• Nenhum resultado encontrado

Práticas violonísticas contemporâneas em Rosario e Paraná, e seus praticantes

Neste capítulo, trataremos de diversos aspectos das práticas violonísticas contemporâneas em Rosario e Paraná. Ao invés de abordá-los numa grande narrativa global, pareceu-nos mais conveniente, a fim de alcançar clareza, fazer uma descrição “semi-fragmentada” organizada por aspectos. É evidente que tais aspectos constituem localizações precárias, já que todos estão interligados de forma indissociável e se interpenetram constantemente. Vamos tentar seguir cada fio do novelo, mas sempre colocado em seu trajeto tortuoso no grande emaranhado. Separados no texto para uma escrita mais inteligível, os vários assuntos vão reaparecendo uns dentro dos outros, a cada vez revelando um seu novo aspecto, à maneira de um tema (as práticas) com variações (seus aspectos). Esse proceder tem a vantagem de prevenir hierarquias indesejadas e o isolamento teórico daquilo que na prática é contínuo; tentamos fazer da teoria, prática, ao aplicar em sua construção princípios semelhantes aos observados empiricamente. Uma possível desvantagem é um certo grau inevitável de redundância, não de todo indesejável num texto destas dimensões. Algumas vezes, a descrição enfatizará a “contemporaneidade” das práticas, quando forem idiossincráticas do momento presente (o que se relaciona muitas vezes com as tecnologias específicas deste momento histórico no território, mas não sempre). Na maior parte do texto, no entanto, ela permanece implícita, sem deixar de ser um foco permanente da pesquisa, uma lente que filtrou as observações feitas. De toda forma, em consonância com o que argumentamos no caso da música contemporânea, nos parece “argumento de contemporaneidade” suficiente o fato de que estas práticas estejam sendo realizadas hoje, por grupos sociais que as preservam e reinventam constantemente.

As descrições a seguir, bem como as observações que as embasam, se inspiraram num modelo de pensamento não-hierárquico e em rede, dentro do qual operam três conceitos fundamentais: o de agente, humano ou não-humano, que é quem executa ou influencia ações; o de mediador, que é um estado atribuído ao agente quando sua ação independente ou sua meta conectam, de forma explícita ou direta, outros agentes; e o de ação, que é a interferência dos agentes na realidade. O modelo não aparece explicitamente no texto descritivo.

Tomamos especial cuidado em resgatar o frequentemente olvidado poder de agência dos não-humanos, conforme proposto por Latour (2001 e 2011). Igualmente

importante é entender os mediadores como agentes em seus próprios termos e não como uma espécie de “atravessadores”, frequentemente indesejados. Por fim, é preciso entender que as múltiplas interações entre os vários agentes produzem resultados que não podem ser previstos a partir de sua consideração isolada do contexto, o que é dizer que a soma das partes difere do todo. Escolhemos pensar que elas – as ações – podem, coletivamente, agenciar um território de interferências mútuas onde ressoam de formas imprevisíveis em contato umas com as outras.

FIGURA 6 - Representação gráfica do modelo orientador das observações e descrições. As linhas representando a interação direta entre cada agente delimitam um

território de ressonâncias¸ espaço de interferência mútua agenciado

coletivamente. Ele ocorre num plano ligeiramente deslocado em relação às ações propriamente ditas já que, originado delas, não corresponde exatamente a sua simples sobreposição ou soma.

Este modelo foi inspirado ou extraído das leituras de Canclini (2008 e 2012), que, na trilha de Pierre Bordieu, fala em “campos” (como as artes) autônomos e pós- autônomos; Deleuze e Guatarri (2012), com suas noções de rizoma e território, Grela (1985), com seu modelo analítico, sobretudo no que tange à articulação interna de uma unidade qualquer, Hennion (2002 e 2010), com suas considerações sobre mediações em música e Latour (2001, 2006 e 2011) que fala nos vários significados

da mediação técnica, dos pressupostos do pensamento moderno (em especial sua noção de temporalidade), e da agência dos não humanos. Seguiremos utilizando estes e outros conceitos e ideias destes autores, ademais daqueles nossos que são originais55. Em adição a eles, faremos uso constante de conceitos específicos

