ser considerado lícito, pois o ordenamento não pode estabelecer um padrão jurídico e criar outro padrão paralelo contraposto ao primeiro. (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 207).

Entendem Feliciano, Treviso e Fontes (2017, p. 207) de uma forma mais direta que:

[...] não é possível que a ordem jurídica estabeleça a relação de emprego como regra geral da vinculação entre o capital e o trabalho e se permita, ao mesmo tempo, que a relação de emprego não seja esse mecanismo de vinculação do capital ao trabalho, vendo-a tão somente como o efeito de um ajuste de vontades, que possibilita ao capital se distanciar, quando queira, do trabalho pela contratação de entes interpostos.

Desse modo, quando a lei permite que todo tipo de serviço de uma empresa seja terceirizado, o que se cria é uma regra generalizante que estabelece que o capital não se vincula diretamente ao trabalho, institucionalizando a mera intermediação de mão de obra e, ainda, “[...] se uma empresa transfere para outra empresa aquilo que justifica a sua existência como unidade empreendedora é lógico que perece.” (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 207).

A vinculação jurídica entre o capital e o trabalho é a própria razão de ser do Direito do Trabalho, que possui amparo na Constituição Federal, limitando os interesses econômicos para impedir a supressão da dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho e para garantir melhorias às condições sociais dos trabalhadores, inclusive de onde decorre a natureza jurídica de ordem pública da configuração da relação de emprego. (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 207).

O Direito do Trabalho tem que cumprir a sua função e invalidar a cláusula que transfere a configuração da relação de emprego “[...]para a empresa prestadora de serviços, que assim como o trabalhador, também não é detentora dos meios de produção e que apenas tem a oferecer no mercado de trabalho a mercadoria força de trabalho [...]”, que compra dos trabalhadores com dinheiro que vem da empresa capitalista. (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 207-208).

Segundo Feliciano, Treviso e Fontes (2017, p. 209):

O que não se pode conceber, dentro do projeto jurídico de Direito Social, é que a força de trabalho seja conduzida ao ponto da mera mercadoria de comércio, como forma de gerar lucro ao comerciante desvinculado de qualquer projeto social mínimo e sem visualizar o caráter humano do trabalho, pois isso representa uma fórmula para evitar que o mais-valor se complete sem ao menos respeitar o limite que fora imposto a partir do reconhecimento dos efeitos nefastos de duas guerras mundiais, que explicitam as consequências do "capitalismo desorganizado", quando se firmou

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também o compromisso em torno da necessidade de se integrar a classe trabalhadora ao projeto de sociedade, garantindo-lhe uma condição existencial para além da mera sobrevivência.

Desse modo, “[...] a terceirização generalizada, entendida como mera intermediação de mão de obra, pois, é uma destruição completa do projeto de Direito Social, em favor do grande capital, o qual possui uma estruturação compatível com a intermediação.” (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 209).

Assim, uma prestação de serviços só pode ocorrer de modo regular no Direito Social para a realização de atividades que não estejam inseridas no objeto principal daquele que contrata, pois quanto mais intermediações ocorrem no processo produtivo, mais longe fica o trabalhador do capital e se torna mais distante a concretização do projeto de uma ordem social mínima para o capitalismo. (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 209).

Quando a lei permite que a terceirização se dê de forma irrestrita, é gerado um efeito de se acreditar que o capital não se veria mais obrigado a vincular-se a projeto social algum, estando livre e unicamente submetido à sua própria lógica, pois se cria a visão de que não existe a possibilidade da formação de vínculo jurídico entre o capital e o trabalho. (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 209).

Entendem os doutrinadores Feliciano, Treviso e Fontes (2017, p. 210) que:

[...] quando a lei chega ao ponto de autorizar a terceirização da atividade-fim, o efeito jurídico necessário, para a preservação da ordem social, é o de se afirmar o contrário, ou seja, que a terceirização, juridicamente falando, não existe e o mecanismo que se tem para isso é o da declaração da relação de emprego, instituto criado exatamente para vincular o trabalho e o capital, atribuindo-se a este uma responsabilidade social mínima para a efetivação de um projeto de sociedade pautado pela lógica do Estado Social.

