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SUPORTES TEÓRICOS

SEIS PROPOSIÇÕES SOBRE O LETRAMENTO COMO PRÁTICA SOCIAL 48 O letramento é melhor entendido como um

3.2.3 Práticas de Letramento no Contexto Profissional

Muitos estudos de letramento no contexto do trabalho têm sido realizados ao longo dos anos, muitos deles contextualizando suas pesquisas a partir do surgimento do chamado novo capitalismo (BELFIORE et al, 2004; GEE; HULL; LANKSHEAR, 1996; HULL, 1997; LANKSHEAR, 1997; O’CONNOR, 1994). De acordo com a definição de Gee, Hull e Lankshear (1996, p.12), o termo refere-se a todo um contexto sócio-histórico que começou a se delinear a partir da Segunda Guerra Mundial, quando países tidos como desenvolvidos começaram a competir economicamente com os Estados Unidos, usando métodos de estandardização e de produção em massa de mercadorias. Contudo, os avanços científicos e tecnológicos acabaram levando à fragmentação do mercado de massa em uma infinidade de submercados ou nichos de mercado. Isso porque, as mudanças tecnológicas permitiram que os bens de consumo fossem customizados, ou personalizados, mesmo sendo produzidos em larga escala, o que acabou ocasionando uma grande competição entre os empresários, que abandonaram padrões de produção em massa e se aventuraram nesse novo mercado ainda mais competitivo, visto que agora seria exigida uma maior especialização da parte deles.

Essas mudanças, em que mais mercados estavam competindo pelos mesmos nichos, geraram uma competição acirrada por cargos de trabalho. Segundo os autores, os países que tiveram bons resultados nessa redefinição de mercado. Foram aqueles que demonstraram maior habilidade de adaptação em conseguir produzir bens de qualidade com um menor preço. Sua estratégia para conseguir isso foi espalhar partes dos processos de

EDUCAÇÃO ESPECIAL, 1994; LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA (LDB), n° 9394, 1996.

produção de mercadorias das empresas e das indústrias em países em desenvolvimento, pois eles, em geral, possuem mão de obra barata e benefícios fiscais.

Para Gee, Hull e Lankshear (1996, p. 12), essas novas práticas surgidas dentro do campo de trabalho, criaram novas configurações para os empregados, como maior pressão e responsabilidade sobre aqueles que detêm cargos de chefia, incentivo da competitividade entre os funcionários de modo a torná-los mais “produtivos” para a empresa, assim como também a proliferação de empregos com baixo salário e de trabalhos temporários. Isso por sua vez, ocasionou para eles consequências diretas nas práticas de letramento dentro das empresas, pois criou novas identidades sociais ou “novos tipos de pessoas” (GEE; HULL; LANKSHEAR, 1996, p.13) como novos líderes, novos trabalhadores, novos estudantes, novos professores, novos cidadãos, e assim por diante. Interessa-lhes então compreender como a linguagem e os letramentos presentes nessas práticas sociais produzem e reproduzem as identidades sociais.

Apesar de os AEEs não terem, pelo menos diretamente, sofrido com essa reconfiguração do mercado de trabalho relacionada aos mercados de consumo, sua dinâmica de funcionamento também foi alterada em função das novas determinações governamentais que, por sua vez, sofreram influência de organismos governamentais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) que, por meio da produção de documentos que os países participantes devem assinar, tenta impor, internacionalmente, padrões de conduta em relação à Educação Especial e à inclusão59 (BARTON; PAPEN, 2010, p. 67, 144). De acordo com o que foi delineado no Capítulo 1, meu objetivo é conhecer os letramentos que foram se constituindo dentro da nova realidade de um AEE e como as identidades desses profissionais e de profissionais foram se reconfigurando nesse contexto.

Para entender as práticas sociais na instituição, com o objetivo de compreender suas práticas de letramento e as identidades profissionais que se constroem nessas práticas, foi fundamental conhecer de perto o funcionamento da instituição. O’Connor (1994, p. 3) entende os ambientes profissionais como locais de interação social, pois se encontram repletos de pessoas que possuem histórias, valores, crenças, práticas, conhecimentos e experiências distintas. Todos esses elementos são vivenciados diariamente por todos os participantes, podendo eles ocorrer na forma de relações pacíficas, relações conflitantes e com eventuais problemas de comunicação. Assim, para ele, os locais de trabalho são:

multidimensionais e consistindo de contextos e práticas complexas em configurações diferentes e instáveis. Para monitorar e intervir eficazmente nessas várias configurações é necessário examinar cuidadosamente os fatores internos e externos e os processos (formais e informais) que operam nos contextos e práticas específicas; para identificar e examinar o quadro social, político e conceitual mais amplo que dá a um contexto particular de trabalho (...) seus significados. Ou seja, é essencial para compreender contextos particulares de trabalho, evitar considerar os padrões e as práticas de linguagem e letramento em contextos distintos, mas, ao contrário, como relações e interações que ocorrem em diferentes contextos. Qualquer análise da linguagem, do letramento e do numeramento (e das práticas comunicativas em geral) no local de trabalho, deve focalizar a prática dos discursos; isto é, a atividade social por meio da qual o significado é produzido e na qual está localizado e situado (O'CONNOR, 1994, p. 3)60.

Fica claro também que, por ser esse contexto de trabalho tão complexo devido ser composto de práticas que comumente extrapolam o ambiente de trabalho, essas práticas

sociais - que O’Connor (1994, p. 3) chamou de “processos e fatores externos” - acabam por

dar uma feição particular a cada instituição, já que produzem diferentes discursos, o que possibilita, por sua vez, a análise da linguagem e das práticas de letramento presentes ali.

Uma metáfora utilizada por Belfiore et al (2004, p. 2, 235), para se compreender como são complexas as práticas de letramento no ambiente de trabalho, é a do tapete. Compreendendo que o letramento é muito mais que o domínio de técnicas, que envolve a participação em um grupo social, o ambiente de trabalho pode ser visto como um tapete e os letramentos como as diversas linhas ou fios que compõem o todo. As linhas são muitas e são muito entrelaçadas, formando um só tecido. Sem as linhas não existiria nem tecido, nem estampa, nem tapete, e se alguém puxar somente uma linha do tapete também não terá nada de significativo, porque a linha sozinha não tem nenhum significado nem beleza fora da contextura do tapete. Essa metáfora reforça a visão de que o ambiente de trabalho é composto de pessoas que possuem diferentes experiências, já que pertencem a contextos sociais diversos, tornando cada contexto de trabalho peculiar e único.

Isso é muito pertinente para esta pesquisa, já que analiso como as práticas de letramento relativas a cada área de estudo do grupo de profissionais podem influenciar seus usos de letramento na instituição e em seu relacionamento com profissionais de outras áreas.

60 Tradução minha: “(…) multi-dimensional and consisting of complex contexts and practices in different and

shifting configurations. In order to monitor and effectively intervene in these various configurations it is necessary to carefully examine the internal and external factors and processes (formal and informal) which operate on the specific contexts and practices; to identify and examine the broader social, political and conceptual framework that gives a particular workplace context (…) its meanings. That is, it is essential in any understanding of particular workplace contexts to avoid viewing the language and literacy patterns and practices within discrete contexts, but rather as the relationships and interactions which occur within and across different contexts. Any analysis of language, literacy and numeracy (and communicative practices generally) in the workplace must focus on the practice of the discourses; that is, the social activity through which meaning is produced and within which it is located and embedded” (O’CONNOR, 1994, p. 3).

A seguir, apresento o segundo suporte teórico desta pesquisa, a saber, a Análise de Discurso Crítica (ADC).