ocorrentes no território pesquisado, e que estão descritos no Glossário ao final. Reiteramos que se trata de um trabalho que não se pretende, nunca, exaustivo, priorizando uma visão de conjunto relacional em detrimento do isolamento analítico56:

a descrição das práticas violonísticas vigentes nos territórios não esgota nenhum de seus aspectos. É preciso lembrar que as práticas musicais contemporâneas abarcam uma enorme variedade de formas, e, como já vimos no Capítulo II, o violão é um instrumento muito disseminado no contexto latino-americano. Como consequência, o interesse do estudo se centrou precisamente na idiossincrasia que essas práticas apresentam no território, e dentro disso procurou atentar para a diversidade que apresentam. O que se oferece, ao invés de um único aspecto abordado em profundidade, bem delimitado mas isolado, é um panorama introdutório onde se evidenciam sobretudo as relações entre os vários aspectos e como, juntos, constituem um quadro heterogêneo mantido coeso pela interconectividade entre seus vários agentes, sejam eles pessoas, instituições ou objetos.

De tudo se depreende que práticas violonísticas massivas, amplamente difundidas pelo mundo, foram tratadas apenas de passagem, em que pese as especificidades de sua prática neste território específico. Estamos falando de gêneros como o pop, o jazz, o rock, e inclusive o tango, já objeto de muita teorização e difusão em nosso meio cultural e mesmo acadêmico.

De acordo com nossa formação acadêmica e profissional, observações e descrições foram feitas a partir do ponto de vista dos vários praticantes, com grande destaque para os artistas. O fenômeno estético em si, como um processo, ou a recepção dos produtos artísticos, não foram abordados ou o foram de forma indireta. O que se apresenta, portanto, é uma descrição das práticas e produtos violonísticos da perspectiva – prioritariamente – dos violonistas.

55 No Capítulo VI faremos uma discussão mais detida do conceito-chave de mediação.

56 Evidentemente que, apesar da declaração de intenções, ambas as operações são levadas a cabo conforme a

Como já discutimos na Introdução, a cidade de Santa Fe será eventualmente abordada nos relatos, diante de sua profunda conexão com Rosario e sobretudo com Paraná.

Ao longo do texto, quando falamos em território, em itálico, estaremos nos referindo a uma entidade de natureza ao mesmo tempo conceitual, geográfica, processual, temporal e física (como um objeto), delimitada espacialmente por sua circunscrição às cidades de Rosario e Paraná. Essa entidade, cuja definição foi tarefa de toda a Parte I, é nosso “caso”, se entendemos esta pesquisa como um estudo de caso dentro um território maior que, do ponto de vista geográfico, cultural e político, diz respeito a toda a América Latina.

A rigor, deveríamos falar em territórios, já que agrupar as duas cidades num mesmo conceito seria um procedimento injustificado. No entanto, como optamos por uma descrição não-individuada ao longo do texto, até porque em geral as práticas estão dispersas por toda a região geográfica em que se situam as duas cidades, será mais conveniente utilizar o termo para referir-nos simultaneamente a todo o contexto pesquisado, tratando as especificidades de cada lugar à medida em que apareçam. É importante que o leitor mantenha em mente essa complexidade do uso que faremos do termo território, em especial considerando quatro aspectos fundamentais: a localização geográfico-identitária (Rosario e Paraná dentro do contexto latino- americano), a referência ao universo violonístico, o enfoque na música viva e o abrigo de forças e agentes plurais, não hierarquizados e nem submetidos a qualquer espécie de consenso.

Capítulo IV: Que pr ti as?