Diante da retomada extremamente necessária dos fundamentos do Direito do Trabalho para solucionar o conflito entre duas regras generalizantes que são opostas, chega-se ao ponto crucial de que “[...]a previsão legal da atividade-fim representa o fim da terceirização.” (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 210).

Para Feliciano, Treviso e Fontes (2017, p. 211):

Concretamente, o advento da Lei n. 13.429/17, acima citada, assim como o da Lei n. 13.467/17 (da "reforma" trabalhista), que reforçou os termos da primeira, geração como efeito jurídico o paradoxo da declaração da ilegalidade da terceirização (na atividade-fim ou na atividade-meio, sendo que, quanto a esta última se perdeu quaquer parâmetro legal de excepcionalidade), pois o que resulta da generalidade conferida à terceirização é a sua visualização como mera intermediaçao de mão de obra, o que agride princípio fundamental do Direito Internacional do Trabalho, fixado no Tratado de Versalhes, de 1919, no sentido de que o trabalho humano não é simples mercadoria de comércio.

Porém, para acomodar as mencionadas leis ao ordenamento jurídico e conceder, a ambas, vigor, deve-se entender que a terceirização autorizada não se confunde com a

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intermediação de mão de obra. Assim, a terceirização autorizada só pode ser tomada no sentido de subcontratação para a realização de uma atividade específica e não para alugar a força de trabalho, pois dentro do ordenamento jurídico atual, nunca se autorizou que uma empresa se constitua apenas com a finalidade de locar força de trabalho. (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 211).

Entende-se que seria permitida apenas a transferência de atividade que seria empreendida e gerida pela prestadora de forma integral e por consequência teria que possuir os meios de produção necessários à sua execução, que pressupõe que teria que ter a capacidade econômica compatível com a sua execução, pois não é válido juridicamente, por exemplo “[...] que uma escola contrate uma empresa para que esta contrate professores, sem que seja a empresa contratada também uma entidade ligada ao ensino.” (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 211).

Assim, se uma empresa realizar a hipótese de terceirização generalizada e não apenas para situações específicas e justificadas pela especialidade da contratada, a empresa contratante vai deixar de existir como uma entidade empreendedora, permanecendo apenas como gerenciadora de negócios. (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 211).

Para melhor compreensão, os doutrinadores Feliciano, Treviso e Fontes (2017, p. 211) dispõe que:

[...] não se pode conceber como regular, da mesma forma a terceirização em que uma empresa contrate outra para simplesmente lhe oferecer operadores de máquina, mantendo-se a propriedade da máquina com a empresa dita "tomadora" dos serviços, ou quando houver a contratação de mais de uma empresa para a execução da mesma atividade, ou ainda, a hipótese em que os empregados da prestadora sejam deslocados de uma tomadora para outra apenas como forma de dificultar a socialização do trabalhador e a efetividade de seus direitos.

É importante lembrar que em sociedades juridicamente organizadas as atividades só são permitidas para quem possui habilitação para exercê-las, assim como na odontologia, na medicina, na advocacia etc., e assim também devem ser com relação às empresas. (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 212).

Assim, entendem os doutrinadores Feliciano, Treviso e Fontes (2017, p. 212) que:

Para que se possa empreender alguma atividade e levá-la ao mercado é preciso que se tenha autorização legal para tanto ou que a atividade não seja juridicamente proibida. Como os seres humanos não são mercadorias, não se pode conceber como licitamente constituída uma empresa cuja atividade seja, meramente, locar mão de obra, até porque isso constituiria uma forma de burlar a autorização legal conferida a uma empresa para a realização de atividade específica.

Desse modo, se a empresa só possui autorização expressa para o desenvolvimento de uma atividade, não é possível que ela transmita a atividade para outra que não foi autorizada à sua realização. E então, se essa autorização dada pela Lei nº 13.429/2017 e Lei nº

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13.467/2017 foi a de realização de atividade e não de fornecimento de força de trabalho para a execução de qualquer tipo de serviço, é visível que a empresa que for transferir a atividade deve ser especializada em sua realização. (FELICIANO; TREVISO; FONTES, 2017, p. 212). Desse modo, o que se pode observar é que grande parte dos doutrinadores entende que a Lei de Terceirização é precária em muitos aspectos, principalmente no que se refere a terceirização de forma irrestrita (atividade-fim).