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Prédio da Federação de Juntas de Vizinhos (FEJUVE)

Fonte: Cedido por Chuquimia. Disponível em http://elaltobolivia.blogspot.com

Zibechi (2006) afirma que a emigração de aproximadamente seis mil famílias mineiras a El Alto influenciou significativamente na Federação de Juntas de Vizinhos como instituição. Este setor social apresentava algumas particularidades no momento da (re)localização: grau de escolaridade superior à média do país, experiência de luta e organização nos sindicatos mineiros e saberes vinculados à capacidade de organização (em certa medida) autônoma em relação ao Estado e partidos. Na medida em que a FEJUVE é resultado da organização comunitária dos migrantes rurais, a qual se mistura com a experiência de luta do sindicalismo mineiro podemos observar algumas características sindicais (como a hierarquização de funções) e aspectos comunitários na FEJUVE–El Alto.

Em outras palavras, as práticas comunitárias andinas, que se expressam na autoconstrução da cidade a partir do trabalho por turnos e da lógica de reciprocidade,

representatividade e democratização de espaços, se delineiam na Federação de Juntas de Vizinhos como institucionalização de um processo social que o antecede e que é, sem dúvida, menos normatizado, mais espontâneo e criativo: a própria práxis cotidiana.

O contexto urbano, onde o espaço é mais institucionalizado, burocratizado, centralizado e vertical, próprio das metrópoles, também influencia a Federação. Porém, considerando que El Alto é uma cidade aymara, em que predominam a cultura e cosmo- visão indígenas, pode-se afirmar que a FEJUVE como instituição prioriza os processos democratizadores. No ano 2002 os vizinhos resolveram que as decisões importantes seriam definidas em ampliados de presidentes, ou seja, em assembléias que agrupam os dirigentes das 567 juntas, os quais por sua vez levam as decisões dos bairros que representam. Nesse sentido, afirmamos que o movimento social em El Alto busca democratizar os espaços de decisão política, retomando lógicas que “devolvem” o poder às bases, de modo que as pessoas que assumem a diretiva não determinam resoluções, mas representam a votação popular. Portanto, os processos tendem a ser mais horizontais, a se efetivar dentro de lógicas de organização coletiva, comunais.

Abraham Delgado, um dos líderes do movimento juvenil 2003, afirmou em entrevista que na organização política da Federação de Juntas de Vizinhos encontramos lógicas comunitárias do ayllu. Como exemplo, citou a rotatividade no Comitê Executivo da FEJUVE para os cargos de Presidente e Vice-presidente, com suas respectivas secretarias.

A rotatividade, obrigatória nos cargos, e a forma pela qual elegem os representantes tendem a descentralizar o poder, fazendo da representatividade uma função constitutiva da própria organização.

La FEJUVE- El Alto está organizada entre el aran y urinsaya. El aran es el sur y el urin es el norte. En el Alto no hay este no hay oeste. En el Alto hay el sur y el norte. El norte está organizado por varios distritos y el sur también. Y, los Presidentes de la FEJUVE van rotando. Si sale por ejemplo, alguien, del norte, cumple dos años, el siguiente año el que va a reemplazar a ese presidente obligatoriamente tiene que salir del sur, no puede salir del mismo norte. Va rotando así. En el mismo sentido, si hay 5 distritos en el norte por decir, entre ellos igual va rotando. Si acaso el presidente de la FEJUVE fue elegido del distrito 6, después de la gestión subsiguiente, le tocaría al norte de nuevo, pero ya no puede salir del mismo 6 , tendría que salir del 5 o del 7 y así tiene que rotar. La lógica del ayllu en la organización política es la rotatividad y el servicio de la autoridad (ENTREVISTA COM ABRAHAM DELGADO PELA AUTORA, agosto de 2007).

Outrossim, os representantes dos bairros na FEJUVE-El Alto não tomam nenhuma decisão. As questões são deliberadas coletivamente e o dirigente tem a

obrigação de levar as decisões da coletividade e agir como intermediário e defensor das decisões do grupo. Da mesma forma, uma assembléia dos diferentes dirigentes elege o Presidente da Federação e os cargos diretivos.