COMPOSIÇÃO, PERFORMANCE, TOCAUTORIA, AUTO-GESTÃO, CRIAÇÃO DE INSTRUMENTOS,

PRÁTICAS FORMATIVAS

Evidentemente, não seria razoável pretender esgotar as práticas musicais ocorrentes no território¸ como dissemos. Elas são múltiplas, às vezes grandiosas, às vezes mínimas, de difícil detecção; de naturezas absolutamente diversas e com objetivos igualmente variados. Editam-se discos e partituras, dão-se concertos (nas cidades de origem dos violonistas, ou se viaja, e muito. Buenos Aires é uma referência, mas não para todos), dão-se palestras, entrevistas, toca-se violão em peñas, concertos, aulas, festas, entrevistas (!). Ensina-se, dentro e fora de instituições, com diferentes métodos e objetivos. Vendem-se produtos (atualmente, o único que se pode vender com alguma consistência são apresentações). Buscam-se apoios para fazer o que quer que seja (já que a venda de produtos não é suficiente para sustentar as várias atividades). Constroem-se violões (diferentes tipos) e de cordas (um tipo para cada tipo de violão). Toca-se em grupo (grupos de violões são frequentes). Formam-se associações. Viaja-se para tocar, novamente (viaja-se muito). Fazem-se arranjos, transcrições, adaptações. Realizam-se eventos: simpósios (Paraná), seminários, cursos, concursos (Rosario), festivais (FIGROS, em Rosario), concertos (Mujerío en Abril, Música por la Identidad), festas (peñas, asados, cenas).

Preferimos, portanto, criar algumas categorias mais genéricas que, conquanto designem, elas próprias, práticas, podem abrigar em si uma variedade de outras práticas. Operamos uma seleção dentro de tudo o que pôde ser levantado pela pesquisa, observando o critério de tentar iluminar as idiossincrasias próprias do território e as práticas que se centram mais fortemente no violão.

Composição

Um elemento indispensável à viltalidade violonística em Rosario e Paraná, a prática contemporânea da composição é constante e se dá de diversas formas. Desde a composição anônima do cancioneiro folclórico – acompanhado por instrumentais diversos com presença marcante do violão – até a escrita formalizada de obras da tradição de concerto (incluindo derivações contemporâneas da “música de vanguarda” do século XX, como composições com elementos aleatórios ou supercomplexos, eletrônica pré-gravada ou em tempo real, etc.), uma ampla gama de práticas composicionais é atualmente levada a cabo aí: composição de tangos57, composição

de músicas massivas (nomeadamente de música pop) com participação do violão (e de seus congêneres, como a guitarra elétrica), a composição de músicas instrumentais (para conjunto) diversas (com a frequente influência do jazz), composição “para uso doméstico” (isto é, feita por amadores e não inseridas em circuitos formalizados de difusão), composição “incidental” para teatro e cinema, etc. Cada uma destas práticas possui características próprias que as localizam de diferentes formas entre as várias categorizações possíveis para a atividade. Estas dizem respeito à organização da prática composicional por gênero/estilo, ou por alcance (doméstico, especializado, massivo), ou por instrumental (grupo, solista), ou por funcionalidade (acompanhamento, solista ou diferentes equilíbrios entre as duas coisas), ou por ser escrita/não-escrita, ou pelo uso ou não de recursos computacionais.

Mas, dentre esta variedade de práticas composicionais, há dois aspectos sociais importantes que gostaríamos de destacar: os graus de profissionalização/especialização e de formalização. Entendemos o primeiro como articulação entre a aquisição de um ofício (não necessariamente de maneira formalizada) e as possibilidades econômicas de ganhar a vida com sua prática, com consequências para a maneira de exercê-lo. O segundo diz respeito ao

57O tango é uma tradição muito consolidada no país e que pode chegar a ser uma prática altamente

estabelecimento de procedimentos e regras convencionais para a prática composicional, inclusive no âmbito da formação.

Embora hajamos podido observar práticas em estágios muito diferentes de cada um destes dois aspectos, parece ser seguro afirmar que, enquanto prática especializada, a composição violonística tende a não encontrar suficientes fundamentos (demanda, remuneração) nos territórios pesquisados para constituir-se enquanto profissão. É certo que, excepcionalmente, algum compositor pode chegar a inserir-se num posto muito específico dentro de circuitos comerciais muito dinâmicos, onde consegue profissionalizar-se; isso vai diferenciar sua prática daquela que é mais habitual, já que o compositor profissionalizado precisa atender a uma demanda, enquanto que a composição como prática não-profissional obedece a outros imperativos, de natureza artística. Nesse sentido, os depoimentos de Marcelo Coronel (2014) e Martín Neri (2014a) são bastante esclarecedores. Marcelo abandonou um circuito profissionalmente viável da composição pela submissão das estruturas sonoras e da expressão, neste contexto, aos objetivos publicitários, preferindo um caminho de expressão mais livre, mas com suporte econômico deficitário. Martín, em seus relatos, coloca a composição num contexto de grande subjetividade, onde as considerações econômicas não tomam parte. A prática da composição está presente na vida profissional de ambos, mas de uma forma específica que será tratada adiante (tocautoria). Para além destes dois exemplos, todos os demais entrevistados envolvidos com práticas composicionais relataram não poder contar com a atividade para auferir ganhos significativos.

