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POTES COM BORDO ESPESSADO DOBRADO SOBRE O OMBRO

(Catál. cc-59, sep. 32; cc-63, sep. 33)

Estamos perante uma forma comum, de ampla cronologia, e que suscitou algumas dúvidas quanto à apropriada categoria formal – potes, panelas, ou urnas. Em função da respectiva morfologia, e de acordo com a proposta apresentada para o estudo da cerâmica comum de São Cucufate (PINTO, 2003, p. 85), cc-59 e cc-53 da Rouca enquadrar-se-iam no grupo formal das panelas. Todavia, a nossa opção em integrá-las na categoria dos potes prendeu-se com dois aspectos fundamentais: por um lado, o jogo de proporções definido por Balfet para esta forma (BALFET ET AL., 1983, p. 16); e por outro, a distinção fundamental baseada na funcionalidade das peças, e designadamente na sua utilização ou não para ir ao lume e cozinhar alimentos (ALARCÃO, 1974a, p. 35). A este respeito note-se que, no estudo da cerâmica comum proveniente das necrópoles do Alto Alentejo, Nolen não utiliza a categoria tipológico-funcional «panela», incluindo os exemplares com formas idênticas à da peça acima descrita no conjunto dos potes e vasos afins (NOLEN, 1985, p. 113-127). A mesma situação se verifica em relação ao estudo da cerâmica comum da necrópole de Santo André (VIEGAS ET AL., 1981, p. 101 – 110). Em relação a uma possível utilização como urnas cinerárias ou recipientes para oferendas funerárias (SÁNCHEZ SÁNCHEZ, 1992, p. 21), estamos conscientes dessa efectiva possibilidade, mas a ausência de dados que a comprovem leva-nos a considerá-la com as devidas reservas. Assim, tendo em conta que, em ambos os casos, o diâmetro mínimo das peças é sensivelmente superior a um terço do diâmetro máximo; que não se afigura verosímil o seu uso culinário; e que nos é impossível atestar uma eventual funcionalidade como urnas funerárias, considerou-se «pote» a classificação tipológica mais correcta.

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As duas peças da Rouca que ilustram esta forma apresentam um bojo ovóide e largo, ligeiramente achatado, com ombros arredondados bem marcados, e bordo dobrado sobre o ombro. O facto de não encontrarmos paralelos exactos para o perfil do bordo destas peças leva-nos a reiterar a ideia de que esta forma básica terá tido larga difusão, sendo reproduzida por inúmeras oficinas locais (que abasteceriam diferentes populações, não necessariamente distantes entre si), e consequentemente revelando diferenças de pormenor entre os produtos dos diversos oleiros (VIEGAS ET AL., 1981, p. 111). Esta ideia parece ser reforçada pela heterogeneidade verificada entre os exemplares desta forma documentados nas necrópoles elvenses (NOLEN, 1985), de Santo André (VIEGAS ET AL., 1981), Monte do Farrobo (ALARCÃO, 1974b), Valdoca (ALARCÃO & ALARCÃO, 1966) ou Conímbriga (ALARCÃO, 1974a); bem como pelo tipo de pasta utilizado no fabrico de cc-59 e cc-63 (grupo A), cujas características indiciam uma origem local/regional. A forma ovóide e larga do bojo destas peças tende a ser associada ao período flaviano (VIEGAS ET AL., 1981, p. 104), e as suas dimensões permitem enquadrá-las no panorama geral dos potes ovóides representados nas necrópoles alto-alentejanas (NOLEN, 1985, p. 118- 122, e 216-221, nºs 439-493) e de Santo André (VIEGAS ET AL., 1981, p. 104-106). Em termos de acabamento das peças, a aparente aplicação de engobe cinzento-escuro na peça cc-59 parece encontrar o seu paralelo mais aproximado num tacho proveniente de Santo André (apesar das diferenças formais registadas entre as duas peças) (VIEGAS ET AL., 1981, p. 109, Est. LVII, I 2.11).

