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Pré-requisitos para a redução das desigualdades na distribuição da renda e o

Entre 2003/2010 houve uma inegável redução da desigualdade da distribuição pessoal da renda em todas as regiões brasileiras. Segundo Dedecca (2006), essa trajetória é decorrente da combinação da ação de diversas políticas públicas, entre as quais se destaca o crescimento econômico com a recuperação do mercado de trabalho, a política de valorização do salário mínimo, que tem importante papel também ao referenciar os salários em geral e o piso da previdência social, e as transferências de renda do PBF. Para esse autor, para que se possa manter essa tendência de queda na desigualdade da distribuição de renda torna-se fundamental a manutenção da combinação dessa estratégia.

A manutenção dessa tendência na desconcentração da renda requer, segundo Dedecca, um modelo socioeconômico que viabilize crescimento com aumento da produtividade e dinamização do mercado de trabalho, com o fortalecimento de políticas públicas que apresentam papel fundamental para a distribuição da renda. A sustentação da importância relativa dessas políticas depende, por sua vez, de recursos para o financiamento da sua expansão. Como será reforçado na análise das políticas setoriais, políticas como saúde e educação, reivindicam elevação dos recursos investidos principalmente para a melhoria da qualidade dos serviços. Embora exista um limite dado pela sociedade para a expansão dos gastos públicos, dado pela carga tributária aceitável para os contribuintes, é inegável a necessidade de no mínimo serem mantidos recursos compatíveis com a manutenção do seu percentual no PIB. Nessa estratégia de crescimento econômico com redução das desigualdades visualiza-se a possibilidade de manutenção do caráter universal das políticas articulado a políticas mais focalizadas na população pobre, como o PBF.

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Segundo estudos realizados pelo IPEA, os gastos sociais apresentam um relevante papel na sustentação do próprio crescimento econômico. Análise do IPEA sobre os efeitos multiplicadores do PIB e da renda das famílias dos gastos sociais revelam, por exemplo, que a cada incremento de 1% do PIB no PBF, há uma elevação da renda das famílias de 2,25%, um dos maiores entre os gastos analisados61 (IPEA, 2010b).

De forma que além do papel redistributivo que desempenham, os gastos sociais possuem relevantes impactos sobre a expansão do PIB e consequentemente sobre a arrecadação de impostos e contribuições do governo.

Como argumenta Dedecca (2006), é possível distribuir renda sem crescimento econômico. Entretanto, é preciso crescimento econômico para distribuir renda e modificar estruturalmente o estado atual de desigualdade com elevação do padrão médio de bem-estar da sociedade. Assim, há dois desafios a serem enfrentados o da redução da desigualdade e a elevação da renda média para a redução nos níveis de pobreza.

Em síntese, coloca-se como pré-requisito para o enfrentamento da pobreza de forma sustentável, a necessidade de redução das desigualdades na distribuição de renda, a partir da convergência entre as políticas sociais e econômicas voltadas para o crescimento. Essa convergência também deve partir de uma compreensão da política social como geradora de investimentos, que apresentam impactos futuros na qualificação e na produtividade dos trabalhadores, mas também na dinamização das economias locais, além dos efeitos multiplicadores do gasto e da renda associados. Os investimentos na área social, como, por exemplo, a construção de universidades, hospitais e outros equipamentos prestadores de serviços também podem ser indutores de desenvolvimento regional em áreas economicamente menos dinâmicas.

Se houve por um lado um considerável avanço na institucionalização do SPS brasileiro e um significativo aumento dos gastos sociais, que em 2006 representava aproximadamente 21% do PIB (IPEA, 2010b), não houve por outro, avanço no que se refere aos mecanismos de financiamento dos gastos sociais. Assim, um aspecto central para a redução das

61 O multiplicador do PIB do PBF seria de 1,44%, ou seja, a cada incremento de um 1% no PBF se observa uma expansão de 1,44% no PIB. Uma elevação de 1% do PIB com os gastos em educação possibilitaria uma expansão de 1,85% do PIB e 1,67% na renda das famílias. Para um aumento semelhante com a saúde, haveria elevação do PIB de 1,70% e na renda das famílias de 1,44%. O aumento de 1% do PIB com os RGPS geraria elevação do PIB de 1,23% e na renda das famílias de 2,10% (IPEA, 2010b).

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desigualdades reside também na atual estrutura de financiamento da política social e o caráter regressivo do sistema tributário brasileiro.