Contrasta com esse panorama a existência de caminhos altamente formalizados58

para a prática composicional. Em Paraná é possível estudar composição na cidade vizinha de Santa Fe, na UNL - Universidad Nacional del Litoral, a apenas uma hora de viagem em ônibus convencional. Já Rosario, cidade de grande porte, possui um curso de composição bastante estruturado na Universidad Nacional de Rosario. Um traço comum em ambas as instituições é a atuação do professor, compositor e teórico

58 A formalização, que se refere à fixação de um conjunto de práticas por meios diversos (nomeação, escrita,

repetição, institucionalização, estabelecimento de critérios de avaliação, etc.), não é privilégio das instituições nem, em particular, da academia, pois, além do fato destas organizações praticarem tacitamente uma diversidade de práticas pedagógicas informais, outras instâncias de perpetuação do conhecimento na

sociedade se valem de práticas formalizadas. A formalização acadêmica se diferencia talvez pelo foco na escrita (manuais, artigos científicos) e por sua grande legitimidade social.

Dante Grela, recentemente aposentado na UNL. Ele lecionou durante décadas em ambas as instituições e foi diretamente responsável pela estruturação de seus cursos de composição ao longo destes anos, formando muitas gerações de músicos compositores especialistas. Mas o impacto de sua atuação e da existência de artefatos institucionais promotores da prática composicional vai além. Como é sabido, as instituições se caracterizam por seu compromisso com certos conjuntos de saberes e práticas legitimados, o que na América Latina muitas vezes remete a sua situação de território pós-colonial, já que se trata de saberes vinculados diretamente às culturas colonizadoras (diferentemente, por exemplo, dos saberes ditos “tradicionais”, por exemplo). E este é apenas um dos filtros institucionais das práticas de composição, que também são aí organizadas a partir da instauração de uma dicotomia entre o “acadêmico” (formalizado e escrito) e o “popular” (informal e oral), conforme ouvimos nos depoimentos de Ernesto (2014) e Coronel (2014), ou através de operações de seleção estética, etc.

Apesar disso, e como demonstração de que os fluxos culturais não são redutíveis a categorias fixas, pudemos observar o profundo impacto que essas instituições (e particularmente o prof. Grela) tiveram na atividade criativa de dois compositores eminentemente populares: Coronel e Aguirre. Coronel teve aulas particulares com Grela, enquanto que Aguirre estudou na UNL em seu período de atuação. Em ambos os casos, os entrevistados relatam que estas experiências num ambiente onde a composição é uma prática formalizada afetaram fundamentalmente sua forma de criar música. Coronel enfatiza a possibilidade de elaborar estruturas harmônicas horizontalmente dinâmicas (polifonia) como produto deste contato. Aguirre afirma que uma oficina de improvisação que cursou com Dante em Santa Fe, na UNL, “foi para todos nós uma fonte de inspiração e recursos para utilizar em qualquer música” (AGUIRRE, 2014). Ambos consideram sua formação musical como sendo “clássica”, conceito que aqui pode ser intercambiado por “acadêmica” ou “institucional” sem muitos problemas. Para além do âmbito da formação, critérios práticos como a adequação idiomática, a correta atribuição de papéis ao violão num conjunto, ou conhecimentos estilísticos regulam a composição para violão.

Por fim, a atividade é regulada (e, por consequência, formalizada e legitimada) pela existência de uma entidade responsável pelo controle dos direitos de autor, a SADAIC,

Sociedad Argentina de Autores y Compositores de Música. Coronel (2014b) faz uma crítica à atuação da entidade:

Como sócio de SADAIC, comprovei que jamais um inspetor da entidade se apresentou a checar o devido pagamento do direito [autoral] em algum dos muitíssimos concertos que ofereci em salas médias e pequenas.