Colocando a hipótese das peças da Rouca terem sido utilizadas como urnas, são de assinalar as diferenças formais verificadas entre estas e as urnas documentadas por Nolen (as nossas peças apresentam menores dimensões) (NOLEN, 1985, p. 129-133, Est.s XLVIII-XLIX, nºs 502-507), ou as urnas provenientes da necrópole de Santo André, de perfil ovóide mais alto e esguio do que cc-59 e cc-63 (VIEGAS ET AL., 1981, p. 110-114). Caso se viesse a confirmar a hipótese referida, estas diferenças formais facilmente se explicariam pelas diversas oficinas que terão abastecido os centros populacionais que utilizaram estas necrópoles; todavia, e na ausência de dados que nos permitam falar de «urnas» entre o espólio cerâmico da necrópole da Rouca, não podemos deixar de nos interrogar se esta prática funerária, bem documentada em necrópoles como Padrão (VIANA & DEUS, 1956), Padrãozinho (VIANA & DEUS, 1955c), Serrones (VIANA & DEUS, 1955c), Torre das Arcas (VIANA & DEUS, 1955b), Valdoca (ALARCÃO & ALARCÃO, 1966), Monte do Farrobo (ALARCÃO, 1974b) ou Santo André (VIEGAS ET AL., 1981), não terá estado também representada na necrópole em estudo, e se, nesse caso, cc-59 e cc-63 não ilustrariam essa realidade.

Tendo em conta os paralelos identificados e o restante espólio atribuído aos contextos de achado de cc- 59 e cc-63, sugere-se uma cronologia de âmbito alargado, da segunda metade do séc. I d.C. ao séc. III (inclusive), consentânea com o âmbito cronológico definido por Nolen para os potes de bojo ovóide das necrópoles alto-alentejanas (NOLEN, 1995-1997, p. 374).

71 TIPO II-b: POTES DE BOJO BAIXO E ACHATADO, E BORDO ESPESSADO VOLTADO PARA O EXTERIOR

(Catál. cc-34, sep. 14)

Esta subcategoria de potes é ilustrada por um único exemplar que encontra os seus paralelos mais aproximados na cerâmica comum da necrópole de Valdoca (ALARCÃO & ALARCÃO, 1966, p. 55, 89, e 22; Est. XV, sep. 172, nº 4; Est. XXIX, sep. 424; Est. XXXVI, sep. 40, nº 1), e na forma I das panelinhas (“ollitas”) da cerâmica comum emeritense (SÁNCHEZ SÁNCHEZ, 1992, p. 24-25, Fig. 4, nº 9). É curioso notar que não identificámos paralelos exactos para esta forma no conjunto da cerâmica comum proveniente das necrópoles alto-alentejanas (NOLEN, 1985) ou de Santo André (VIEGAS ET AL., 1981), tendo sido, nestes casos, apenas possível estabelecer uma aproximação formal genérica aos potes de bojo ovóide com bordo voltado para o exterior representados nestas necrópoles (NOLEN, 1985, p. 118 e 121-122, Est.s XLII e XLV, nºs 441, 475, 476 e 479; VIEGAS ET AL., 1981, p. 104, 128, e 139, Est. IV, C 1.4). A ausência de paralelos exactos no espólio cerâmico das necrópoles alto-alentejanas, por um lado; e as semelhanças registadas com espólio cerâmico da necrópole de Aljustrel e cerâmica comum emeritense, por outro, levantam a hipótese de uma produção com origens para além da actual fronteira luso-espanhola, cujo mercado de escoamento se estendesse ao Baixo Alentejo (e eventualmente a parte do actual interior alentejano). Contudo, a utilização no fabrico de cc-63 de uma pasta derivada de barros residuais, com abundância de minerais ferromagnesianos, bem como o pressuposto de que, à época romana, tal como nos dias de hoje, “os artigos de cozinha para uso de todos os dias não se compram muito caros, nem se vão buscar muito longe” (NOLEN, 1985, p. 113), levam-nos a considerar mais verosímil tratar-se de um produto de um oleiro local. Para além disso, ao colocar-se a hipótese de uma produção com origem em território actualmente espanhol, ou na zona do actual Baixo Alentejo, cuja área de comercialização abarcasse o núcleo populacional que utilizou o espaço funerário da Rouca, tem de se reconhecer que o mais natural seria que também as populações que se serviram das necrópoles romanas documentadas na região de Elvas tivessem acesso aos mesmos produtos.

O único paralelo datável identificado em Valdoca remete-nos para a primeira metade do séc. I d.C. (ALARCÃO & ALARCÃO, 1966, p. 55-56, sep. 172), todavia o facto da peça da Rouca estar associada a exemplares de sigillata hispânica das formas Draggendorf 35 e 36 e a cerâmica de paredes finas (forma Mayet XLIII), leva-nos a conceber o fabrico do nosso tipo II-b durante, pelo menos, a segunda metade do séc. I d.C. – inícios do séc. II.