La autoridad en el ayllu no es una cuestión para hacer negocios, o algo personal. Este es un claro ejemplo de la cuestión política del ayllu: la rotatividad y el servicio a la comunidad. Entonces los [directivos] de la FEJUVE están obligados a servir a sus bases y sus bases son los vecinos de El Alto. Ellos no pueden decir que son elegidos a través de una urna. Un cabildo de los diferentes presidentes de los distritos (de más de 560 juntas o sea más de 560 pdtes.) en un congreso, que es un cabildo, es donde se elige el presidente de la FEJUVE y toda su directiva . En esos 2 años, ellos no son los que imponen a las bases, sino que son solamente porta-voces. Las bases son los que definen todos los lienamientos y el accionar de los dirigentes. Y ellos son los que cumplen nada más. Es un poder que viene de abajo y sube hacia arriba y no al inverso como en la cuestión occidental o europea que el poder viene de arriba para abajo. No es así. Esta es una lógica en El Alto (ENTREVISTA COM ABRAHAM DELGADO PELA AUTORA, agosto de 2007).

Este tema também é abordado pelo Secretário de Imprensa e Propraganda da FEJUVE-El Alto, Juan Carlos Ensinas. Ele confirma que os cargos na FEJUVE se revestem de uma significação diferenciada, uma vez que são aceitos como um serviço que a autoridade presta. Destaca que os cargos dos dirigentes não auferem nenhum tipo de salário. Estes são compreendidos como um serviço prestado à comunidade, acatado com prestígio:

nosotros acá como ejecutivos no recibimos ningún sueldo, nosotros venimos con una vocación de servicio, no tenemos ningún sueldo porque para nosotros estar aquí como ejecutivos es un honor. Por eso es que nosotros decimos que nos deberían llamar honorables, porque trabajamos ad honorem y no a los diputados o senadores ni consejales que se hacen llamar honorables. El honorable no tiene que recibir um centavo (...) Para nosotros estar en un ejecutivo es un honor, eso se lleva en la historia de nuestros hijos, de nuestra famila (ENTREVISTA A JUAN CARLOS ENSINAS PELA AUTORA, agosto de 2007).

Abraham também explicou que os dirigentes são os encarregados de realizar os trâmites na prefeitura para fornecer os serviços básicos. Porém, não recebem nenhum pagamento por estas tarefas, uma vez que concedem este serviço à zona em que habitam.

O Professor Pablo Mamani afirma que o sistema de rotatividade de cargos, o controle social, as tomadas de decisões em assembléias, a forma do uso da palavra, os documentos orais que valem como promessa, e o compromisso de ação fazem parte da

cultura e identidades indígenas do ayllu97. Além disso, explica que há dois poderes que estão em disputa permanente: a) um poder institucionalizado - mais normado, hierárquico - que representa as instituições do Estado ou civil e b) outro, mais disperso, fluente e diluído. O primeiro, mais vertical, se depara com o poder dos bairros, mais descentralizado. Embora nos bairros possam existir também cargos e mandatos hierarquizados, estes são mais horizontais, democráticos e accessíveis.

O Professor de Sociologia da Universidad Mayor de San Andres (UMSA) em La Paz e ex-Ministro de Educação e Cultura do atual governo (em 2006), quando entrevistado sobre a questão da deliberação democrática na práxis indígena em El Alto afirmou que:

la sociedad indígena tiene un planteamiento totalmente distinto a la democracia representativa y tiene una prática, no sólo discurso o teoría. Es en la práctica en que teorizan. En este sentido la deliberación colectiva constituye la base central de las decisiones. (...) Inclusive, El Alto consiguió sacar al presidente porque las unidades deliberantes fueron los barrios, los distritos. Fue realmente la colectividad en sí y no una cúpula de dirigentes quienes deliberaban (ENTREVISTA A FELIX PATZI PELA AUTORA, 17 AGOSTO).

Na opinião de Patzi, a organização política de El Alto definitivamente recupera algumas das práticas do ayllu, porém em contextos diferentes. A essência social se revitaliza, porém readequada ao nosso contexto histórico atual, principalmente à cidade. Nesse sentido, recupera-se basicamente a deliberação coletiva, a qual tem um impacto bastante significativo, uma vez que vai desde os espaços cotidianos até a Assembléia Constituinte, onde se discute que as circunscrições constituam unidades deliberativas em questões de importância nacional98.

Também é interessante mencionar que o representante desta circunscrição retoma a prática quechua/ aymara por meio da qual as pessoas não são eleitas através de partidos políticos, não há eleição em urnas, mas elege-se através da lógica de turno e rotação.