Para além destes caminhos institucionalizados com alto grau de formalização, existem outros processos de criação musical de formalização ou institucionalização menos contundente, ligados a tradições de música popular urbana (como o tango ou o jazz) e que eventualmente contam com pequenas instituições especializadas para sua prática e difusão, como é o caso das orquestras ou escolas de tango (Orquesta Escuela de Tango Rosario, La Casa del Tango (Rosario), etc.) ou de música folclórica ou pop (Escuela Argentina de Artes – nodo Paraná), onde a atividade composicional específica, se bem às vezes não está suficientemente formalizada a ponto de se materializar em matérias ou cargos específicos, acaba fazendo parte do dia-a-dia institucional na forma de arranjos, criações sob demanda (para concertos específicos), etc.

A formalização e as instituições promovem a existência de inúmeros compositores especializados, mas que são incapazes de transformar este ofício em profissão, pela ausência de bases econômicas que o permitam. Em função disso, a pesquisa indicou a prevalência da prática composicional como atividade desprofissionalizada, isto é, mantendo relações precárias entre as possibilidades de sua concretização profissional e as expectativas de indivíduos e das próprias comunidades, que estabelecem mecanismos para a formação destes especialistas. Que as comunidades não possam, posteriormente, manter a existência e a prática destes especialistas cuja formação patrocinou e induziu é um paradoxo que não vislumbra alcançar equilíbrio no futuro próximo.

Dessa forma, a composição violonística profissional ocorre, mas de forma precária, e é levada a cabo em iniciativas pontuais de compositores especializados ou na prática rotineira de violonistas-compositores, que denominaremos tocautores. Não pudemos

constatar a existência de especialistas em composição para violão que façam desta a sua prática profissional principal, e sua existência parece pouco provável. Já a composição violonística menos formalizada, semi-profissional, amadora ou integrada a circunstâncias onde não constitui um fim em si mesma ocorre com a intensidade que seria de esperar em territórios onde a presença do violão é tão marcante.

Dentro desta grande variedade de práticas contemporâneas, gostaríamos de destacar a que parece a mais idiossincrática dentro do território de pesquisa: a composição de música violonística de inspiração folclórica (também chamada no território de projeção folclórica ou simplesmente folclore (ver Glossário)). A grande maioria dos entrevistados relatou estar engajada nestas práticas, e é seguro afirmar que mesmo a criação musical institucional e formalizada, ao voltar-se para o violão, acaba sendo contaminada pela carga histórica e social do instrumento, o que resulta em frequentes referências ao universo folclórico latinoamericano59 (em outras palavras, podemos

dizer que o instrumento age efetivamente como co-criador, ou, preferivelmente, que compositor e violão se combinam para formar o agente composto que executa o ato criador). Esta prática, que está ideológica e socialmente vinculada a questões identitárias (dentro das quais o nacionalismo e as reações que suscita), se apresenta fortemente associada à tocautoria, e poderíamos citar como exemplos o trabalho de Carlos Aguirre, Ernesto Méndez, Marcelo Coronel, Martín Neri, Walter Heinze, o “Zurdo” Martínez ou Nésto Ausqui (como transcritor/arranjador), todos abordados nesta pesquisa.

59 O caso da Sonata op. 47 de Alberto Ginastera, composta em 1975 e considerada uma das obras

fundamentais do repertório acadêmico contemporâneo do instrumento, é emblemático. Ginastera, aliás, ilustra claramente o poder de influência da prática violonística, tão vinculada ao saber vernáculo latino- americano, no âmbito das práticas institucionais e legitimadas. Em grande parte de sua produção musical, podemos perceber traços derivados da música violonística. Gaiviria (2010) afirma que

O a o de- iol o u a so o idade aseada as o das soltas do iol o u a das a as egist adas de Al e to Gi aste a . Já Pierri (2014b) comenta que Ginastera era um apaixonado pelo folclore argentino, e escutava constantemente a gravações desta música (certamente incluindo violões).

Performance

Já dissemos que a prática de tocar violão é amplamente disseminada em Rosario e Paraná. Podemos afirmar que a cada prática composicional violonística corresponde uma prática performática, mas a recíproca não é verdadeira: é preciso considerar performances de obras cuja composição, pretérita, foi descontinuada60, e sobretudo

diversas práticas performáticas improvisadas em diferentes graus, onde a criação se dá em tempo real.