Com um sistema tributário neutro no Brasil, poder-se-ia esperar que os efeitos redistributivos das ações das políticas sociais num contexto de crescimento econômico resultassem numa progressiva melhoria na redistribuição da renda. Entretanto, tendo em vista o caráter regressivo do sistema tributário e seus efeitos negativos sobre a distribuição da renda, trava-se uma queda de braço, que recentemente vem gerando redução na concentração de renda, que poderia ser ainda mais expressiva sob um sistema tributário mais neutro.

Dedecca (2009) ao analisar a equidade fiscal a partir do conceito de renda disponível, aponta que somente com a inclusão das transferências públicas é que se observa uma queda mais expressiva dos índices de desigualdade62.

Segundo Silveira (2008), a carga tributária é mais pesada para os décimos de menor renda e mais leve para os de maior renda. Isso se deve ao fato de haver um enorme desequilíbrio entre os tributos indiretos, arrecadados sobre o consumo e circulação de mercadorias e serviços e os tributos diretos, mais progressivos, por incidirem sobre renda e patrimônio. Afonso (2010) reafirma esse aspecto ao dizer que: ―Ao tributarmos mal e muito o consumo, como este absorve a

maior parte da renda das famílias de menor renda, estas pagam proporcionalmente mais impostos que as mais abastadas‖ (Afonso, 2010, p.14).

Em comparação realizada pelo IPEA entre o Brasil e os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com dados de 2005, observa-se que o peso dos tributos regressivos, incidentes sobre bens e serviços, é, em média, 10 pontos percentuais maior no Brasil do que nos países da OCDE. Enquanto esses representavam em 2005, 46,1% da carga tributária brasileira, eram apenas 31,6%, em média, nos países da OCDE. Por outro lado, os tributos sobre renda, que no Brasil não passavam de 20,6%, representavam 35,8%, em média, nos países da OCDE. Os tributos sobre propriedade, enquanto no Brasil eram de 3,8%, eram, em média, de 5,3% nos países da OCDE (IPEA, 2010b, p.92).

62 Neste trabalho Dedecca avalia as transferências de saúde, educação e às relativas à proteção e previdência social, mostrando que estas favorecem especialmente os estratos inferiores de renda. Como o autor utiliza dados de 2003, acredita-se que ao se recalcular os dados a partir da POF de 2008, poder-se-á observar que as transferências possibilitam quedas mais expressivas na desigualdade, tendo em vista a elevação considerável de transferências realizadas no âmbito do PBF entre 2004-2008.

122 Segundo Afonso (2010, p.17):

Entre 2002-2009: o total coletado cresceu 29,2% em termos reais, mas foi maior a variação em ramos que produzem bens essenciais para consumo dos mais pobres – como a indústria de alimentos (85%), de vestuário (51%), telecomunicações sem fio (79%), energia elétrica (64%), concessionárias de água (212%) e coleta de esgoto (443%).

Com esse sistema tributário, os mais pobres pagam relativamente muito mais impostos do que os mais ricos no Brasil, o que além de não ser reconhecido pela sociedade, revela o baixo nível de solidariedade fiscal vigente. A falta de transparência sobre quem realmente é contribuinte, ocasionada pelo elevado peso sobre os tributos indiretos, distorce a percepção sobre quem financia as políticas públicas e transparece que apenas os que pagam impostos sobre a renda são contribuintes de fato. E o fato dos mais pobres não se enxergarem como contribuintes dificulta que se reconheçam como cidadãos providos de direitos, que devem ser cobrados do poder público. E neste contexto, não surpreende que a sustentabilidade e legitimidade das políticas sociais sejam questionadas, sobretudo no que se refere às transferências de renda não contributivas.

Ademais, a relativa reconcentração das receitas tributárias pelo governo federal, a partir do forte peso das contribuições na fonte de financiamento da seguridade social, que não são repartidas com estados e municípios, traz consequências sobre o funcionamento de um federalismo mais cooperativo, particularmente em relação às políticas sociais universais. Como ressalta Afonso (2010), enquanto os benefícios previdenciários e assistenciais são centralizados no governo federal, os gastos com programas universais são dominados pelos gastos estaduais e municipais. O fato de parte significativa dos gastos com as políticas universais estarem sob responsabilidade dos entes federados, é mais uma questão a ser considerada quando se discute a necessidade de articulação e maior integração das políticas sociais para o enfrentamento da pobreza, pois se constitui num fator que amplifica a complexidade da coordenação intergovernamental e intersetorial.

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3. A Matriz Institucional das Políticas Sociais Brasileiras no