Es el (re)invento en el Alto: que la rotación sea por barrio, cada barrio va rotando, por ejemplo su diputado, en este caso. Ya no elegirían a través de una urna o elección partidaria, sino solamente por rotación. La propuesta es más interesante incluso para los municipios; el alcalade ya no sería elegido por partido, sino por rotación por un período de tiempo predeterminado. De esta forma, desaparecen los partidos. Esto es otro tipo de planteamiento. Esto se llama democracia comunitaria, donde la decisión vuleve

97

Entrevista a Pablo Mamani, Universidad Pública de El Alto dia 13 de agosto de 2007. 98

Uma circunscrição abrange entre 10 e 20 zonas de bairro. Cada bairro ainda tomaria as decisões nas Juntas de Vizinhos, porém teria um representante por circunscrição.

fundamentalmente a la colectividad y la colectividad la administra (ENTREVISTA A FELIX PATZI PELA AUTORA, 17 AGOSTO).

Sobre a tomada de decisões coletivas, também Zibechi (2006) afirma que existe uma cobrança democrática e popular (por parte das bases) pela transparência na atuação dos presidentes e representantes. A forma de tomada de decisões coletivas através de “ampliados” constitui uma das práticas sociais de soberania popular que a organização social de El Alto está projetando em nível nacional.

Dentro do tecido de relações institucionais, a legislação também estabelece a atuação do Comitê de Vigilância, entidade civil cujo objetivo é fiscalizar a disposição dos recursos da Prefeitura Municipal e que tem o poder de se pronunciar sobre o Plano de Desenvolvimento Municipal e sobre a execução orçamentária do mesmo. Este Comitê tem a obrigação de convocar um ampliado de presidentes para que se realizem as inscrições dos requerimentos dos seus bairros, com a prévia aprovação dos vizinhos. Zibechi (2005) considera os Comitês de Vigilância como “engranajes importantes del entramado de relaciones entre las Juntas Vecinales y el Estado”, expresso através do poder municipal. De fato, a mediação deste comitê faz parte do cumprimento das tarefas das Juntas de Vizinhos, a saber, a participação na elaboração de planos e programas distritais.

III.10 Universidade Pública de El Alto (UPEA) e a participação de gerações jovens na práxis coletiva

Uma das expressões mais acabadas na luta e construção coletiva dos espaços públicos por parte dos vizinhos de El Alto é a conquista da Universidade Pública de El Alto (UPEA). Luis A.Gómez (2004) ilustra o motivo.

Fueron los estudiantes de la Universidad Pública de El Alto (UPEA) y sus padres los principales valedores de esta novísima escuela, con marchas, huelgas de hambre y enfrentamientos brutales por toda la ciudad durante el 2001. Todavía se recuerda cómo durante una marcha hasta el Ministerio de Educación, los estudiantes resguardaron los mayores que con ellos iban: varias escuadras de jóvenes combatientes protegían el paso de la marcha con escudos hechos de láminas de calamina [metal para construir techos] de las posibles agresiones de la policía. O mencionemos sus luchas en diversas plazas, y en la sede de la universidad, enfrentando con palos, piedras y hondas las granadas de gas y las balas...política en las calles, total y decidididamente, porque así han aprendido a sortear los obstáculos, la marginación y las carencias (p.17).

Certamente, como Gómez afirma, El Alto desenvolveu uma nova forma de fazer política, intimamente ligada à práticas de autoconstrução e organização dos bairros.

Esta nova forma política toma conta dos espaços cotidianos e públicos e também conseguiu fundar a primeira universidade pública do século XXI na Bolívia. Na cidade de El Alto a política se faz no dia-a-dia e nas ruas.

A UPEA foi criada pela pressão e mobilização social em 2003, no entanto, a luta por esta reivindicação iniciou em 1989 em El Alto. Em entrevista, Quisbert, professor de Sociologia na UPEA, comenta que esta demanda surgiu dentro das Juntas de Vizinhos, onde já se discutia este tema na década de 80 do século XX nos congressos e ampliados de presidentes.

A partir da demanda dos moradores de El Alto, a Universidade Maior de São Andrés (UMSA) de La Paz, construiu a infra-estrutura e ambientes externos para o funcionamento especificamente dos cursos técnicos em El Alto.

Ese fue el objetivo de su construcción [la enseñaza de carreras técnicas], pero la Universidad de San Andrés no pudo hacer funcionar ni implementar la UPEA: durante años los ambientes estuvieron cerrados, nadie los utilizaba y no tenían mesas, ni pizarras, etc. Como la UMSA no tenía capacidad de implementar ni de hacer funcionar esta universidad, por eso en el ano 2000, aproximadamente en el mes de mayo, muchas organizaciones juveniles, e instituciones representativas, como la FEJUVE, y la Prensa de El Alto se organizaron y tomaron los predios de la UPEA. Según el periódico El Alteño, fueron unas 20,000 personas las que en la época ocuparon la universidad (ENTREVISTA A MÁXIMO QUISBERT PELA AUTORA, agosto de 2007).

No momento da ocupação encontrava-se na presidência o governo de Hugo Bánzer e a primeira reação diante deste ato foi a negativa total. “El Alto ainda era estigmatizado, olhado como um lugar onde residiam pessoas de segunda ou terceira categoria. Não podia, dessa forma, ter uma universidade própria” afirma Quisbert em entrevista.

No mês de setembro do ano de 2000 o parlamento nacional aprovou uma lei criando a UPEA, porém sem autonomia. O Ministério de Educação designava os cargos e autoridades:

Por lo visto, los docentes y autoridades eran muy autoritarios, no permitían asambleas estudiantiles ni docentes. Esto explotó, los estudiantes tampoco permitieron que el rector de la universidad estuviese vigilando e impidiendo todo tipo de reuniones. Entonces ahí surgió la demanda: queremos una universidad, pero que sea autónoma. Además otra cosa, la Universidad cuando ha sido creada estaba de alguna forma, controlada, fiscalizada por las organizaciones sociales, o sea la FEJUVE y la COR. Ellos eran como veedores, decían a ver como va la Universidad. Ellos presentaban el informe al Ministerio de la Educación. La gente se cansó de esta forma en que funcionaba la universidad y surgió la demanda de la autonomía. Y la universidad se dividió en dos (ENTREVISTA A MÁXIMO QUISBERT PELA AUTORA, agosto de 2007).

Como relata Quisbert, houve pressão social pelo funcionamento democrático na instituição, tanto pelo lado dos estudantes quanto das organizações civis de El Alto, que também fiscalizavam a atuação da universidade. Nesse contexto, surge a demanda pela autonomia.

Esta exigência cobrou considerável vigor, até o ponto em que os estudantes conseguiram tirar o reitor da universidade pela força.

El regresó con la policía y nuevamente unas semanas después lo han sacado de nuevo, así a la fuerza. Él se fue a leccionar a [la zona de] Villa Dolores y gastó todos los recursos de la Universidad, mientras que aquí seguía funcionando la otra mitad de la Universidad. Pero esa mitad que estaba en la universidad comenzó a demandar autonomía desde principios del 2003” (ENTREVISTA A MÁXIMO QUISBERT PELA AUTORA, agosto de 2007).

Em outubro daquele ano, os movimentos sociais na Bolívia conseguiram depor o presidente Sanchez de Lozada. Nesse momento, a cidade de El Alto e suas Juntas de Bairro se destacaram como articuladoras e executoras do levantamento, junto à FEJUVE e à COR. Desta movimentação faziam parte os estudantes da Universidade Pública de El Alto –UPEA. Quando o vice-presidente Carlos Meza assumiu a presidência concedeu autonomia à Universidade Pública de El Alto.

Los políticos mismos se han dado cuenta que El Alto tenía mucho peso político y que las condiciones para que se dé la autonomía ya estaban generadas. Por eso es que muchos jóvenes que han luchado por la autonomía estan estudiando ahora en la universidad” (ENTREVISTA A MÁXIMO QUISBERT PELA AUTORA, agosto de 2007).

. Zibechi (2006) afirma que no final da década de 1990 começou a aparecer uma nova geração, a que chama de “geração UPEA”. Até o ano 1999 parte significativa dos dirigentes era maior de 50 anos, muitos aposentados, portanto, com tempo para as tarefas das Juntas de Vizinhos. Entretanto, no limiar do século XXI aparecem estudantes e professores que não relevam os mais velhos, mas vão ao seu encontro.

Abraham Delgado também foi um dos dirigentes do movimento pela UPEA. Em entrevista, ele afirmou:

ha sido una conquista de lo colectivo de El Alto, han estado todas las organizaciones de El Alto, en las marchas, en las movilizaciones, ha sido un impulso de todos dentro de una lógica aymara. Porque la cuestión comunitaria es una participación colectiva, conjunta de todos. Este proceso fue así. Definitivamente la UPEA es una construcción colectiva (ENTREVISTA A ABRAHAM DELGADO REALIZADA PELA AUTORA, agosto de 2007)

Foto 30: Uma das laterais da Universidade Pública de El Alto (UPEA),